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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

OS TRÊS PATETAS


OS TRÊS PATETAS
Gilvan Teixeira
Blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


A comédia pastelão das décadas de 1960 e 70, quando eu ainda não passava de um guri, parece mais viva do que nunca. Menos engraçada, é claro, a versão tupiniquim criada na republiqueta verde-amarela não deixa de guardar algumas semelhanças com aquela encenada por Moe, Larry e Curly. As patetices destes últimos são um nada frente àquelas promovidas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário de nosso vergonhoso país. A comicidade da arte pretérita dá lugar ao patético papel desempenhado por aqueles que, sob seus ternos e togas, não conseguem disfarçar o azedume que brota da ética putrefata e da arrogância abjeta. Batem cabeça os Patetas da República, fazendo lembrar baratas que, em fuga, esquivam-se da luz, pois que acostumadas aos ambientes escuros e fétidos dos porões das Câmaras, Assembleias, Prefeituras, Palácios e Tribunais de toda ordem. É falar em transparência, enlouquecem. É pensar em controle social, endoidecem. É cogitar em equidade, desfalecem. Não por acaso, o Brasil mais parece um enorme móvel tomado de cupins. Por fora, aparenta – por vezes – certa normalidade, não fossem os “farelos” em forma de violência urbana, escolas e hospitais sucateados, desemprego, desigualdade social, carga tributária insana, falta de saneamento básico, corrupção generalizada, precarização dos direitos trabalhistas e previdenciários, disseminação do ódio em relação às minorias… Farelos que vão sendo varridos para baixo do tapete, escondidos sob as cuecas, justificados por meio de sentenças, legitimados através de dispositivos legais, tornados palatáveis pela irracionalidade da propaganda. Enquanto isso, as estruturas da famigerada República e do falacioso Estado de Direito definham sob o ataque voraz das pragas. Quanta patetice! O equilíbrio sugerido por Montesquieu jamais existiu por estas bandas. Enquanto o país mais parece um ébrio a enrolar as pernas, pois que frágeis os membros que deveriam sustentá-lo, os Poderes batem cabeça. Fazem lembrar a Hidra de Lerna depois de uma grande “cheirada”. Falta um norte, sobra palermice. Quem sofre é a “plateia” que – a preço de ouro – , sentada sobre o piso frio e úmido, sustenta o bizarro espetáculo. No picadeiro, o que se vê são os Três Patetas num ridículo improviso, indiferentes à qualidade do espetáculo, confiantes talvez no conforto modorrento de seus cargos. Frases prontas, chavões e citações em latim tentam engambelar o espectador, que, a mexer-se no assento duro, já demonstra certa impaciência. Vez por outra, a velha e carcomida, mas ainda eficiente, política do “pão e circo” sofre algumas turbulências. Apela-se então para a “mudança”, pois que trata-se da melhor forma de deixar tudo como está. Os Patetas mudam uma fala aqui outra acolá, trocam seis por meia dúzia, invertem uma ou outra peça do baralho e pronto! Segue o espetáculo. À plateia, pode haver momento mais jocoso do que aquele em que os Patetas batem um no outro? É quando, então, o que era “público” torna-se “turba”, saindo em defesa deste ou daquele Pateta, na vã esperança de deixar a insignificância do anonimato para ser protagonista. Quem ri, agora, são os Patetas. Sim, riem de nós, de nossa imbecilidade e tendência a ver no algoz um amigo, ainda que Pateta.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

“ALUNO É PARÂMETRO DELE MESMO”


“ALUNO É PARÂMETRO DELE MESMO”
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

            “O aluno é parâmetro dele mesmo!”. Quem já não ouviu o chavão? A afirmação, revestida de uma aparente aura acadêmica, ao que tudo indica, diz quase nada. Afinal, o que é “parâmetro”? Conceitos acerca do vocábulo temos de sobra. Usemos, a título de exemplo, uma das definições trazidas pelo Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Segundo ele, “parâmetro é aquilo que serve de base ou norma para que se proceda à avaliação de qualidade ou quantidade”. Parâmetro pressupõe, portanto, aquilo já existente. Qual é o “parâmetro” que o aluno possui? Qual é a distância ou diferença entre o que ele hoje demonstra saber (habilidades e competências desenvolvidas) comparado ao que apresentava ao iniciar o bimestre, trimestre, semestre, ano ou algo parecido? Ao que tudo indica nem ele e nem tampouco o professor ou a escola sabem. Buscando, consciente ou inconscientemente, responder a tão complexo questionamento apela-se, no meio pedagógico, a teorias que nada mais são do que evasivas a revelarem o profundo desconhecimento quanto ao processo ensino-aprendizagem. Não apenas “desconhecimento”, mas, por vezes, despreparo, acomodação e até mesmo certa arrogância professoral na difícil tarefa de avaliar o educando. Talvez, ainda, temor em levar a fundo a avaliação em relação ao “outro”, afinal isso é também “avaliar-se”, debruçar-se sobre o próprio trabalho, correndo o risco de – muito provavelmente – precisar mexer no planejamento já amarelado pelo tempo, repensar a metodologia há anos adotada ou quebrar a cabeça na (re)montagem das velhas questões de prova. Tem sido comum, ainda, educadores/escolas propugnarem pela máxima de que “os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os quantitativos”, fazendo uma interpretação equivocada, senão bizarra, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei Federal no 9.394/96 traz:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
[...]
V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
[...]
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;
[...]

