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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

EJA: PARA ONDE VAMOS?

EJA: PARA ONDE VAMOS?
Gilvan



Na última sexta-feira de novembro do presente ano, professores e responsáveis por alguns setores (SSE e SOE, por exemplo) reuniram-se para discutirem acerca da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O objetivo era traçar como que um “perfil” do aluno que hoje freqüenta tal modalidade de ensino na Escola Municipal de Ensino Fundamental Getúlio Vargas. Tarefa difícil, afinal corre-se o sério risco de enveredarmos para uma espécie de “reducionismo”, simplificando demasiadamente algo que é deveras complexo. Bom seria, quiçá, falarmos em “perfis” da EJA, tamanha é a diversidade encontrada junto aos bancos escolares do ensino noturno de nossa Escola. Sim, diversidade étnica, sexual, etária, religiosa, política, econômica, entre tantas outras. Portanto, o que se busca aqui é tão somente esboçar uma espécie de “aluno médio”, talvez facilitando a elaboração de estratégias comuns voltadas à melhoria da qualidade do ensino que é ofertada na EJA.

A maior parte dos educandos da EJA da EMEF Getúlio Vargas é formada por adolescentes, realidade esta presente – ao que parece – em quase todas as instituições públicas municipais que ofertam o ensino noturno, independentemente da modalidade. Percebe-se aqui uma significativa mudança de perfil comparado há alguns anos. A EJA, antes “supletivo”, atendia principalmente a adultos trabalhadores que não haviam tido acesso à educação básica em idade própria. Hoje, não apenas os adultos são minoria, como os adolescentes estão afastados do mercado de trabalho, seja ele formal ou informal. Se por um lado, a EJA “renovou-se” do ponto de vista etário, por outro, descaracterizou-se, afastando-se em grande parte de seu propósito original. A esmagadora maioria do alunado da EJA de nossa Escola é oriunda das classes diurnas. São adolescentes maiores de quinze anos que foram, consciente ou inconscientemente, deportados do dia para a noite. Quanto aos motivos para tal prática, são inúmeros: alto índice de reprovação, causando uma enorme defasagem idade-série, o que dificulta a convivência entre o adolescente e o restante do grupo; inabilidade do corpo docente em lidar com os adolescentes; indisciplina escolar, fazendo com que a Escola opte pelo caminho aparentemente mais “curto”, qual seja, o do simples deslocamento do “aluno-problema” do dia para a noite; situações de vulnerabilidade social; necessidade do adolescente em buscar uma fonte de renda durante o período do dia; descontrole e falta de compromisso de algumas famílias com os adolescentes, criando-se uma falsa cultura de que a mera transferência destes últimos para o noturno significa o término da responsabilidade moral e jurídica em relação à prole; etc.

O contexto acima tem engendrado inúmeras situações de conflito entre a EJA que se tem e a que se quer. Há, indiscutivelmente, um oceano de distância entre o real e o ideal. Tal situação tem levado, por exemplo, alguns professores da EJA à exaustão física e psicológica, corroborando um sentimento de pessimismo quanto ao futuro dessa modalidade de ensino. Alguns alegam que há, entre outras conseqüências, um permanente conflito de gerações, onde os alunos mais velhos acabam por desistir da EJA frente à pretensa natureza “indolente” e “indisciplinada” dos mais jovens. O “vazio” (aparente ausência de quaisquer compromissos) característico (às vezes “estereotipada”) da adolescência afronta a visão de mundo dos mais velhos. A infrequência e evasão escolares, tão comuns na EJA, constituem outro sério problema a ser enfrentado. Chama atenção o caso dos mais jovens, pois que estão como que num limbo, nem céu, nem inferno. Nem evadem, nem freqüentam! Levas e mais levas de alunos (hoje, talvez, a maioria...) optam por uma espécie de vai-e-vem. Afastam-se da Escola por muitos dias seguidos e, após a ameaça de “prestação de contas” junto ao Conselho Tutelar ou a um que outro magistrado, retornam para sala de aula por alguns  dias. Dali pouco tempo, o ciclo se refaz. As conseqüências disso são trágicas, tanto do ponto de vista pedagógico quanto social. Pedagogicamente, o tempo perdido mostra-se irrecuperável, levando quase sempre à reprovação por faltas ou por insuficiência de rendimento. Elevam-se os índices de repetência, passando uma imagem de incompetência do corpo docente, da Escola, da mantenedora e do Poder Público como um todo. Quanto aos desdobramentos sociais, intensifica-se o grau de vulnerabilidade desses jovens, ficando à mercê do consumo de drogas, da delinqüência juvenil e da prostituição, por exemplo. Ante o exposto, surge e alimenta-se um jogo de “empurra-empurra”. Os atores envolvidos acusam-se mutuamente. “Bodes expiatórios” nascem, conforme o ponto-de-vista de quem faz a “leitura”. Hora a culpa recai sobre o aluno, hora sobre o educador, outras vezes sobre a família. Hora sobre a mantenedora e o Poder Público como um todo. Vez por outra sobre toda a sociedade. A busca de culpados, quase sempre, acaba por cegar e entorpecer os sentidos, prejudicando e anuviando a busca de saídas. Estas últimas passam, necessariamente, pela aceitação de que o problema é de todos, trata-se de uma responsabilidade compartilhada. Não se quer achar “culpados”, mas alternativas que mitiguem o problema.

