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quinta-feira, 25 de outubro de 2012



ZÉ LOUCO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Era guri e o Zé Louco já perambulava pelas ruas e avenidas de Cachoeirinha. Figura folclórica, desafia o tempo, pois que este passa e o Zé parece não envelhecer. Segue tão maltrapilho quanto simpático. A Providência, sempre divina, não o abandona. Por ironia, vão-se os ricos, os doutores, os “coronéis”, as beatas da cidade, e o Zé Louco segue mais vivo do que nunca. Faça sol ou faça chuva, a figuraça transita pelas calçadas. Cata daqui, cata dali, vai driblando com maestria a dureza aparente que a vida lhe reservou. Apesar disso, é duvidar, lá está o Zé Louco a abrir o largo sorriso. Gargalhada solta, entremeada com os já conhecidos gritos e malcriações saídas daquela boca. Mesmo assim, a ninguém escandaliza e nem tampouco incomoda. Ao contrário. Mesmo os mais puritanos não ousam condená-lo. O que seria de Cachoeirinha sem o Zé Louco? Vão-se os vereadores, secretários, prefeitos... fique o Zé. Faz parte da história do Município. Ao lado da antiga ponte, do Mato do Julho, da Casa do Leite, da fazenda Ritter, ele faz lembrar um passado “romântico” da cidade. O Zé é, talvez a única, unanimidade. Era se candidatar, batata, estaria eleito! Por certo, as “forças ocultas” logo suscitariam a impugnação de seu nome. Não suportariam a enxurrada de votos e nem tampouco o tapa de luvas de pelica. Talvez o Zé Louco os incomode. Talvez represente, ainda, a mais genuína forma de personificação das profundas contradições e paradoxos criados e perpetuados em Cachoeirinha. Abandono, exclusão, indiferença... No fundo, o Zé é cada um de nós, os que trabalham, os que sentem frio, fome, os que se sentem abandonados e esquecidos, os sem vez e sem voz. É, quem sabe, uma figura subversiva. Subverte ao escancarar as mazelas que, feito cupim, corroem por dentro. As perfumarias, os penduricalhos, os históricos “ajeitamentos” levados a cabo por sucessivas administrações até que tentam esconder a fragilidade existente, mas não tem jeito. Ela aflora. Mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor intensidade, a maldita fragilidade aparece, sob a forma do tráfico, da violência, da prostituição infanto-juvenil, das enchentes, do colapso no trânsito, da precariedade das escolas, dos míseros tostões pagos aos servidores, da arbitrariedade do Estado, da carestia... Como cupim, as mazelas por vezes “agem” às escondidas, porém seguem corroendo. O Zé Louco, figura emblemática, ao rir, talvez o faça de nós. Quiçá, divirta-se com nossa insignificância, prepotência e arrogância. Ele, espero, nos perdoe pela flagrante incapacidade de enxergarmos pouco além do umbigo e muito aquém do necessário. O Zé é o espelho de Cachoeirinha, não daquela que cerra os próprios olhos frente às injustiças, mas da Cachoeirinha que trago nas lembranças de guri, simples, porém, romântica.

4 comentários:

  1. Concordo,plenamente com você, meu tutor.Quem sabe ,o povo faça sua parte, com plena consciência e também espero como você bem descreveu a cima, da incapacidade de enxergarmos pouco além do umbigo e muito aquem do necessário.GRANDE ABRAÇO MEU AMIGO ...

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  2. A vida é curiosa, ler este texto de 2015, tão atual e representativo, desta figura que agora já não está conosco, de fato já não estava faz muito tempo, porém vemos que outros Zés estão circulando, cada um do seu jeito mas com uma essência de contraponto se repete e eternamente se repetirá. Contraponto de um povoado que insiste em mostrar ser o que não é, mas que aflora por mais que se tente sufocar....

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  3. Fico feliz em receber tua reflexão neste singelo espaço. Abraço fraterno.

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