O PERFEITO IDIOTA
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Sentia-se
o perfeito idiota. Talvez, caso único em Tupiniquim, país com duas centenas de
milhões de pessoas. Idiota, só ele. Todo o Tupiniquim parara para assistir o
último capítulo da novela das nove. Ele não. Todos no país curtiam futebol e
pulavam carnaval. O idiota, ao contrário, preferia manter-se longe de tamanhos
prazeres. Enquanto ou outros tinham os nomes de artistas e personagens na ponta
da língua, ele por sua vez não conseguia esconder sua mais absoluta e profunda
alienação. Nas rodas de amigo, enquanto o assunto fluía – “viste quem matou
Fulano?”, “e aquela bola, heim? Não entrou...” –, o idiota ficava lá, como que
embasbacado, jogado a um canto. A memória do coitado era de dar dó. As pistas e
charadinhas de nada adiantavam. “Sabe aquela que fez o papel de Beltrana na
novela das duas, a mesma que era casada com o saradão da novela das sete, que
por sinal era o vilão na das nove e dirigiu a novela das onze...”. Vã
tentativa. O idiota, com cara de mais idiota ainda, deixava às claras seu desconhecimento
acerca dos babados da hora. Lembrava do passado, dos presidentes, senadores,
deputados, governadores, prefeitos, vereadores, dos conchavos e negociatas, dos
escândalos políticos, das trocas de moeda, dos altos índices inflacionários e
elevadas taxas de juros, da censura, dos atentados, dos indicadores econômicos,
de algumas siglas (PIB, IDH, IDEB, IPC...). Contudo, acerca das novelas que
saltavam da telinha, nada, absolutamente nada! Verdadeiro idiota. Conhecia
gêneros musicais, falava fluentemente cinco idiomas, interpretava os mais diversos
textos – herméticos que fossem –, escrevia com desenvoltura, mas mostrava-se
incapaz de responder o nome da telenovela que passara há mais de década atrás e
fora “remixada” (requentada, segundo o idiota!), com novos traseiros, seios
mais avantajados (siliconados, acusava o pobre coitado!), e diálogos cada vez
mais curtos, afinal que voltada a um público cada vez mais acurado
intelectualmente. O idiota não conseguia entender como o antigo pudor sucumbira
frente às cenas de sexo explícito em pleno horário nobre. Menos ainda, entendia
ele, como que – feitos zumbis –, homens, mulheres, crianças e idosos se
prostravam diante da tela, como que a lhe reverenciar. Entronizada, lá estava ela:
de plasma, LCD, LED... Grande, muito grande, enorme... Não entendia o idiota
que os tempos eram outros. Acreditava, inocentemente (todo idiota é inocente!),
que a leitura, o bom vocabulário, o fino trato ainda teriam lugar neste mundo,
nem que fosse em Tupiniquim. Não queria crer que a imagem de dois corpos a se
esfregarem libidinosa e impudicamente em público, ou uma verborreia ofensiva,
recheada de palavrões, pudessem tomar o lugar da poesia, do amor, do
respeito... Perfeito idiota. Sujeito fora de seu tempo, descontextualizado,
ultrapassado, alienado. Tupiniquim, em que pese à existência (resistência!) do
idiota, precisava seguir adiante, no rumo do progresso e da modernidade.
Leia mais:
http://www.tribunadecachoeirinha.com.br/
(edição de 16 a 31 de outubro de 2012).
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Nobre Prof Gilvan, se eu naõ estou enganado e se aprendi algo na minha vida estudantil chama-se Política do Pão e Circo correto...??? infelizmente.... muitos de nós tentamos por muitas vezes ler um livro interessante ou buscar coisas mais inteligentes... mas as bundas, os silicones, os personagens engraçados, quase abobados, as assassinas em série não nos deixam...
ResponderExcluirEducação é a saída...
Forte abraço, do seu ex-aluno!
É, apesar de transcorrido tanto tempo (muitos séculos...), a "lógica" permanece a mesma. As ditas "massas" seguem sendo ludibriadas e, feito "patinhos", alimentam e perpetuam as desigualdades. Como estás? Forte abraço. Gilvan.
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