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sábado, 5 de novembro de 2011

A Prova

A PROVA
Prof. Gilvan

            Alvoroço. A turma do Médio ficou em polvorosa quando soube que a Prova estaria ali, disponível, a não maior distância do que aquela que separa o corpo em relação ao teclado do computador. Logo, multiplicaram-se as especulações. Um que outro dizia ter lido o conteúdo da Prova. Batata! Estariam salvos. Ainda mais naquelas alturas, quando o ano entrava em seu ocaso. Os mais mentirosos (“criativos”, para os pais...) faziam até questão de passar adiante o falso gabarito: “A, de anta; B, de besta; C, de....”.   Estudar? Para quê? Bastava logar-se na internet e pronto! Como num passe de mágica, as portas da esperança se abririam. Aprender, que nada. Bastava a aparência. Mais valia um boletim recheado de notas “azuis”, mesmo que beirando a mediocridade, do que o conteúdo de fato apreendido. Garantia-se, assim, não apenas o final de semana, mas também a participação no campeonato. A notícia correu a escola. Criou-se, inclusive uma teoria da conspiração. Diziam alguns que o danado do Rudi é que teria sabotado o pobre do professor. Embalado pela má fama do ENEM, o guri teria dado um jeito de apropriar-se da prova e, não contente, postara no mundo incontrolável da web o gabarito da dita avaliação. Não demorou muito para a notícia se espalhar. Verdadeira reação em cadeia. As redes sociais beiraram o colapso, tão grande era o número de “acessos”. A morte do Kadafi, a crise na Grécia, o eterno conflito árabe-israelense... Até o mais novo romance daquela modelo internacional, tudo não passava de ínfima fagulha frente ao “incêndio” provocado pela notícia nascida em meio ao Rubem Berta. Diziam, inclusive, que fora lançada a sorte diante das situações que se criaram. Tudo era motivo de aposta para os mais fanáticos. A jogatina teria corrido solta. Conta-se que um jovem professor teria montado uma banca: alguns jogavam na zebra, outros no porco, outros no veado. Não demorou para que tremulassem, em protesto, algumas bandeiras multicoloridas em nome do Orgulho Gay. Quem furtara a prova? O que se faria com o culpado? Seria expulso? Excomungado? Qual era o verdadeiro gabarito? Afinal, lá pelas tantas, eram tantas as opções que mais fácil seria acertar os números da mega-sena. O assunto passou a invadir não apenas o recreio, mas todas as aulas. Física, Matemática, Biologia, Filosofia... É, nem aquele professor “mão-de-ferro” conseguia segurar a gurizada. Mais parecia uma “Primavera Árabe”. Verdadeira turba enlouquecida atrás do pretenso gabarito. Até o típico bate-bola da Educação Física passou despercebido. Não fosse aquele guri – acostumado a ser deixado de lado na formação das equipes em dia normal de aula – a brincar, desajeitado, com a bola, as quadras mais pareceriam um Saara. Todos queriam era a dita Prova. Passou a ser uma questão de honra, de brios. Teriam alguns, dizem que da vinte e dois, feito uma “vaquinha” para pagar uma tiazinha metida a botar cartas. Não se sabe ao certo se o interesse era, de fato, no “além” ou nas curvas libidinosas da moça enfiada em trajes um tanto que escassos.  Já a turma vinte e um, mais afeita à filosofia da Escola, apelara para o pároco local. Tentativa estéril. O padre só queria saber de cantar: “Jesus Cristo, Jesus Cisto, eu estou aqui...”. O que era para ser um simples desafio, logo se tornou em desespero. A vinte e três até que tentou. Um grupo de guris da turma até aula “matou”, enfurnando-se num beco. Ali, como numa sociedade secreta, fizeram uma roda. Não se sabe como, mas logo surgiu um copo que foi posto no centro daquela espécie de mandala. Unissonamente, fecharam os olhos e passaram a entoar cânticos pouco inteligíveis. Nada do copo se mover. Frustrados, tiveram que retornar para a Escola, tendo ainda que arrumar uma bela desculpa para ingressarem fora do horário estabelecido. O tempo passava. Os ponteiros do relógio avançavam a passos largos em direção ao final de mais uma manhã, de mais um dia. A Prova se aproximava, como que fera a espreitar a vítima. Finalmente, o dia da tão temida avaliação de Geografia. Mal o professor colocara os pés na sala, a inevitável pergunta: estaria a Prova disponível na internet ? O professor, com ar de surpresa, por fim acabou com o mistério. Tudo não havia passado de um grande mal entendido. A dita Prova não passava, na verdade, de um texto postado num blog. Desfeita a confusão, o mestre procurou mostrar à gurizada que a solução para os desafios a serem enfrentados na vida encontra-se, sobretudo, no interior de cada um. Uma Prova não passa, no fundo, de um papel que hoje é rabiscado, preenchido, corrigido... Depois vai para o lixo. Na melhor das hipóteses, será reciclado. O que conta – seguiu o professor –, vai muito além de uma Prova. Vale é o que fica. O que permanece são os valores apreendidos por detrás de cada conteúdo, riquezas que permeiam e tangenciam todos os componentes curriculares. Devemos dar sentido às coisas. Quisera o pobre professor encontrar, mais adiante, cada um daqueles educandos sendo, quem sabe, médicos, advogados, professores, técnicos, comerciantes, patrões ou empregados... Antes, porém, verdadeiros homens e mulheres de bem, impregnados de bondade, solidariedade, compromisso com a verdade, amor ao próximo, alteridade, cumplicidade com os que buscam e promovem a paz. Dito isso, a Prova fora aplicada. No canto da sala, o Rudi puxava por sob a classe a folha com o pretenso gabarito das questões...    


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