PEDRAS TAMBÉM CHORAM
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Acostumado à aspereza da vida, não pensava que
choraria. Ao menos, daquela forma. Copiosamente. Teria o barulho do chuveiro
elétrico disfarçado os suspiros e grunhidos vindos da alma? Temia que não.
Afinal, tantos anos de farda e serviços prestados aos aparelhos repressores do
Estado contribuíram para forjar uma espécie de máscara. Rude, mas pelo visto
superficial. Não era tão forte assim. O box do banheiro servira talvez de
escudo, não contra arruaceiros, baderneiros, torcedores tomados pelo fanatismo
doentio. A única turba naquele instante era das mais profundas emoções e
sentimentos que brotavam do peito. Este doía a ponto de temer pelo pior. Não se
surpreenderia caso quedasse fulminado por um ataque cardíaco. Beirava os
cinquenta, dormia e alimentava-se mal. Terreno propício às enfermidades do
corpo. A proximidade da aposentadoria não fora suficiente para dar-lhe
tranquilidade nem tampouco confiança no porvir. Dia após dia, noite após noite,
pensava na família, em especial no filho mais novo. O mesmo que agora se
tornara a fonte de todo aquela dor. As lágrimas corriam torrencialmente,
confundindo-se com a água que caía por sobre a cabeça. Vez por outra, a imagem
da esposa afogada no interminável choro só fazia aumentar o mal-estar. Onde
errara? A fatídica pergunta o atormentava. Não conseguia, por maior que fosse o
esforço, enxergar a luz no final do túnel. Tudo parecia perdido. Feito corvos,
pensamentos nada otimistas, rasantes, sobrevoavam a cabeça do militar. Teriam
sido cinco, dez, quinze minutos? Prolongara o banho mais do que de costume.
Tentara mentalizar o trajeto entre o banheiro e o quarto de casal. O que diria
se encontrasse alguém pelo caminho? Estava confuso. Optara pelo silêncio. Antes
este do que palavras pela metade, quase sem nexo. Torcia para não cruzar com a
mulher ou com os filhos, especialmente o mais novo. Sentia-se traído. O tiro
saíra pela culatra. Tudo às avessas. Prendera larápios, abordara prostitutas,
enfrentara homicidas, tiroteara com quadrilheiros... Afeito ao mundo do crime e
da contravenção, sem com eles deleitar-se. O convívio com o submundo não fora
suficiente para que se deixasse levar pelo canto da sereia. O dinheiro
aparentemente fácil jamais o atraíra. O pouco que tinha era fruto dos longos
anos de trabalho. A lisura de caráter sempre fora seu maior patrimônio, sua
maior herança. Agora vinha o guri para jogar por terra tudo o que ensinara.
Maldita hora que comprara aquele computador. O filho varava a noite dedilhando
o teclado, metido nas redes sociais. Nelas, se transformava. Tentava parecer o
que, no fundo, jamais fora. Afinal, de onde tirava aquele vocabulário chulo?
Aquelas abreviaturas um tanto que sem sentido? Não serviu, por certo, a casa de
escola para tamanho desmando. Triste ironia. Pai militar e o filho lhe apronta.
O corredor parecia não ter fim. Nunca o quarto lhe parecera tão distante. A
mulher já estava sobre a cama, virada para o lado contrário ao da porta. Talvez
dormisse. Mais provável que não. O edredom floreado denunciava o soluçar da
companheira. Não sabia como acalentá-la. Não se dá o que não se tem. Não tinha
paz, como oferecê-la? Aceitaria a esposa mais sofrimento e dor? Não suportaria.
O policial optara por apenas deitar, sorrateiramente. Ele fingia pensar que ela
dormia. A mulher, por sua vez, fingia acreditar que ele pensava estar ela
dormindo. Confusão de ideias. Entrara para baixo das cobertas. Entre eles, o
silêncio. Não demorou, o choro voltou. Fazia lembrar o Vesúvio a inundar
Pompeia. Impossível controlar. Ambos se entreolharam em meio às sombras do
quarto. As silhuetas iam ganhando vida à medida que as lagrimas dos dois se
encontravam. Nenhuma palavra. Pudera! O abraço mútuo se mostrara suficiente
para aplacar a dor de ambos. Reacenderam eles não apenas o amor, mas também a
esperança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário