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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

EJA, NÃO É PARA QUALQUER UM


EJA, NÃO É PARA QUALQUER UM
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



A Educação de Jovens e Adultos (EJA), não raras vezes, é vista como uma espécie de “sobra” da escola. Comum é ver a EJA servir de “depósito” de alunos multirrepetentes e/ou indisciplinados, além de um “quebra-galho” para professores destituídos do perfil necessário e esperado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em seu Art. 37, não deixa dúvidas quanto ao público a ser atendido pela modalidade:

Art. 37.  A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria1 e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. 
[…]
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.


A EJA existe, prioritariamente, para atender, portanto, alunos com gritante descompasso idade-série (Ano), desde que respeitado o limite mínimo etário previsto na legislação, a saber 15 anos no Fundamental e 18 no Ensino Médio. Assim, a indisciplina escolar não deve ser a razão da transferência do educando do Ensino Regular para a EJA, até porque inexiste qualquer garantia de sucesso no que tange à mudança de comportamento. Questões disciplinares – independentemente da etapa, nível ou modalidade de ensino – devem ser resolvidas no campo da prevenção, diálogo e, se necessário, aplicação de medidas e “sanções” previstas nos documentos norteadores da escola (PPP, Regimento, Estatuto Disciplinar, etc.). Da mesma forma a repetência. Esta, salvo em casos excepcionais, não deve servir de embasamento – ainda que velado – para direcionamento do aluno do Regular para EJA, sob o risco de agravarmos problemas como o da aprendizagem e da autoestima. Por outro lado, há de se ter cuidado para não fazermos da EJA uma espécie de peneira eugênica a afastar todos aqueles que não se enquadram nos moldes e padrões tidos como “normais” e “aceitáveis” pela Direção ou corpo docente que trabalha com essa modalidade. A busca de uma escola ideal, ascética, muito provavelmente redundará numa enorme frustração, estando fadada ao fracasso e distanciamento da comunidade que dela tanto depende e precisa. A EJA tem como seu principal (não exclusivo…) público-alvo, como já dito, jovens e adultos que, por algum motivo, não conseguiram acessar ou dar continuidade aos estudos na época “certa” (!?). Na prática, contudo, isso significa, muitas vezes, lidar com jovens e adultos que foram cuspidos para fora dos muros escolares por limitações de aprendizagem, problemas socioeconômicos, dificuldades emocionais, indisciplina, etc.. Trata-se de uma gente excluída, em maior ou menor grau. Contudo, jovens e adultos que, em que pese todas as agruras e dificuldades, mostram-se teimosos em acreditar na possibilidade da mudança por meio da educação. Gente sonhadora, esperançosa, sequiosa por uma vida menos dura. Um público marcado pelos mais diversos tipos e nuances de vulnerabilidade. Portanto, jovens e adultos merecedores de um olhar diferenciado, acolhedor, respeitoso e compreensivo.
O professor da EJA precisa mostrar-se atento e sensível frente à realidade acima. Somado à competência acadêmica, deve ser capaz de lançar seu “olhar viajante” sobre as idiossincrasias típicas da realidade que envolve a Educação de Jovens e Adultos. Não vale aqui o “puxadinho”, a “gambiarra”, o “jeitinho”. Exige-se profissionalismo, seriedade e comprometimento com o complexo processo ensino-aprendizagem dessa modalidade. Tão importante quanto a técnica, a metodologia e o domínio do conteúdo é a construção e fortalecimento dos vínculos afetivos. Estes representam condição sine qua non na arte do ensinar e do aprender, ainda mais quando diante de pessoas fragilizadas pelos incontáveis fracassos e “peças” criadas pela vida. Acuidades visual e auditiva são essenciais ao educador que trabalha com a EJA. Não necessariamente aquelas acuidades que passam pelos sentidos do corpo, mas sobretudo as que nascem da alma. O professor da EJA precisa ouvir o que diz o aluno, mostrar-se disposto a partilhar as inúmeras experiências de vida, medos e sonhos que tangenciam a história de cada educando.
1Todos os grifos são meus.

FICA A DICA: NOME SOCIAL


FICA A DICA!
Prof. Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


Vem crescendo o número de demandas, junto às escolas, de uso do chamado “nome social” por aqueles que não se identificam com o sexo biológico. Não são poucos os casos de instituições de ensino que impedem ou tentam impedir a inscrição do nome social nos registros oficiais, como boletins e cadernos de chamada. Tal postura nasce, por vezes, do preconceito – ainda que velado – em relação às escolhas e opções alheias. Porém, é muito comum que a resistência seja fruto da desinformação quanto à legislação existente, somada ao temor e insegurança de cometer equívocos que possam gerar dúvidas e/ou confusão documental quanto à vida escolar do educando. Apesar de compreensível esta última “justificativa”, ela precisa ser superada. A comunidade LGBTI não pode e nem deve seguir sendo penalizada por eventuais controvérsias ou insegurança jurídica. Ainda que imperfeita, a legislação atinente aos direitos desses cidadãos e cidadãs avançou muito. Exemplo disso é a Resolução nº 1/2018 do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP), que “define o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares”. Reza o documento1:

Art. 1º Na elaboração e implementação de suas propostas curriculares e projetos pedagógicos, os sistemas de ensino e as escolas de educação básica brasileiras devem assegurar diretrizes e práticas com o objetivo de combater quaisquer formas de discriminação em função de orientação sexual e identidade de gênero de estudantes, professores, gestores, funcionários e respectivos familiares.

Art. 2º Fica instituída, por meio da presente Resolução, a possibilidade de uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica.

Art. 3º Alunos maiores de 18 (dezoito) anos podem solicitar o uso do nome social durante a matrícula ou a qualquer momento sem a necessidade de mediação.

Art. 4º Alunos menores de 18 (dezoito) anos podem solicitar o uso do nome social durante a matrícula ou a qualquer momento, por meio de seus representantes legais, em conformidade com o disposto no artigo 1.690 do Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Como já dito, eventuais controvérsias – como a trazida pelo Art. 4º do diploma supra2 – não devem obstaculizar a garantia ao acesso e permanência nos bancos escolares daqueles que fazem ou queiram fazer uso do nome social. O município de Cachoeirinha (RS), nesse mesmo diapasão, por meio do respectivo Conselho de Educação, ao que tudo indica foi pioneiro no que tange à garantia e respeito aos direitos da comunidade LGBTI. O Parecer CME 05/2011, em sua Conclusão, traz:

O Conselho Municipal de Educação orienta que as instituições que compõem o Sistema Municipal de Ensino de Cachoeirinha concedam aos travestis e transexuais, maiores de 18 (dezoito) anos, o direito de se manifestarem por escrito, no ato da matrícula ou ao longo do ano letivo, seu interesse pela inclusão do nome social nos documentos internos da escola, excetuando-se o Histórico Escolar e as Atas Finais.

No caso de crianças e adolescentes a inclusão do nome social deve ocorrer mediante requerimento assinado pelos pais e/ou responsáveis legais.


Ao que tudo indica, a questão do nome social nos documentos e registros da escola está pacificada, restando pouca ou nenhuma dúvida no campo jurídico3. Por outro lado, existe ainda um Saara a ser percorrido quanto ao pleno exercício da cidadania da comunidade LGBTI junto às instituições de ensino país afora. Exemplo disso é o acesso aos banheiros e vestiários. O assunto provoca, por hora, grande celeuma. O próprio Judiciário tem titubeado frente a questão. Tramita no STF, há alguns anos, um processo envolvendo uma transexual que, ao fazer uso do banheiro feminino, foi agredida física e psicologicamente. Alguns ministros foram categóricos ao defenderem o direito da transexual:
Relator do caso, Luís Roberto Barroso afirmou que dignidade é um valor “intrínseco” a toda e qualquer pessoa, sendo dever do Estado garantir sua efetividade conforme as escolhas de cada um.
Nenhuma pessoa é um meio, todas as pessoas são um fim em si mesmas, ninguém neste mundo é um meio para satisfação de metas coletivas ou para satisfação das convicções ou dos interesses dos outros”, disse o ministro, parafraseando o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804).
Ao analisar o caso concreto, ponderou que o “suposto constrangimento” causado às demais mulheres num banheiro feminino pela presença de uma transexual “não é comparável ao mal estar” suportado por ela se tivesse que usar o banheiro masculino4.

Outros ministros, por sua vez, opinaram em sentido diverso:
Presidente da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski, sem manifestar sua posição, também se disse “preocupado” com a decisão.
Eu fiquei um pouco preocupado também com a proteção da intimidade e da privacidade de mulheres e crianças do sexo feminino que estão numa situação de extrema vulnerabilidade tanto do ponto de vista quanto psicológico quando estão no banheiro”, afirmou.

Tamanha divergência não surpreende, pois reflete – ao menos em parte – os posicionamentos e pontos de vista da própria sociedade. O tema, por demais complexo, precisa ser discutido num ambiente de diálogo, respeito e sensatez. A Resolução 12/2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais5, por sua vez, parece não ter dúvidas quanto ao assunto:
Art. 6º - Deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.

O referido documento vai além:
Art. 7º - Caso haja distinções quanto ao uso de uniformes e demais elementos de indumentária, deve ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero de cada sujeito.

A discussão vai longe, como se vê, pois que em jogo questões jurídicas, éticas, morais, religiosas, etc.. A única certeza é de que vivemos uma nova era, onde – cada vez mais – os direitos das chamadas minorias são discutidos e reconhecidos, tempo em que as diferenças precisam ser vistas como pontes facilitadoras do diálogo e promoção da dignidade da pessoa humana.


1Todos os grifos são meus.
2A Resolução nº 12/2015, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, traz:
Art. 8º A garantia do reconhecimento da identidade de gênero deve ser estendida também a estudantes adolescentes, sem que seja obrigatória autorização do responsável.
3Obviamente, no campo das relações pessoais e de poder, ainda existe um longo caminho a ser percorrido contra o preconceito e resistência frente aos direitos da comunidade LGBTI.
5Ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.