INCOERÊNCIA
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Somos bons em algumas coisas. Uma delas é a de
produzirmos profundas e interessantes incoerências. O mesmo Estado letárgico,
omisso e incompetente responsável pelo flagrante sentimento de insegurança e impunidade,
de forma pouco comum e intrigante foi célere em apontar suspeitos por alguns
atos de vandalismo, enquadrando-os como práticas criminosas levadas a cabo por quadrilheiros
e outros “tipos” penais trazidos pelo ultrapassado e ineficaz Código Penal. Prontamente,
os ditos “órgãos de segurança” (para quem?) – mesmo que respaldados por
mandados judiciais – invadiram casas e apartamentos, tomaram posse de
documentos, computadores e, pasmem, até livros que pudessem facilitar as
investigações, fazendo lembrar – por vezes – a Inquisição. Foram queimadas talvez
não obras literárias, mas reputações de jovens e suas famílias. Honra, lisura
ética, respeito e reconhecimento junto à comunidade, nessas horas, são lançadas
no lixo, ante a falta de cuidado dos aparelhos repressores do Estado. A
imprensa, acostumada a jogar para a torcida, quase sempre promove um verdadeiro
linchamento público, mesmo que – do seu jeito, é claro – garanta o famigerado “contraditório”.
A ação estatal promovida em desfavor de jovens como Matheus Gomes e Lucas
Maróstica deve servir de reflexão. O que se defende aqui, por certo, não é a
violência, a depredação do patrimônio público ou quaisquer outros atos
atentatórios ao interesse (?) público. Devo lembrar, é claro, que interesses
público e estatal não são sinônimos. Ainda mais neste país, onde o Estado
historicamente se distanciou da vontade da maioria. Não por acaso, saúde, segurança
e educação de qualidade, por exemplo, seguem sendo privilégio de uma ínfima
minoria. Os jovens citados cometeram algum delito? Não sei e nem tampouco cabe
a este humilde professor averiguar. Todo e qualquer crime deve ser investigado,
respeitado o direito de defesa, e punido. Ora, o que se questiona, isto sim, é
a incoerência do Estado. A pressa, “extraordinária”, do Poder Público em achar
um “culpado” para o problema é que preocupa e desperta enorme desconfiança. Não
por acaso, cheira à perseguição política, o que, diga-se de passagem, seria vil
e inaceitável dentro de um contexto dito democrático. O mesmo Estado que se
mostra incapaz de promover a paz, reprimir o crime, sufocar a corrupção nas
próprias entranhas, inibir a “promiscuidade” político-partidária, garantir
celeridade aos intermináveis processos, de repente, não mais que de repente,
age de forma rápida e firme (será que justa?) contra algumas lideranças de
movimentos sociais. Por quê? Tivesse o Estado igual “agilidade” e rigor frente aos
desvios de recursos públicos, superfaturamentos, improbidades administrativas, “super-salários”,
privilégios corporativos, enriquecimento ilícito... O Brasil seria outro. É
violenta a ação que danifica o patrimônio público e também privado? Sim. É
violenta a ação que imobiliza a cidade, o estado e o país, impedindo o livre
trânsito de pessoas, por exemplo? Sim. É violenta a ação que agride símbolos reconhecidamente
nacionais? Sim. Contudo, inexiste maior violência do que aquela que joga às
traças a maioria de nossa gente. A maior entre as violências é a do fosso, em
parte criado e reforçado pelo Estado, que alija incontáveis parcelas da
população daquilo que lhes é de direito. Há mais grave violência do que aquela
que ataca a esperança de um povo? Nossos jovens, como o Matheus e o Lucas,
deveriam ser o retrato mais fiel da esperança. Querem, porventura, acabar com o
que eles representam: a seiva da mudança, o poder de indignação e o grito dos
excluídos?
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