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terça-feira, 28 de agosto de 2012

RETENÇÃO E APROVAÇÃO AUTOMÁTICA, AS DUAS FACES DO FRACASSO ESCOLAR



RETENÇÃO E APROVAÇÃO AUTOMÁTICA, AS DUAS FACES DO FRACASSO ESCOLAR
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Cachoeirinha, assim como outros tantos municípios, vem discutindo saídas para o sério problema do ensino, seja ele público ou privado. Quais são as razões para a não-aprendizagem? Por certo, são inúmeras e complexas. Vive-se hoje numa sociedade excessivamente hedonista, avessa à frustração, onde a busca do prazer – preferencialmente fácil e com o menor custo possível – entorpece os sentidos e a percepção do mundo real. A superficialidade tão comum nas relações guarda profunda relação com a cultura do descarte. Os fast-food invadem não apenas as mesas, mas acabam por impregnar muitos outros hábitos. Troca-se de companheiro como quem troca de roupa. Coleciona-se “amigos” como quem junta figurinhas, quase sempre sem nenhum vínculo afetivo. A lista deles cresce na mesma medida da solidão. Nossas crianças e jovens, cada vez mais, se entopem de coca-cola e se dopam com ritalina. Os casos de hiperatividade e de déficit de atenção crescem na mesma velocidade dos “novos” lançamentos da indústria da informática. O que têm de rápidas no movimento das teclas e joystiks, as novas gerações têm de lerdas na capacidade de concentração e memorização. São levas e levas de crianças e adolescentes mórbidos, comprometidas em sua desenvoltura motora e inaptas frente às intempéries da vida. Demonstram dificuldade frente ao “não” e, quando diante dos mais simples obstáculos, dão de ré ou – o que não deixa de ser pior – acham alguns caminhos mais curtos para a falsa e aparente solução dos problemas, mesmo que tais “atalhos” violem a ética, a moral e os princípios mais elementares do convívio social.
                O fracasso do ensino passa, também, pela omissão das famílias. Pela omissão e pela ação muitas vezes equivocada frente à escola. A participação da família na vida escolar do educando tem sido pífia. As alegações são inúmeras: falta de tempo, horários desencontrados, resistência dos filhos, descontentamento com a direção da escola, entre tantos outros. O resultado tem sido trágico. Apesar dos flagrantes avanços normativos associados à democratização da gestão da escola pública (Conselhos Escolares, descentralização financeira, grêmios estudantis, etc.), cada vez mais a instituição de ensino se afasta da família e vice-versa. Via de regra, a comunidade só adentra pelos muros da escola esporadicamente, nos eventos previstos no calendário. O que deveria ser uma prática cotidiana é exceção. A comunidade só se faz representar quando da coleta de algumas parcas moedas que ajudam a engrossar o apertado orçamento das instituições escolares. Onde está a comunidade quando da construção da Proposta Político-Pedagógica? O que dizer da participação dos pais quando da discussão de temas como avaliação, metodologias de ensino, expectativas de aprendizagem, flexibilização curricular, frequência, estratégias de recuperação, disciplina, gestão democrática e tantas outras? As famílias precisam ser convencidas da importância e responsabilidade que têm no processo ensino-aprendizagem. Cabe aos pais acompanhar a vida escolar de seus filhos. A escola precisa posicionar-se frente à inércia de algumas famílias, responsabilizando-as, caso necessário.
                A contestável qualidade do ensino ofertado é resultante também da prática docente, esta não raras vezes ultrapassada e completamente dissociada do contexto do educando. Conteúdos vazios, mal trabalhados e completamente destituídos de sentido para a vida. Contudo, o que mais preocupa é a falta de “vínculo” entre educador e educando. Tem sido comum no ambiente da escola a formação de fronts. Professores de um lado, alunos de outro. Os primeiros acusam os educandos de serem irresponsáveis, indisciplinados, não dados ao estudo, e por aí vai. Os alunos, por sua vez, dizem que os professores são rabugentos, injustos, ultrapassados, etecetera e tal. A quem compete buscar saídas para o impasse que se estabelece, senão ao adulto (professor)? Os discursos acima precisam ser superados. A questão é: como o aluno aprende? Como fazer para que aprenda? Apesar de aparentemente fácil, tais questionamentos têm mostrado o quanto a escola necessita avançar, tanto do ponto de vista do discurso, quanto – e principalmente – da prática. Exemplo disso são os temas envolvendo “retenção” (reprovação) e, no outro extremo, “aprovação automática”.
