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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PEDRAS TAMBÉM CHORAM


PEDRAS TAMBÉM CHORAM
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Acostumado à aspereza da vida, não pensava que choraria. Ao menos, daquela forma. Copiosamente. Teria o barulho do chuveiro elétrico disfarçado os suspiros e grunhidos vindos da alma? Temia que não. Afinal, tantos anos de farda e serviços prestados aos aparelhos repressores do Estado contribuíram para forjar uma espécie de máscara. Rude, mas pelo visto superficial. Não era tão forte assim. O box do banheiro servira talvez de escudo, não contra arruaceiros, baderneiros, torcedores tomados pelo fanatismo doentio. A única turba naquele instante era das mais profundas emoções e sentimentos que brotavam do peito. Este doía a ponto de temer pelo pior. Não se surpreenderia caso quedasse fulminado por um ataque cardíaco. Beirava os cinquenta, dormia e alimentava-se mal. Terreno propício às enfermidades do corpo. A proximidade da aposentadoria não fora suficiente para dar-lhe tranquilidade nem tampouco confiança no porvir. Dia após dia, noite após noite, pensava na família, em especial no filho mais novo. O mesmo que agora se tornara a fonte de todo aquela dor. As lágrimas corriam torrencialmente, confundindo-se com a água que caía por sobre a cabeça. Vez por outra, a imagem da esposa afogada no interminável choro só fazia aumentar o mal-estar. Onde errara? A fatídica pergunta o atormentava. Não conseguia, por maior que fosse o esforço, enxergar a luz no final do túnel. Tudo parecia perdido. Feito corvos, pensamentos nada otimistas, rasantes, sobrevoavam a cabeça do militar. Teriam sido cinco, dez, quinze minutos? Prolongara o banho mais do que de costume. Tentara mentalizar o trajeto entre o banheiro e o quarto de casal. O que diria se encontrasse alguém pelo caminho? Estava confuso. Optara pelo silêncio. Antes este do que palavras pela metade, quase sem nexo. Torcia para não cruzar com a mulher ou com os filhos, especialmente o mais novo. Sentia-se traído. O tiro saíra pela culatra. Tudo às avessas. Prendera larápios, abordara prostitutas, enfrentara homicidas, tiroteara com quadrilheiros... Afeito ao mundo do crime e da contravenção, sem com eles deleitar-se. O convívio com o submundo não fora suficiente para que se deixasse levar pelo canto da sereia. O dinheiro aparentemente fácil jamais o atraíra. O pouco que tinha era fruto dos longos anos de trabalho. A lisura de caráter sempre fora seu maior patrimônio, sua maior herança. Agora vinha o guri para jogar por terra tudo o que ensinara. Maldita hora que comprara aquele computador. O filho varava a noite dedilhando o teclado, metido nas redes sociais. Nelas, se transformava. Tentava parecer o que, no fundo, jamais fora. Afinal, de onde tirava aquele vocabulário chulo? Aquelas abreviaturas um tanto que sem sentido? Não serviu, por certo, a casa de escola para tamanho desmando. Triste ironia. Pai militar e o filho lhe apronta. O corredor parecia não ter fim. Nunca o quarto lhe parecera tão distante. A mulher já estava sobre a cama, virada para o lado contrário ao da porta. Talvez dormisse. Mais provável que não. O edredom floreado denunciava o soluçar da companheira. Não sabia como acalentá-la. Não se dá o que não se tem. Não tinha paz, como oferecê-la? Aceitaria a esposa mais sofrimento e dor? Não suportaria. O policial optara por apenas deitar, sorrateiramente. Ele fingia pensar que ela dormia. A mulher, por sua vez, fingia acreditar que ele pensava estar ela dormindo. Confusão de ideias. Entrara para baixo das cobertas. Entre eles, o silêncio. Não demorou, o choro voltou. Fazia lembrar o Vesúvio a inundar Pompeia. Impossível controlar. Ambos se entreolharam em meio às sombras do quarto. As silhuetas iam ganhando vida à medida que as lagrimas dos dois se encontravam. Nenhuma palavra. Pudera! O abraço mútuo se mostrara suficiente para aplacar a dor de ambos. Reacenderam eles não apenas o amor, mas também a esperança.  


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