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quarta-feira, 3 de julho de 2013

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA


ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Nada original o título, não é mesmo? Contudo, precisava de uma “entrada” à altura do nobre ato levado a cabo por um aluno do São Francisco. Quem? Pouco importa aqui. O que deve ser destacado é seu gesto. O rapazote, no auge da adolescência, estava conversando com alguns amigos numa banca de cachorro-quente quando não mais do que alguns metros adiante uma senhora, aparentemente cega, vinha caminhando em sua direção. A mulher parecia arrastar os pés. Andava lentamente, como que temerosa em esbarrar em alguém ou alguma coisa. Não trazia bengala. Tateava. Apesar dos cuidados, o acidente parecia inevitável. A questão era o quando aconteceria e qual a gravidade. A velha senhora vinha, ao que tudo indicava, driblando postes e lixeiras, assim como driblara – muito provavelmente – a própria vida. Sorte ou não, destino ou não, o fato é que sobrevivera e estava ali para contar a história. Qual seria mesmo sua história? Vinha ela pela calçada quando, de repente, esta afunilou cerceada pela parede lateral da lanchonete. Mudança abrupta que pegara a coitada de surpresa. Estava flagrantemente confusa. Atônita, talvez. Parecia perdida, sem saber ao certo o que fazer. Simplesmente freara. O aluno, enfiado em seu uniforme, não titubeou. Largou tudo, abandonou os amigos e saiu em direção à velha senhora com intuito de ajudá-la. Ofereceu-lhe o braço, ao qual a mulher prontamente aceitou. Feito banhista em apuros, quando diante da boia salvadora do guarda-vidas, a senhora agarrou-se ao aluno. Porto seguro. Impossível deixar de sorrir. Gratidão. Lembrava um filho grato quando diante de sua genitora. A diferença era que ele, o rapazote, não tinha nenhum laço consanguíneo, nenhum compromisso jurídico, nada que o vinculasse formalmente àquela mulher. Apenas e tão somente o sentimento ético do que seja “certo” ou “errado”. Nada demonstrava esperar em troca, sequer um “muito obrigado!”. Sem falar, é claro, que correra o risco de ser motivo de chacota entre seus pares. Que nada! Parecia por demais despreocupado com o que os “outros” haveriam de pensar. Valia, isso sim, sua consciência. A convicção de que agira justa e corretamente. Ficara a certeza, para quem – como eu – por ali passava, de que existe esperança. Feito fagulha sob o carvão, basta um sopro para avivá-la. O que ainda há pouco era escuro, enche-se de ardente vida. Por certo, a limitação visual daquela velha senhora se esvaíra ante o apoio do braço amigo. A gentileza, o cavalheirismo, a solidariedade, o compromisso com a sorte do outro são apenas algumas das pérolas a serem buscadas em meio às ostras, mesmo que hermeticamente fechadas, mesmo que enfiadas no mais íntimo dos oceanos. A pior cegueira não é a do tipo que assola pessoas como a velha senhora, mas aquela que atrofia as relações, fere de morte a ética e põe em risco a esperança. O pior cego, já diziam os antigos, é o que não quer enxergar!  

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