                Reter o educando é garantia de sucesso no ano vindouro? Aprenderá o aluno com a própria reprovação? A experiência tem mostrado que, em regra, a resposta é uma só: não! Ao contrário, o aluno que reprova a primeira vez tende a seguir reprovando, seja de forma sequencial ou intermitente. Acaba por se tornar um aluno dito “multirrepetente”.  O que mais chama atenção é que, ironicamente, é esse aluno que irá compor o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA), às vezes, da própria escola que o reprovou. Trocando em miúdos, a instituição de ensino acaba “transferindo” o problema de turno, sem resolvê-lo. Alguns professores veem – sem, obviamente, admitir –, ainda, a reprovação, ou sua ameaça, como uma importante “arma” para conter a indisciplina e o descomprometimento. Buscam controlar o aluno e a turma a partir de uma estratégia que, comprovadamente, se mostra equivocada. Questões disciplinares precisam ser resolvidas com o exercício da autoridade e a formação de vínculos. Recorrer à retenção, ou mesmo que sua ameaça, em nada contribui no processo ensino-aprendizagem e muito menos na melhoria das relações no ambiente escolar. Ao contrário, só as tencionam negativamente. O uso da reprovação como instrumento de “vingança” – mais parecendo a Lei do Talião – só faz recrudescer o descrédito em relação à figura do educador, trazendo indelével prejuízo ao ensino. A reprovação significa o fracasso não apenas do aluno, mas de sua família, do educador, da escola, do Estado... Todos perdem com ela. Ninguém, ninguém mesmo, ganha com ela. O Rio Grande do Sul, mesmo sendo o estado da federação que mais reprova, ainda assim amarga uma triste e vexatória posição no ranking relacionado à qualidade de ensino no país. A retenção compromete e põe a perder não apenas volumosos recursos financeiros, mas o futuro de muitas crianças e jovens. Representa uma marca indelével para toda vida.
                Por outro lado, tão danosa quanto a reprovação é a “aprovação automática”. Ambas beiram a irresponsabilidade e trazem inúmeros prejuízos não apenas aos sujeitos envolvidos (professor, aluno, família, escola), mas à sociedade como um todo. O educando precisa aprender, eis a questão. Para tanto, é fundamental uma ação que seja, de fato, coletiva. Simplesmente aprovar o aluno e ascende-lo aos anos posteriores, como forma de dar conta de um texto legal e/ou de melhorar os índices oficiais é, no mínimo, pouco inteligente, para não dizer inaceitável. Até porque, por certo, a vida cobrará logo ali adiante o devido preparo dos egressos dos bancos escolares. O mercado, por exemplo, – ao contrário do jogo de aparências tão comum no ambiente escolar – é cruel e taxativo, dispensando aqueles que não respondem às exigências, mesmo que rodeados de certificados. Portanto, eventual aprovação sem respaldo num verdadeiro aprendizado soa, também, como fracasso. Optar por modelos que deem conta apenas das “aparências” é, portanto, temerário.
                O fracasso escolar deve ser séria e urgentemente atacado, pois feito câncer corrói o próprio sentido da escola. Esta existe para aprender e ensinar. Só faz sentido se for capaz de humanizar as relações, de instigar os sentidos, de produzir conhecimento. Cabe à escola o papel de salvaguardar sonhos e utopias. Cabe a ela contribuir na formação de verdadeiros cidadãos, homens e mulheres de bem, comprometidos com o meio. A superação do fracasso escolar passa pelo papel da família, do educando, do educador, do ente púbico. Este precisa não apenas alocar mais recursos para a educação, mas otimizá-los. Precisa promover avaliações criteriosas em relação ao trabalho desenvolvido pelas instituições de ensino, coletando dados, mas principalmente usando-os com o objetivo de sanar dificuldades e melhorar a qualidade do serviço. A melhoria na qualidade do ensino passa, ainda, pela formação continuada do corpo docente e pela valorização salarial. O educador precisa ser cobrado, mas devida e dignamente remunerado. Espaço para pesquisa e planejamento deve ser garantido aos que se dedicam à árdua tarefa de ensinar. O corporativismo que hoje, por vezes, esconde a incompetência e o mau exercício da profissão, deve ceder lugar ao trabalho em equipe.
                Conclui-se, portanto, que o processo ensino-aprendizagem requer um olhar cuidadoso, fundado no amor, no profissionalismo, na competência e, sobretudo, na convicção de que todos aprendem, mesmo que em tempo e forma diferentes.

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