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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

INCOERÊNCIA


INCOERÊNCIA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Somos bons em algumas coisas. Uma delas é a de produzirmos profundas e interessantes incoerências. O mesmo Estado letárgico, omisso e incompetente responsável pelo flagrante sentimento de insegurança e impunidade, de forma pouco comum e intrigante foi célere em apontar suspeitos por alguns atos de vandalismo, enquadrando-os como práticas criminosas levadas a cabo por quadrilheiros e outros “tipos” penais trazidos pelo ultrapassado e ineficaz Código Penal. Prontamente, os ditos “órgãos de segurança” (para quem?) – mesmo que respaldados por mandados judiciais – invadiram casas e apartamentos, tomaram posse de documentos, computadores e, pasmem, até livros que pudessem facilitar as investigações, fazendo lembrar – por vezes – a Inquisição. Foram queimadas talvez não obras literárias, mas reputações de jovens e suas famílias. Honra, lisura ética, respeito e reconhecimento junto à comunidade, nessas horas, são lançadas no lixo, ante a falta de cuidado dos aparelhos repressores do Estado. A imprensa, acostumada a jogar para a torcida, quase sempre promove um verdadeiro linchamento público, mesmo que – do seu jeito, é claro – garanta o famigerado “contraditório”. A ação estatal promovida em desfavor de jovens como Matheus Gomes e Lucas Maróstica deve servir de reflexão. O que se defende aqui, por certo, não é a violência, a depredação do patrimônio público ou quaisquer outros atos atentatórios ao interesse (?) público. Devo lembrar, é claro, que interesses público e estatal não são sinônimos. Ainda mais neste país, onde o Estado historicamente se distanciou da vontade da maioria. Não por acaso, saúde, segurança e educação de qualidade, por exemplo, seguem sendo privilégio de uma ínfima minoria. Os jovens citados cometeram algum delito? Não sei e nem tampouco cabe a este humilde professor averiguar. Todo e qualquer crime deve ser investigado, respeitado o direito de defesa, e punido. Ora, o que se questiona, isto sim, é a incoerência do Estado. A pressa, “extraordinária”, do Poder Público em achar um “culpado” para o problema é que preocupa e desperta enorme desconfiança. Não por acaso, cheira à perseguição política, o que, diga-se de passagem, seria vil e inaceitável dentro de um contexto dito democrático. O mesmo Estado que se mostra incapaz de promover a paz, reprimir o crime, sufocar a corrupção nas próprias entranhas, inibir a “promiscuidade” político-partidária, garantir celeridade aos intermináveis processos, de repente, não mais que de repente, age de forma rápida e firme (será que justa?) contra algumas lideranças de movimentos sociais. Por quê? Tivesse o Estado igual “agilidade” e rigor frente aos desvios de recursos públicos, superfaturamentos, improbidades administrativas, “super-salários”, privilégios corporativos, enriquecimento ilícito... O Brasil seria outro. É violenta a ação que danifica o patrimônio público e também privado? Sim. É violenta a ação que imobiliza a cidade, o estado e o país, impedindo o livre trânsito de pessoas, por exemplo? Sim. É violenta a ação que agride símbolos reconhecidamente nacionais? Sim. Contudo, inexiste maior violência do que aquela que joga às traças a maioria de nossa gente. A maior entre as violências é a do fosso, em parte criado e reforçado pelo Estado, que alija incontáveis parcelas da população daquilo que lhes é de direito. Há mais grave violência do que aquela que ataca a esperança de um povo? Nossos jovens, como o Matheus e o Lucas, deveriam ser o retrato mais fiel da esperança. Querem, porventura, acabar com o que eles representam: a seiva da mudança, o poder de indignação e o grito dos excluídos?  

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