Translate

segunda-feira, 30 de março de 2020

COVID-19, O MAIOR INIMIGO?


COVID-19, O MAIOR INIMIGO?
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A pandemia associada à Covid-19 é, por certo, algo muito sério. Até mesmo as previsões mais otimistas – trabalho aqui somente com aquelas fundamentadas em pesquisas científicas (quanto às demais, são desprezíveis...) – trazem muita preocupação, em especial em se tratando de países subdesenvolvidos como o nosso. O impacto sobre o sistema de saúde tende a ser desastroso, comprometendo ainda mais os já precarizados serviços prestados à maioria da população. Não menos terríveis são e serão as consequências econômicas advindas da quase total paralisação da indústria, comércio e serviços, por exemplo, levando à quebradeira das empresas (a maioria, pequenas e médias) e aumentando o número de desempregados, alargando, sobremaneira, o fosso da ignóbil desigualdade social. Caminha-se, perigosamente, em direção ao caos social, aguçado pela raivosa e insana polarização político-ideológica que busca simplória e irresponsavelmente dividir o país em “gremistas” e “colorados”, “ximangos” e “maragatos”. Na prática, acabam por prestar um grande desserviço à sociedade, ainda mais diante do triste quadro hoje existente. Não menos criminosa é a busca de alguns grupos em obter dividendos eleitorais frente à crise, demonstrando de forma clara e inequívoca o descompromisso com nossa gente. Parecem não perceber que o momento exige união de todas as forças políticas, partidárias, sindicais, organizacionais, estatais, etc. objetivando planejamento, execução e avaliação conjuntas, de forma a mitigar ao máximo os danos trazidos pela pandemia. Não surpreende, contudo, a postura de boa parte da dita classe política brasileira, postura esta marcada pela imbecilidade e clientelismo. Vive-se num arremedo de República, onde os Poderes batem cabeça, embriagados que estão por interesses espúrios, onde “público” e “privado” se misturam em prol de alguns poucos, enquanto a maioria segue à margem dos direitos consagrados na Constituição. Mudou-se a forma de governo, da Monarquia para a República, mas a perversa lógica permanece. Executivo, Legislativo e Judiciário seguem, salvo raras e honrosas exceções, dissociados do verdadeiro espírito público, mais parecendo feudos loteados pelos “amigos do rei”. Quantos brasileiros perderam a vida nos últimos doze meses em decorrência da subnutrição, falta de exames preventivos, escassez de medicamentos, violência urbana, precariedade no saneamento básico, etc.? Quantos brasileiros perderam a esperança devido à falta de oportunidades, falta de celeridade da Justiça, inexistência ou insuficiência de políticas públicas voltadas à geração de renda, etc.? Quantos brasileiros seguem à margem de serviços públicos de qualidade na saúde, educação, segurança, etc.? Não tenho dúvidas de que o mal trazido pela Covid-19 é grave, mas infinitamente menos impactante do que o profundo e vergonhoso descaso do Estado e de seus agentes, em especial daqueles que sob seus ternos e togas se locupletam com dinheiro público, em prejuízo do país como um todo. Espero que a pandemia passe, mas que também “passe” o lacaio promíscuo que trai a ética, a verdade, a honestidade e a hombridade. Lutemos e sepultemos o mal, seja ele em forma de vírus, seja em forma de homem...

sexta-feira, 20 de março de 2020

A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA


A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA
Prof. Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


