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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

MEQUETREFE



MEQUETREFE
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Neste país, ninguém gosta de ser mequetrefe. Nossa “cultura” espezinha, joga às traças e lança no mais absoluto ostracismo o sujeito mequetrefe. Por aqui, o dinheiro empodera o indivíduo. Quem não o tem, precisa – ao menos – fazer de conta que o possui. Tal jogo de aparências tem se mostrado essencial no acúmulo do capital, onde poucos ganham muito, enquanto a maioria... Bom, a maioria tenta fugir à pecha de mequetrefe. Na terrinha onde o malandro é tido por herói, pouco importa a real condição do sujeito (sujeito de quê?). O que vale é acompanhar as novas tendências e tornar público as últimas aquisições. Vende-se a alma pelo celular, iPod, videogame, par de sapatos, bolsa, etecetera e tal. Tudo, de preferência, no plural. Não basta “um” para dar conta de tamanho ego. Produz-se, assim, não apenas lixo e mais lixo industrial, mas também humano. Figuras movidas pela incontrolável necessidade de ter, possuir, parecer... Mesmo que, para tanto, comprometam meses, anos, do já parco orçamento doméstico. O mais irônico é que o vazio existencial tem se mostrado diretamente proporcional ao número de prestações a serem pagas. O que era encanto, vira desespero e sentimento de culpa. Para expiá-la, entra-se num pérfido ciclo vicioso, onde novas aquisições são feitas e, com elas, dívidas e mais dívidas contraídas. Burro sim, mequetrefe jamais. O temor de parecer mequetrefe, mesmo o sendo, é tão grande que tudo parece valer a pena. Inclusive o crime, a perfídia, o engodo, a apropriação indébita, a traição. O que é a tênue e hipotética sanção penal frente à óbvia e certa invisibilidade social? Ninguém gosta de ser mequetrefe. Salvo, é claro, em momentos ímpares, como aquele amplamente divulgado pelos mais diversos órgãos de imprensa, onde o próprio advogado de defesa de uma das rés alegou ser sua cliente uma personagem mequetrefe na engrenagem por hora apresentada. A ré deve ter se revolvido na cadeira. Mequetrefe? Antes a condenação do que o vergonhoso adjetivo. O que vale uma vida sem as aparências? A expressão do defensor deve ter calado fundo, doído no rim. A acusada deve ter desejado, naquele momento, a morte. Sim, dela e do advogado, pago, muito provavelmente, a peso de ouro. Não deve ter dormido naquela noite e, nem tampouco, nas seguintes. O que pensaria sua família, amigos, colegas, subalternos... O que diriam os outros? Mequetrefe. O termo, feito corvo a comer o fígado de Prometeu, deveria soar como cravo nas mãos (não de Cristo, posto que tal comparação seria por demais indigna...) do crucificado. Pior ainda era ver o vocábulo sair, a posteriori, da boca do insigne ministro do mais elevado Tribunal do país. Inteligente o magistrado. Feito instrumento de tortura medieval, a palavra deve ter produzido na ré lancinante dor. Mequetrefe. Preferiria ela ter sido, quiçá recebido um “culpada!”, “condenada!”, mas não “mequetrefe!”. A estratégia da defesa surtira resultado? Só o tempo o dirá. O certo, contudo, é que o termo “mequetrefe” saiu do rol das expressões obscuras e desconhecidas, passando a ser um sinal de esperança em dias melhores, dias em que os reais e nobres valores se sobreponham à enganosa cultura fundada nas aparências, nos “jeitinhos”, dias onde a honradez e a ética jamais cedam lugar aos caprichos individuais, dias em que mequetrefes sejam tão somente aqueles que olvidam o interesse verdadeiramente público e coletivo.   

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