O CIRCO
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Noutros
tempos, era lugar de diversão, de indescritível alegria, especialmente por
parte dos de tenra idade. Ali, malabaristas disputavam espaço com animais e
seus adestradores, palhaços e equilibristas. Bailarinas, enfiadas em suas
roupas justas, a levitar com suas sapatilhas aladas. Destoando dos risos,
apenas a inconfundível voz dos vendedores das maçãs do amor, algodão doce, pipoca
e refrigerante. Sob a luz do picadeiro, os saltimbancos com suas brincadeiras a
transformarem aquele momento em algo impar e inesquecível. Tempos bons em que o
circo era certeza de boas risadas. Querem hoje, e não são poucos, vê-lo pegar
fogo. Imprudente e irresponsavelmente, esquecem que sob suas lonas jaz, sim, um
que outro desafeto, mas, também, incontáveis amigos, filhos, irmãos e
companheiros. Parecem esquecer que o fogo é “democrático”, a todos queima
indistintamente, pretos e brancos, cristãos e ateus, letrados e analfabetos,
liberais e socialistas. Alimentadas pelo ódio e desprezo, as chamas vão
ceifando vidas, evaporando a esperança e transformando em cinzas as relações.
Não demora, pouco restará senão um vale de ossos secos, onde a conversa franca,
o diálogo humanizatório e a companhia prazerosa serão coisas do passado. Ainda
ontem, quando todos se sentiam pertencentes ao circo, o simples monóculo era
suficiente para vislumbrar o mundo. Hoje, os tempos são outros. As lentes, por
mais numerosas e potentes que sejam, vão, a cada dia, ofuscando nossa visão. Já
não vemos e nem tampouco reconhecemos o outro. Não vemos a nós mesmos e nem nos
reconhecemos. Involuímos. Quiçá seja a fumaça do circo, asfixiante, espessa,
nauseante. Tamanha toxidade contagia, produzindo cenas de horror, um inferno
dantesco, sombrio, desanimador. Escasseiam-se os pontos de fuga e
multiplicam-se os gritos de socorro. Por todo lado corpos que, como copos
vazios, por mais coloridos que sejam, há muito perderam o próprio sentido. Pobres
recipientes, secos e sequiosos, já nada oferecem e nem tampouco recebem. Não
tarda, o calor do fogo deles arrancará a frágil e fugaz beleza. Pura
vaidade. Enquanto arde o circo, as
estruturas, até então tidas por sólidas, vão se desmanchando, sepultando
valores, moral, leis, tradições… Na hora do aperto, um que outro - tomado, quem sabe, por uma esquizofrenia
momentânea derivada do caos – esboça teses de “direita” e de “esquerda”,
enquanto segue cambaleante, sem norte, tropeçando nos corpos sem vida. As
cortinas, que antes se abriam a marcarem os atos da peça, já não existem.
Consumidas pelo fogo, não passam de fiapos incandescentes a denunciarem o ocaso
da vida. O que antes era um circo vai se transformando numa grande pira,
alimentada pelas páginas de Smith e de Marx, de Freire e de Carvalho, instigada
por corpos de todos os tamanhos e idades, de todos os gêneros, de todas as
crenças e ideologias. A fumaça escura vai formando uma triste coluna a alcançar
o céu, exalando o fétido odor da vaidade, da intolerância, do egocentrismo e da
indiferença. Saudade do velho circo, não daquele da política dos Césares,
alienante e sarcástico, nem tampouco do espetáculo piegas e descompromissado
com a sorte alheia, mas do circo das boas utopias, da convivência, da alegria,
da confiança, do diálogo, da cumplicidade frente ao sentimento daqueles que
acostumamos a chamar de “terceiros”, como se “primeiros” fôssemos.
Saudades de um circo em que a manifestação era coletiva por um coletivo. Bela reflexão!!!
ResponderExcluirQuerida e admirável amiga, comungo de teu sentimento. Precisamos evoluir, quem sabe enveredando para um processo semelhante ao do "Curioso Caso de Benjamin Button", saindo da atual e triste realidade e desembocando no meio de uma aldeia... O que achas? Abraço.
Excluir