A “falência” da EJA é algo já dado por muitos. Salas de aula vazias, altíssimos índices de reprovação, aprendizado pífio. O custo social das escolas de EJA é elevadíssimo. O contribuinte tem pago (caro!) por uma estrutura física e humana que não tem dado conta da aprendizagem dos alunos. Não ficaríamos espantados se mais escolas de EJA fechassem. Por certo cabe ao Poder Público o dever constitucional de garantir o acesso e permanência do aluno em escola pública de qualidade. Cabe à mantenedora fornecer os meios indispensáveis à manutenção de uma escola que dê conta das demandas existentes: espaços pedagógicos adequados, recursos tecnológicos modernos e eficazes, profissionais qualificados e em constante aprimoramento, formação e manutenção de uma “rede” de atendimento aos alunos com dificuldade de aprendizagem, “inclusos” e/ou em situação de vulnerabilidade sócio-econômica. Cabe ao educador, por exemplo, transformar teoria em prática; casar o discurso com a própria conduta; debruçar-se sobre a pesquisa; apropriar-se das novas tecnologias; dar vida (através de projetos) aos certificados obtidos, não raras vezes, com o dinheiro público; fazer dos cursos de formação não apenas um meio de obtenção da promoção por merecimento ou mudança de nível mas, sobretudo, um meio de qualificação de seu trabalho, com resultados práticos sobre a aprendizagem. Cabe à família exercer seu papel moral e legal de primeira instância de formação do adolescente, ensinando acima de tudo valores como honestidade, respeito, ética, solidariedade e alteridade; deve ela participar ativa e permanentemente da vida escolar do aluno, comprometendo-se com a aprendizagem do mesmo; precisa solidarizar-se e tornar-se cúmplice do processo pedagógico; deve buscar, sempre que preciso, os meios “além-escola” objetivando o atendimento integral do adolescente. A este, por sua vez, cabe assumir responsabilidades, comprometer-se com os estudos, respeitar os princípios de convivência existentes na Escola, buscar superar eventuais dificuldades de aprendizagem com esforço e dedicação, ser pontual e responsável na entrega das atividades solicitadas, entre outros.

O embrutecimento e “imbecilização” do aluno da EJA precisam ser rompidos. Mister é se aprofunde a articulação entre todos os que participam, direta ou indiretamente, do processo de formação do educando: profissionais da educação, família, aluno, Poder Público, sociedade civil organizada. No que tange ao ambiente escolar, mostra-se indispensável o planejamento permanente. Os encontros devem ter objetivos, principalmente, pedagógicos, instigando as “trocas” entre os diversos componentes curriculares, fomentando os múltiplos “olhares” em relação ao aluno, buscando saídas cooperativas, interdisciplinares, transdisciplinares, etc. A responsabilidade sobre o “não-aprender”, como já dito, é de todos. O sucesso ou fracasso do aluno é, indubitavelmente, o sucesso ou fracasso de todos. Ganham ou perdem todos. A Proposta Político-Pedagógica (PPP) deve deixar de ser um mero calhamaço de papel desconhecido pela comunidade escolar, passando a ser energia viva voltada às transformações necessárias. Para tanto, é necessário que haja, de fato, a participação do coletivo. Este precisa ser não apenas ouvido, mas auscultado. A comunidade precisa apropriar-se do espaço escolar. As “competências” de cada segmento precisam ser respeitadas. A EJA, ao contrário do que ocorre hoje, precisa preparar o educando para a vida, para o trabalho, para o exercício pleno da cidadania.

Um comentário:

  1. Buenas, Gilvan.

    Eu vejo no EJA nada mais do que aconteceu com a educação "convencional", só que com os agravantes relacionados ao turno e às condições que levaram este aluno a procurar tal modalidade.

    Nós que trabalhamos com educação conhecemos o tamanho do abismo que separa um aluno de Ensino Médio de hoje com um de vinte anos atrás.

    Com este déficit presente na educação dos jovens que estudam durante o dia, que não trabalham e tem relativo acesso à tecnologia, que caminho poderíamos esperar do aluno que vai estudar à noite, com colegas que não gostam do mesmo que ele e ainda por cima OBRIGADO.

    O que temos que pensar é, primeiro, como fazer com que o adolescente permaneça estudando durante o dia; segundo, como fazê-lo voltar a se interessar por aprender, pois isto está longe de fazer parte das prioridades dos jovens das periferias.

    Abração, Gilvan!

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