            Muitas escolas/professores traduzem os “aspectos qualitativos” como estando relacionados à postura do educando frente aos componentes curriculares, dando ao aluno uma “nota” (ou equivalente) pelo comportamento, organização, pontualidade, respeito às regras da escola, entrega de trabalhos, etc.. Ledo engano daqueles que assim procedem, pois os referidos atributos não passam de mera obrigação (inclusive contratual) do discente, não guardando relação direta com o “rendimento escolar”, este sim objeto do Artigo supra. O que se vê, na prática, é um preocupante processo de “idiotização” do aluno, onde – ao contrário do que se deveria esperar (até pelo enorme custo que representa a escola, pública ou não) – é notória uma “involução”, retirando dele o pouco que lhe resta da infância, como a curiosidade e o prazer pela aprendizagem. Conseguimos tornar a escola algo pior e mais cruel do que a caixa de Pandora, deixando esvair a própria esperança e empurrando o mancebo, cada vez mais, para o fundo escuro e distorcido da caverna. Como forma de mascarar tamanho fracasso, não são poucas as instituições que criam e multiplicam “instrumentos avaliativos” (provinhas, trabalhinhos, recuperação, “recuperação da recuperação”...) que mal conseguem disfarçar o cheiro fétido que brota da ignorância. O resultado não poderia ser pior: alunos chegando ao término dos Ensinos Fundamental e Médio sem os requisitos mínimos necessários. O que se pretende, obviamente, não é retirar da escola seu caráter de socialização e troca de experiências, mas atribuir (restituir) a ela seu principal papel, o de ensinar, sob o risco – de não o fazendo – perder o próprio sentido de existir. A escola não deve ser confundida com a “esquina”, a casa ou o clube que, vale lembrar, também são espaços importantes para formação do sujeito. A “escola é escola”, assim como “professor é professor”, redundâncias importantes mas, ao que parece, esquecidas. Urge lutarmos por uma escola de qualidade, onde eventuais teorias (behaviorista, ausubeliana, vygotskyana, piagetiana,  freiriana, etc) não sejam um fim em si mesmas ou meras “armas” em favor ou desfavor de ideologias vazias (de “esquerda”, “direita”, “centro”...), mas referenciais teóricos capazes de contribuírem para o que mais se espera de uma escola: a aprendizagem!

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

ESCOLA DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA


ESCOLA DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


Teoria e prática. Entre elas, uma distância oceânica, tomada de profundas fossas onde são comuns as contradições, ranços, preconceitos, corporativismos, vícios, acomodações, arrogâncias e narcisismos egocêntricos, ainda que enrustidos. A legislação brasileira é pródiga na previsão e exigência de uma escola pública “democrática” e participativa”. O espírito “cidadão” trazido pela Carta promulgada em1988 foi e vem sendo ratificado por inúmeros outros diplomas legais, sejam federais, estaduais ou municipais. Cachoeirinha, por exemplo, conta com as Leis Municipais nºs 2263/2004 (versa sobre os Conselhos Escolares), 2265/2004 (eleição de Diretores) e 2384/2005 (Sistema Municipal de Ensino), todas elas apontando na mesma direção, a saber o da “descentralização”, da “participação” e da “democratização”. Portanto, a previsão legal é farta no que tange à possibilidade de fazer da escola pública municipal (EMEIs e EMEFs) um espaço verdadeiramente “democrático e participativo”. Contudo, em que pese a legislação favorável e as boas intenções consubstanciadas, por exemplo, no Plano Municipal de Educação, infelizmente, o que se vê é uma enorme distância entre o pretendido e o realmente alcançado. Os resultados obtidos, tanto do ponto de vista da efetiva participação da comunidade escolar, quanto – e principalmente – do ponto de vista da qualidade do ensino, são pífios, estando muito aquém do razoável e aceitável. A quem cabe a “culpa” por tamanho fracasso? Carência de recursos humanos e financeiros? Gestão equivocada? Despreparo por parte dos servidores? Desvalorização salarial e profissional? Apatia e ausência da família? Descomprometimento do corpo discente? Soa como inócuo terceirizar a “culpa”. O grande desafio está em, sim, buscar responsabilidades (gestor, professor, educando, família, sindicato, etc.), mas sobretudo buscar identificar os problemas, criar estratégias viáveis para superá-los e, principalmente, colocá-las em prática. Urge superarmos o plano do discurso e dos chavões. Uma escola “democrática e participativa” não é algo dado, mas construído. Pressupõe desacomodação, trabalho, doação, embate propositivo e abertura para o diálogo. Corporativismos doentios, intransigências pessoais e/ou de grupos, benesses e privilégios de alguns poucos precisam dar lugar à vontade coletiva (da maioria). A escola não é do Diretor, do professor, do pai ou do aluno. A escola é um espaço público, portanto pertencente a todos os segmentos da comunidade escolar, de forma equitativa. Os fóruns e Conselhos de participação, em especial o Conselho Escolar (“órgão máximo em nível de escola”, conforme o Art. 2º da Lei Municipal nº 2263/2004), precisam existir não apenas sob o ponto de vista formal, mas “de fato”. Tarefa árdua, por certo, pois requer superar uma longa e poderosa tradição patriarcal e clientelista presente nas estruturas e relações de poder, inclusive naqueles espaços, como a escola, que deveriam propugnar pela transformação social. Finalmente, vale lembrar, “democracia” e “participação” não são sinônimo de “confusão” de papéis. A “César o que é de César”… Cada ator a orbitar em torno da escola tem um papel a cumprir, com seus respectivos direitos e obrigações, muitos deles previstos na própria legislação. Uma escola “democrática e participativa” é aquela em que não apenas reconhece tais idiossincrasias, mas as respeita e exige as respostas esperadas de cada membro da comunidade escolar. Daí a importância de Propostas Político-Pedagógicas e Regimentos claras, conhecidas e factíveis, capazes de servirem de norte às ações pedagógicas e administrativas junto às instituições de ensino.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

DIA INTERNACIONAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO


DIA INTERNACIONAL DE COMBATE À CORRUPÇÃO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


O dia 09 de dezembro foi escolhido pela Organização das Nações Unidas como Dia Internacional de Combate à Corrupção. Iniciativa esta interessante e seguida por muitos países, estados e municípios. Cachoeirinha, por exemplo, por meio da Lei Municipal nº 4574, de 2019, decidiu por fazer desse Dia um momento de reflexão voltada à conscientização dos munícipes sobre a importância do controle social e da necessidade de ampliação dos instrumentos destinados ao combate à impunidade. O que é, afinal, “corrupção”? Inúmeras são as formas de defini-la, tamanha sua variedade e complexidade. Dentre os conceitos interessantes acerca do termo, destaco aqueles que associam a corrupção à “deterioração”, “putrefação”, “modificação ou adulteração das características originais de algo”. Não por acaso, a corrupção é fétida, exala o mau cheiro da miséria criada e aprofundada por ela. Mesmo a aparente limpeza dos corredores e gabinetes de palácios, prefeituras, assembleias, câmaras e tribunais é incapaz de neutralizar o azedume cadavérico que brota das práticas espúrias que, histórica e diuturnamente, maculam as relações de poder. A corrupção, sabemos, é um câncer em avançado processo de metástase, que corrói o tecido social e lança por terra qualquer esperança de dias melhores. Mostra-se presente e estruturada nas organizações governamentais, intergovernamentais (ONU, por exemplo), esportivas (FIFA, CBF, etc.), em governos dos mais distintos matizes ideológicos (liberais, neoliberais, socialistas, sociais-democratas, “direita”, “centro”, “esquerda”…), partidos políticos, sindicatos patronais e de trabalhadores, Poderes do Estado (Legislativo, Executivo, Judiciário), órgãos de controladoria (Tribunais de Contas, corregedorias), agências ditas “reguladoras”, conselhos de toda ordem, empresas públicas e privadas… A lista é interminável, como o são as formas em que a corrupção se manifesta. Feito camaleão, essa praga faz uso de um diabólico mimetismo para se reforçar e perpetuar em nosso meio. Coopta pessoas e as corrompe sem nenhum pudor e não o conseguindo, as aniquila. Simples assim! Faz uso dos aparelhos do Estado, impudica e descaradamente, sob o manto da flagrante omissão – quando não o conluio – daqueles que, por dever ético e/ou legal, deveriam zelar pelos princípios republicanos. A corrupção, por certo, é a mãe dos maiores e mais cruéis males da humanidade. Ela mata, oprime, humilha, aniquila sonhos, destrói famílias, apodrece relações. Ao beneficiar alguns poucos, prejudica a imensa maioria. O ouro que reveste a pocilga dos corruptos, muitos deles togados e engravatados, contrasta com a desesperança das verdadeiras joias (muitas delas iletradas, calejadas, desdentadas) a madrugarem nas filas de hospitais, a chorarem sobre o corpo do ente querido vítima da insegurança e incompetência públicas, a vegetarem em meio a um ensino pífio, a disputarem espaço num transporte sem o mínimo de conforto, a buscarem o pão necessário à subsistência da família. A corrupção se retroalimenta por meio, também, de práticas que por vezes soam pequenas. Manifesta-se nas relações familiares, de amigos, de trabalho, de consumo, na escola… Como identificá-la? Como combatê-la? Inexiste receita, contudo o caminho passa necessária e obrigatoriamente pelo “meu”, pelo “teu”, pelo “nosso” posicionamento ético. Este precisa ser categórico, não tergiversar, ser inegociável ainda que prejudicial aos interesses particulares. Somente assim construiremos um país melhor, um estado menos injusto e uma cidade verdadeiramente para todos!