            Momentos muito difíceis os que estamos vivendo. O mundo inteiro – inclusive aqueles países onde a pandemia do “novo coronavírus” (COVID-19) parece não ter atingido de forma mais intensa – vem sendo fortemente atingido, colapsando as estruturas, principalmente, sociais e econômicas. No Brasil, neste momento (10h30min. do dia 19/03/2020) – nunca pensei que cada minuto fosse tão importante… - tudo aponta em direção ao crescimento exponencial no número de casos diagnosticados, trazendo profundas preocupações acerca da real capacidade do país em prestar a assistência necessária aos infectados, em especial aos pacientes mais graves. Todos os entes federados vêm tecendo uma série de iniciativas legais (Leis, Decretos, Portarias, etc.) voltadas ao regramento das pessoas físicas e jurídicas, objetivando mitigar os prováveis e sérios problemas advindos da pandemia. Dentre as iniciativas, as instituições de ensino (públicas e privadas) ou suspenderam por completo suas atividades ou, então, as mantiveram por meio de plataformas digitais. Diante disso, inúmeras têm sido as dúvidas quanto à possibilidade das escolas, de Educação Básica, ofertarem o ensino à distância como forma de contar para a carga horária mínima (dias letivos e horas-aula) prevista na legislação, em especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei Federal nº 9.394/96), evitando não apenas a recuperação da mesma, mas também a inevitável desorganização do calendário escolar deste e dos próximos anos. Primeiramente, vale lembrar que a pandemia insere-se nos casos de “força maior” e “caso fortuito” previstos no ordenamento jurídico brasileiro, portanto exigem tratamento diferenciado. Inexiste direito ou bem maior do que a vida, devendo o Estado buscar todos os meios para preservá-la. A pandemia é, indubitavelmente, uma situação excepcional e de enorme gravidade a exigir medidas de contingenciamento e reclusão (isolamento) de todos. A exigência, portanto, de cumprimento da carga horária (dias letivos e horas-aula) presencial deve ser, obrigatoriamente, flexibilizada, de forma a propiciar aos educandos que a cumpram à distância, ao menos em parte, ainda que eventualmente inexistam orientações emanadas dos órgãos responsáveis pelo assunto, como os Conselhos de Educação (Federal, Estaduais e Municipais). Nenhum documento normativo (leis, resoluções, regimentos escolares, etc.) pode ferir cláusulas que são pétreas de nossa Constituição, sendo a vida balizadora de todos eles. Ora, como não se pode comprometer a saúde (vida) do educando e, nem tampouco, seu direito à educação, resta claro que todos os esforços devem ser empregados para garantir ambos os direitos.

            A LDB, em seu Art. 4ºA, traz:
Art. 4º-A. É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação[1], ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa.
            Qual foi a intenção do legislador senão a de assegurar ao educando o direito a ter acesso à educação em situações de extrema necessidade, quando da impossibilidade do mesmo em deslocar-se até o estabelecimento de ensino? Vale lembrar que os estudos domiciliares têm caráter compensatório, ou seja, substituem a presença física do aluno em sala de aula e preenchem o requisito da carga horária mínima (dias letivos e horas-aula) a que tem direito. O raciocínio acima, se válido para casos pontuais (aluno em internação, para tratamento de saúde em regime, inclusive, domiciliar), por que não o seria para casos coletivos? O isolamento social ao qual foram todos os educandos brasileiros submetidos faz com que as aulas à distância sejam não apenas bem-vindas, mas estimuladas, pois que contribuem inegavelmente para prevenção necessária frente ao risco trazido pela pandemia.
            A LDB busca, sob todas as formas, garantir uma educação de qualidade, onde o acesso e permanência na escola sejam a tônica. Exatamente por isso, ela é flexível.
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
[...]
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.

            A mesma flexibilidade aplicável à forma de organização e ao calendário deve ser, também, aplicada ao uso do ensino à distância neste contexto a exigir medidas excepcionais. Deve restar claro que será preservado o número mínimo de horas letivas previsto na legislação, mas parte dessas horas se dará à distância, como ÚNICA forma de assegurar o direito do aluno ao acesso e permanência na escola, ainda que de maneira virtual. Infelizmente, muitas instituições de ensino, especialmente as públicas, não dispõem de estrutura (plataformas, por exemplo) para oferecer o ensino à distância. Ainda que tivessem, boa parte do público atendido (pessoas com baixo poder aquisitivo) não possui as ferramentas necessárias (celular, computador, sinal de internet, etc.) para levar a cabo a iniciativa, problemas estes que – em princípio – inviabilizam a oferta do ensino à distância. Além disso, existem as dificuldades que nascem da faixa etária dos educandos. Como, por exemplo, viabilizar o ensino à distância às crianças da Pré-Escola e Anos Iniciais do Fundamental uma vez que as mesmas não têm a autonomia necessária? Todavia, o que se defende aqui é o direito daquelas instituições de ensino que demonstram condições de oferecer o ensino à distância de o fazê-lo. Vejamos o que diz a LDB, em seu Art. 32, § 4o :
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:  
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino à distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
           
            Alguma dúvida quanto à pandemia ser uma “situação emergencial”? Sendo o ensino à distância aplicável ao Fundamental, não o seria, também, para o Médio? Obviamente que sim, até porque nesta etapa da Educação Básica o grau de autonomia do educando é muito maior, o que viabiliza, ainda mais, o uso de plataformas digitais. Conclui-se, portanto, que – respeitadas as limitações de cada escola e de cada rede de ensino – o ensino à distância soa como a melhor (única) alternativa plausível e segura dentro deste contexto. Cabe aos órgãos competentes, em especial aos Conselhos de Educação, disciplinar e legitimar a iniciativa, pois que importante direito a ser assegurado ao educando.



[1]Todos os grifos são meus.