ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Nada original o título, não é mesmo? Contudo,
precisava de uma “entrada” à altura do nobre ato levado a cabo por um aluno do
São Francisco. Quem? Pouco importa aqui. O que deve ser destacado é seu gesto.
O rapazote, no auge da adolescência, estava conversando com alguns amigos numa
banca de cachorro-quente quando não mais do que alguns metros adiante uma
senhora, aparentemente cega, vinha caminhando em sua direção. A mulher parecia
arrastar os pés. Andava lentamente, como que temerosa em esbarrar em alguém ou
alguma coisa. Não trazia bengala. Tateava. Apesar dos cuidados, o acidente
parecia inevitável. A questão era o quando aconteceria e qual a gravidade. A
velha senhora vinha, ao que tudo indicava, driblando postes e lixeiras, assim
como driblara – muito provavelmente – a própria vida. Sorte ou não, destino ou
não, o fato é que sobrevivera e estava ali para contar a história. Qual seria
mesmo sua história? Vinha ela pela calçada quando, de repente, esta afunilou
cerceada pela parede lateral da lanchonete. Mudança abrupta que pegara a
coitada de surpresa. Estava flagrantemente confusa. Atônita, talvez. Parecia
perdida, sem saber ao certo o que fazer. Simplesmente freara. O aluno, enfiado
em seu uniforme, não titubeou. Largou tudo, abandonou os amigos e saiu em
direção à velha senhora com intuito de ajudá-la. Ofereceu-lhe o braço, ao qual
a mulher prontamente aceitou. Feito banhista em apuros, quando diante da boia
salvadora do guarda-vidas, a senhora agarrou-se ao aluno. Porto seguro.
Impossível deixar de sorrir. Gratidão. Lembrava um filho grato quando diante de
sua genitora. A diferença era que ele, o rapazote, não tinha nenhum laço
consanguíneo, nenhum compromisso jurídico, nada que o vinculasse formalmente
àquela mulher. Apenas e tão somente o sentimento ético do que seja “certo” ou
“errado”. Nada demonstrava esperar em troca, sequer um “muito obrigado!”. Sem
falar, é claro, que correra o risco de ser motivo de chacota entre seus pares.
Que nada! Parecia por demais despreocupado com o que os “outros” haveriam de
pensar. Valia, isso sim, sua consciência. A convicção de que agira justa e
corretamente. Ficara a certeza, para quem – como eu – por ali passava, de que
existe esperança. Feito fagulha sob o carvão, basta um sopro para avivá-la. O
que ainda há pouco era escuro, enche-se de ardente vida. Por certo, a limitação
visual daquela velha senhora se esvaíra ante o apoio do braço amigo. A
gentileza, o cavalheirismo, a solidariedade, o compromisso com a sorte do outro
são apenas algumas das pérolas a serem buscadas em meio às ostras, mesmo que
hermeticamente fechadas, mesmo que enfiadas no mais íntimo dos oceanos. A pior
cegueira não é a do tipo que assola pessoas como a velha senhora, mas aquela
que atrofia as relações, fere de morte a ética e põe em risco a esperança. O
pior cego, já diziam os antigos, é o que não quer enxergar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário