SISTEMA PARTIDÁRIO: ONDE ESTÁ MESMO O PROBLEMA?
Gilvan Teixeira
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blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Simplista é tentar explicar a desconfiança em relação
ao sistema partidário brasileiro a partir de apenas uma causa. Simplista e
ingênuo. Simplista, ingênuo e irresponsável. Os motivos que têm levado uma
incontável multidão à ojeriza em relação aos partidos políticos são inúmeros e
complexos. A começar pela história deste país. Mais de trezentos anos de
submissão à Coroa portuguesa, mais de meio século de modelo imperial, décadas
de República Velha, mais de trinta anos de ditadura civil (Estado Novo) ou militar
(1964-85)... O que sobra? Apenas um vintém de experiência democrática e quase
nada de know-how político partidário. Ainda que
democracia e sistema partidário não sejam sinônimos. No Império, mesmo no
período mais sombrio, tínhamos partidos, ainda que sob denominações diversas. Na
República Velha, onde vicejou o coronelismo e o cabresto, também as agremiações
partidárias deram o ar da graça, em que pese a forte conotação regional das
mesmas. Mesmo na Ditadura Militar, a partir de 1964, o famigerado bipartidarismo
esteve presente. O segundo grande entrave para o fortalecimento e
reconhecimento dos partidos políticos como canais de representatividade é a
extensão territorial do Brasil. Há uma enorme distância não apenas física, mas
sobretudo de interesses regionais. A pretensa unidade nacional, é sabido, não
passa de mera construção teórica. Não fosse o idioma – e, mesmo assim, tomado
de nuances – e alguns rompantes esporádicos em período de copa do mundo,
juraríamos serem vários países, tamanho as idiossincrasias existentes. Alguém
duvida ser o gaúcho mais admirador da própria bandeira do que a nacional? O
hino rio-grandense, qualquer guri o tem na ponta da língua, ao contrário do
“ouviram do Ipiranga...”. Tal complexidade, nascida do gigantismo físico do Brasil
associada ao processo histórico que levou à formação cultural, política e
econômica do país, por exemplo, obstaculiza a construção de uma plataforma
político-partidária que seja válida para todos os estados e regiões. Os
conchavos e alianças aqui aceitos não o são acolá. O que aparenta ser coerente
lá não o é aqui. Assim, o descrédito dos partidos junto ao eleitor só aumenta.
O que ainda ontem era pouco mais do que desconfiança, hoje é quase ódio. Tamanha
aversão, apesar de compreensível, é perigosa. Ora, se por um lado é inegável a
falência do histórico, atual e carcomido modelo político-partidário brasileiro,
por outro não se pode negar a importância dos partidos políticos como
instrumentos de representação dos mais diversos matizes sociais. O problema não
está no partido em si, mas nas relações que, através dele, se estabelecem. As
agremiações partidárias devem, primeiro, construir uma identidade clara que os
caracterizem. Devem assumir posições inequívocas, sejam à “direita”, ao
“centro” ou à “esquerda”. O mimetismo há muito adotado pelos partidos confunde o eleitor. O temor do insucesso quando dos pleitos tem feito deles uma “massa”
disforme, opaca e insossa. Não se sabe quem é quem. A preocupação com o
discurso “politicamente correto” tem ofuscado e aniquilado a essência do que
venha a ser um partido político. Partidos lembram “partes”, onde uma difere da
outra, pois do contrário não seriam partes, mas sim um “todo”. Este último,
enquanto visão ideológica, inexiste numa verdadeira democracia. Acreditar e
defender a “unidade” de pensamento cheira a ditadura, a fascismo, a
totalitarismo. Portanto, nada mais natural e aceitável do que partidos que
defendam o vermelho, o azul, o lilás ou o amarelo. No Brasil, tal obviedade passa de largo. As
bandeiras partidárias não passam de trapos coloridos. As siglas, por sua vez,
pouco dizem. Mais parecem sopa de letrinhas. Letras que se prostituem, que se
vendem, que negociam postos, secretarias e ministérios. Letras vazias. Frias.
Escorregadias, tanto quanto contraditórias. Ontem discurso de “oposição”, hoje
prática de “situação”. Qual é a saída? Não há receita que garanta sucesso na
empreitada de reverter o preocupante contexto. Urge, entretanto uma profunda reflexão
no que tange, por exemplo, à organização, fidelidade e ética partidárias, bem
como ao financiamento de campanha. Outro desafio: como estabelecer um viés
partidário capaz de levar em conta as, por vezes profundas, diferenças estaduais
e regionais? Como conciliar o direito à livre associação e a coibição do
surgimento de “partidos de aluguel”? Mister é que, também, se crie mecanismos
voltados ao fortalecimento da identidade partidária, aproximando prática e
estatuto da agremiação, restando clara sua opção ideológica, de modo a pôr fim
no presente “estelionato eleitoral”, onde o eleitor acaba, quase sempre,
comprando gato por lebre.
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