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quarta-feira, 10 de julho de 2013

A BRUXA


A BRUXA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                O inverno mal iniciara e o frio já era intenso. O minuano diminuía ainda mais a sensação térmica naquela manhã. Cachoeirinha estava envolta pelas brumas. Apesar do adiantado da hora – passava das seis –, ainda era escuro. O rio, ou o que sobrara dele, exalava uma densa nuvem a esconder tudo a sua volta. A artéria principal da cidade metropolitana mais parecia aqueles fiozinhos tomados de pequenas lâmpadas, muito comuns em período natalino. Verdadeiro pisca-pisca das lanternas traseiras dos automóveis, enfileirados naquele lerdo movimento de arrancadas e freadas. No interior dos coletivos, vultos. Anônimos, espremidos feito gado. Prontos para o abatedouro, para a dureza da lida. Verdadeiras sardinhas em direção à enorme boca recheada de dentes dos tubarões. Lado a lado, carros particulares, luxuosos alguns, e ônibus lotados. Entre eles, em comum, os vidros embaçados pelo contato do ar quente saído daqueles corpos com o gélido ar que brotava do polo meridional. O barulho artificial saído dos motores afugentara, há muito, o canto do galo. Não fosse o Mato do Julho e o “Bosque”, teriam desaparecido todos os vestígios do tempo em que o lugar trazia os ares do interior. Lá, no Bosque, em meio à paisagem bucólica, diziam os mais antigos, vivia a Bruxa. Não eram poucos os que juravam, de pés juntos, tê-la visto. É bem verdade que as narrativas pouco tinham em comum, salvo um ou outro detalhe. Alguns afirmavam tê-la visto enfiada num longo vestido preto, coberto por uma capa escarlate. Outros, contudo, eram menos caricaturais. Descreviam a mulher como um ser belo, encantador, quase uma sereia a enfeitiçar os incautos. No lugar da vassoura, um ramalhete de flores multicoloridas e perfumadas. Muitas eram as versões envolvendo a origem, características e intenções da Bruxa do Bosque. A lenda mais aceita era a de que ela teria vindo das bandas do Passo de Torres. Nascida no interior, já teria muito cedo dado mostras de suas particularidades. Ainda pequena – naquela época o cabelo cacheado já a diferenciava –, diziam, teria demonstrado enorme interesse pelos segredos da floresta. Os sons, cheiros e movimentos que para a maioria dos mortais eram motivo de medo avassalador, para a menina soavam como inspiração. Era duvidar, lá estava ela a observar ervas aromáticas e pássaros exóticos. Ao que tudo indica, era inquisidora, curiosa e insistente. Enquanto a mãe não lhe explicasse a funcionalidade daqueles vegetais, não sossegava. Esta serve para quê? Aquela, e aquela outra? Absorta, prestava atenção a cada explicação. Os olhinhos brilhavam embalados pelas histórias que se seguiam. O poder curativo da natureza despertava na guria um misto de respeito e devoção. Passara a ver e se ver a partir do vento, da chuva e do fogo. Para ela, nada era por acaso. O que de início era desconfiança, com o tempo se tornou certeza. Segundo diziam muitos, a Bruxa nada tinha de má. Era como que uma extensão da “Grande Mãe”, uma parte da natureza ainda não coisificada pelos atropelos do mercado. Viam-na como manifestação positiva, fonte de boas vibrações e sinônimo de um bem-vindo animismo. A ideia de uma velha nariguda, verruguenta e sinistra passava de largo dos que viam a Bruxa com simpatia. Afugentavam, ainda, a imagem associada ao enorme caldeirão, cheio daquele líquido incandescente alimentado por insetos, anfíbios, répteis, morcegos, mexas de cabelo e pós de origem duvidosa. Para os defensores da Bruxa, ou de sua imagem, a pequena cidade perderia muito de seu romantismo, não fosse as histórias contadas. Verdadeiras ou não. O que é a verdade, senão aquilo em que se acredita? Valem pelo efeito que produzem. O cheiro do orvalho a embeber a pequena cidade parecia convidar os transeuntes a sonhar, mesmo que a contragosto acordados. Vez por outra, em meio ao clima leitoso do inverno, um vulto. Duvidasse, era ela, a Bruxa, a espreitar grandes e pequenos, homens e mulheres. Pura diversão, talvez. Serelepe e faceira. Como nos tempos de criança lá para as bandas do Passo de Torres. 

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