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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

ÍNDIO VELHO


ÍNDIO VELHO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Falam alguns de um índio velho lá para as bandas de Caçapava. Dizem que é um figuraço, daqueles que só se encontra uma vez na vida. Costuma acolher a visita com a cuia estendida, pronta para a mateada. Os que o conhecem, descrevem o homem como um grande par de orelhas. É só ouvidos. Deixa quem o procura bem à vontade. Apenas escuta, ao menos de início. Ainda esses dias – segundo dizem – um sobrinho vindo da capital, um piazote mal saído das fraldas, estudante de Direito, sentara ao lado do velho e começou a falar sobre um tal de “garantismo”. A conversa girava em torno do assassinato de uma senhora, mãe de não sei quantos filhos, aposentada. Depois de morta, noticiavam, teria sido esquartejada. O ex-companheiro, réu confesso, teria alegado ciúmes para tamanho disparate. Enquanto falava, o sobrinho parecia não fazer questão de esconder certa complacência em relação ao criminoso. O índio velho só escutava. Dizia o rapaz que ao acusado deveria ser oportunizado o contraditório, a ampla defesa e a possibilidade de responder ao processo em liberdade, afinal era primário e tinha residência fixa. O tio, desacostumado ao palavrório acadêmico, ia sorvendo o chimarrão. Vez em quando, levantava os olhos por debaixo da aba do chapéu. Para o índio velho, fazer justiça era fazer o certo. Errou, que pagasse pelo erro. Por que tanto rodeio? Para que tanto estudo, pensava (mas não dizia...), se não era para resolver a questão? Sentia pena era da falecida. Pudesse, depositaria sobre o túmulo uma flor. Quando soube, pelo próprio sobrinho, que o bandido estava solto sob o beneplácito da Justiça, não entendeu. Até a erva pareceu amargar de uma hora para outra. Como assim? Noutros tempos, ai dele se olhasse atravessado para o pai ou desobedecesse a mãe. A vara corria solta. Jamais passara por sua cabeça a ideia de tirar a vida de alguém, menos ainda de perdoar quem o fizesse. O sobrinho ia, a cada espaço de tempo, usando novos conceitos e jargões jurídicos. Atrevera-se até usar latim. O índio velho não sabia se ria ou se dava uma camaçada de pau no guri. Não conhecesse o sobrinho, diria que este o estava ofendendo ou caçoando. Aos poucos o tio ia compreendendo o porquê da “distância” dos tribunais. Jamais pisara num. Não fazia questão, pois toda aquela gente vestida naquelas togas negras mais cheirava a enterro. Parecia-lhe outro mundo. Talvez por isso, não conseguia entender a “lógica” de quem anunciava a Justiça. Como fazer-lhe crer, homem vivido que era, que o certo era errado e o errado era o certo? Matar era errado. Punir o erro era o certo. Pronto. Simples assim, pensava o tio. Fora isso, era conversa fora. Enquanto o índio velho pensava, com os braços sobre a bombacha, o bacharelando tomava um laço da bomba. Virava daqui, virava dali, nada de fazê-la chiar. Via-se que o rapaz não levava jeito. Respeitoso, o tio fazia de conta nada reparar. Aos poucos, o sol, que até então os esquentava, ia se retirando. O índio velho, agradecido por mais um dia, parecia resignado. Não fosse a demora do sobrinho em devolver-lhe a cuia, sentia-se feliz. 

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