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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

ALUNO REPETENTE PODE REPROVAR EM DISCIPLINA QUE APROVOU NO ANO ANTERIOR?


ALUNO REPETENTE PODE REPROVAR EM DISCIPLINA QUE APROVOU NO ANO ANTERIOR?
Prof. Gilvan Andrade Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



     A legislação, ao que tudo indica, não traz – de maneira explícita – uma resposta à pergunta acima. Portanto, faz-se necessário uma construção que, na medida do possível, contribua para dar um norte aos alunos, pais, educadores, escolas, mantenedoras que, muito comumente, ao término de cada ano letivo, quando das derradeiras decisões dos Conselhos de Classe, trazem o assunto à pauta. A Lei nº 9.394/96, tida como a “Bíblia” da educação nacional, aponta para a “progressão” do educando, de modo a que ele alcance patamares cada vez mais elevados no processo ensino-aprendizagem. Veja-se um exemplo disso:

Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir1 no trabalho e em estudos posteriores.

     O Art. 24 do mesmo diploma é, ainda, mais claro:

Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
[...]
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
[...]
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
[...]
V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;


     Percebe-se, claramente, a intenção do legislador em, primeiro, sempre apontar em direção à progressão, ao avanço e, segundo, proteger o educando enquanto sujeito de direitos, deixando clara a situação, digamos assim…, de “hipossuficiência” do aluno na relação que trava dentro das instituições de ensino, sejam elas públicas ou não. O mesmo “espírito legislativo” é facilmente verificado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo. Depreende-se disso a certeza de que eventual “reprovação” deva ser vista como exceção à regra. O que dizer, então, da reprovação de aluno já reprovado no ano imediatamente anterior? Daí ter se criado uma espécie de “tradição” junto às escolas, a saber, de não reprovar aluno repetente em componentes curriculares que tenha já sido aprovado no ano anterior. O argumento normalmente utilizado é de que a legislação não permite, argumento este vago e nem sempre convincente. Qual é a legislação que, de forma clara, ampara essa “tradição”? Inexiste, salvo de forma tácita. O que temos são construções teórico-pedagógicas que buscam dar sustentação à ideia. Diz, por exemplo, o relator da Resolução CEE/SC nº 040/2016, Pedro Ludgero Averbeck2: “Estudos concluídos com êxito não se repetem, assim como frequência cumprida”. No mesmo diapasão, o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, em seu Parecer nº 545/2015 já trazia3:
Nesta perspectiva, um aluno que realizou seus estudos ao longo de um ano letivo e obteve aprovação em determinada disciplina, teve comprovada a sua aprendizagem e o seu desenvolvimento. Aprendizagem e desenvolvimento promovem transformações que ressignificam o sujeito e não podem ser anuladas.
     Ainda:
A progressão parcial, portanto, evita que alunos reprovados em componente(s) curricular(es) venham a repetir o ano e correr o risco de reprovação em componente curricular já concluído com êxito anteriormente no referido ano, o que no contexto da atual legislação e Diretrizes Curriculares Nacionais poderia ser considerado uma ‘aberração pedagógica’.


     O mesmo Colegiado, no referido Parecer, lembrava:

Da mesma forma, no caso de aluno reprovado em escola cujo Regimento não prevê a progressão parcial, ao ser transferido para estabelecimento que prevê tal possibilidade deverá ser matriculado no ano subsequente, devendo realizar os estudos de complementação curricular nos componentes em que não obteve aprovação na escola de origem.


     Percebe-se, claramente, sempre uma interpretação “mais benéfica” ao educando, vindo ao encontro, como já dito, do “espírito” da LDB. Portanto, a “tradição” de não reprovar aluno repetente em componentes curriculares que tenha já sido aprovado no ano anterior soa como razoável e bem-vinda, sendo facilmente justificada sob o ponto de vista jurídico e pedagógico. O não alinhamento à prática sim cria enormes dificuldades para as instituições de ensino. Estas – frente a eventual demanda judicial ou mesmo provocação da mantenedora e de outros órgãos fiscalizadores – deverão estar muito bem respaldadas em documentos que, de alguma forma, possam “legitimar” a decisão. Daí a importância de fartos, claros e criteriosos registros acerca da vida escolar do aluno, de forma a provar que todas as medidas possíveis (previstas na legislação e nos documentos norteadores da escola, como a PPP e o Regimento) foram adotadas para buscar a progressão do educando. Ainda assim, sem garantia de sucesso…

     Sabe-se que, na prática, muito comumente, a situação é complexa. Como fazer com aquele aluno que, por exemplo, em 2017 reprovou apenas em Matemática, mas em 2018 aprovou no referido componente curricular, porém reprovou nos que já havia sido aprovado no ano anterior? Como já sustentado ao longo desta breve análise, em princípio defende-se o direito desse educando em não ser retido. Nascem, daí, alguns questionamentos: por que a escola não garantiu a “progressão parcial” ao educando, quando da reprovação em 2017? Pode o aluno ser prejudicado em seu direito pelo não oferecimento da referida “progressão”? Percebe-se que a discussão sobre a possibilidade de reprovação de aluno repetente é “secundária”, pois deve ser precedida de outro debate, sob o risco de não o fazendo, estarmos colocando a carreta na frente dos bois. Soa como pouco inteligente e nada pedagógico atentarmos para as consequências (reprovação de aluno repetente) antes de nos debruçarmos sobre as causas (por que o aluno precisou “repetir” componentes curriculares que havia sido aprovado?). Alegar que tal “aberração pedagógica” é fruto da organização escolar (matrícula por Ano e não por componente curricular, por exemplo) e/ou da incapacidade da escola oferecer a “progressão parcial” acaba, na prática, por penalizar aquele que menos deve ser penalizado: o aluno.

     Por outro lado, a vedação à reprovação de aluno repetente em componentes curriculares que já tenha sido aprovado em ano anterior não pode e não deve servir de estímulo ao desleixo de nossas crianças e jovens. O compromisso com a aprendizagem deve ser a espinha dorsal de qualquer sistema educacional. A preocupação com a qualidade do ensino ofertado e com a efetiva aprendizagem deve prevalecer sobre todos os demais temas atinentes à educação. Assim, “aprovação”, “reprovação”, “metodologia”, “avaliação”, etc., nem de perto devem representar o centro do debate, mas tão somente são temas periféricos, destituídos de sentido se não alicerçados no propósito primeiro do processo ensino-aprendizagem.

1Todos os grifos são meus.
2Estabelece normas complementares e orientativas à Resolução CEE/SC nº 183/2013, relacionadas à adoção da progressão parcial e continuada, aproveitamento de estudos concluídos com êxito, regime de exceção de dispensa temporária da frequência, complementação da infrequência e estudos de alunos itinerantes para o Sistema Estadual de Ensino
3Trata das Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Sistema Estadual de Ensino.