RETENÇÃO E
APROVAÇÃO AUTOMÁTICA, AS DUAS FACES DO FRACASSO ESCOLAR
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Cachoeirinha,
assim como outros tantos municípios, vem discutindo saídas para o sério
problema do ensino, seja ele público ou privado. Quais são as razões para a não-aprendizagem?
Por certo, são inúmeras e complexas. Vive-se hoje numa sociedade excessivamente
hedonista, avessa à frustração, onde a busca do prazer – preferencialmente
fácil e com o menor custo possível – entorpece os sentidos e a percepção do
mundo real. A superficialidade tão comum nas relações guarda profunda relação
com a cultura do descarte. Os fast-food
invadem não apenas as mesas, mas acabam por impregnar muitos outros hábitos.
Troca-se de companheiro como quem troca de roupa. Coleciona-se “amigos” como
quem junta figurinhas, quase sempre sem nenhum vínculo afetivo. A lista deles
cresce na mesma medida da solidão. Nossas crianças e jovens, cada vez mais, se
entopem de coca-cola e se dopam com ritalina. Os casos de hiperatividade e de déficit de atenção crescem na mesma
velocidade dos “novos” lançamentos da indústria da informática. O que têm de
rápidas no movimento das teclas e joystiks,
as novas gerações têm de lerdas na capacidade de concentração e memorização.
São levas e levas de crianças e adolescentes mórbidos, comprometidas em sua
desenvoltura motora e inaptas frente às intempéries da vida. Demonstram
dificuldade frente ao “não” e, quando diante dos mais simples obstáculos, dão
de ré ou – o que não deixa de ser pior – acham alguns caminhos mais curtos para
a falsa e aparente solução dos problemas, mesmo que tais “atalhos” violem a
ética, a moral e os princípios mais elementares do convívio social.
O
fracasso do ensino passa, também, pela omissão das famílias. Pela omissão e
pela ação muitas vezes equivocada frente à escola. A participação da família na
vida escolar do educando tem sido pífia. As alegações são inúmeras: falta de
tempo, horários desencontrados, resistência dos filhos, descontentamento com a
direção da escola, entre tantos outros. O resultado tem sido trágico. Apesar
dos flagrantes avanços normativos associados à democratização da gestão da
escola pública (Conselhos Escolares, descentralização financeira, grêmios
estudantis, etc.), cada vez mais a instituição de ensino se afasta da família e
vice-versa. Via de regra, a comunidade só adentra pelos muros da escola
esporadicamente, nos eventos previstos no calendário. O que deveria ser uma
prática cotidiana é exceção. A comunidade só se faz representar quando da
coleta de algumas parcas moedas que ajudam a engrossar o apertado orçamento das
instituições escolares. Onde está a comunidade quando da construção da Proposta
Político-Pedagógica? O que dizer da participação dos pais quando da discussão
de temas como avaliação, metodologias de ensino, expectativas de aprendizagem,
flexibilização curricular, frequência, estratégias de recuperação, disciplina,
gestão democrática e tantas outras? As famílias precisam ser convencidas da
importância e responsabilidade que têm no processo ensino-aprendizagem. Cabe
aos pais acompanhar a vida escolar de seus filhos. A escola precisa
posicionar-se frente à inércia de algumas famílias, responsabilizando-as, caso
necessário.
A
contestável qualidade do ensino ofertado é resultante também da prática docente,
esta não raras vezes ultrapassada e completamente dissociada do contexto do
educando. Conteúdos vazios, mal trabalhados e completamente destituídos de sentido
para a vida. Contudo, o que mais preocupa é a falta de “vínculo” entre educador
e educando. Tem sido comum no ambiente da escola a formação de fronts. Professores de um lado, alunos
de outro. Os primeiros acusam os educandos de serem irresponsáveis,
indisciplinados, não dados ao estudo, e por aí vai. Os alunos, por sua vez,
dizem que os professores são rabugentos, injustos, ultrapassados, etecetera e
tal. A quem compete buscar saídas para o impasse que se estabelece, senão ao
adulto (professor)? Os discursos acima precisam ser superados. A questão é:
como o aluno aprende? Como fazer para que aprenda? Apesar de aparentemente
fácil, tais questionamentos têm mostrado o quanto a escola necessita avançar,
tanto do ponto de vista do discurso, quanto – e principalmente – da prática. Exemplo
disso são os temas envolvendo “retenção” (reprovação) e, no outro extremo,
“aprovação automática”.
Reter
o educando é garantia de sucesso no ano vindouro? Aprenderá o aluno com a
própria reprovação? A experiência tem mostrado que, em regra, a resposta é uma
só: não! Ao contrário, o aluno que reprova a primeira vez tende a seguir
reprovando, seja de forma sequencial ou intermitente. Acaba por se tornar um
aluno dito “multirrepetente”. O que mais
chama atenção é que, ironicamente, é esse aluno que irá compor o público da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), às vezes, da própria escola que o reprovou.
Trocando em miúdos, a instituição de ensino acaba “transferindo” o problema de
turno, sem resolvê-lo. Alguns professores veem – sem, obviamente, admitir –,
ainda, a reprovação, ou sua ameaça, como uma importante “arma” para conter a
indisciplina e o descomprometimento. Buscam controlar o aluno e a turma a
partir de uma estratégia que, comprovadamente, se mostra equivocada. Questões
disciplinares precisam ser resolvidas com o exercício da autoridade e a
formação de vínculos. Recorrer à retenção, ou mesmo que sua ameaça, em nada
contribui no processo ensino-aprendizagem e muito menos na melhoria das
relações no ambiente escolar. Ao contrário, só as tencionam negativamente. O
uso da reprovação como instrumento de “vingança” – mais parecendo a Lei do
Talião – só faz recrudescer o descrédito em relação à figura do educador,
trazendo indelével prejuízo ao ensino. A reprovação significa o fracasso não
apenas do aluno, mas de sua família, do educador, da escola, do Estado... Todos
perdem com ela. Ninguém, ninguém mesmo, ganha com ela. O Rio Grande do Sul,
mesmo sendo o estado da federação que mais reprova, ainda assim amarga uma
triste e vexatória posição no ranking relacionado
à qualidade de ensino no país. A retenção compromete e põe a perder não apenas
volumosos recursos financeiros, mas o futuro de muitas crianças e jovens. Representa
uma marca indelével para toda vida.
Por
outro lado, tão danosa quanto a reprovação é a “aprovação automática”. Ambas
beiram a irresponsabilidade e trazem inúmeros prejuízos não apenas aos sujeitos
envolvidos (professor, aluno, família, escola), mas à sociedade como um todo. O
educando precisa aprender, eis a questão. Para tanto, é fundamental uma ação
que seja, de fato, coletiva. Simplesmente aprovar o aluno e ascende-lo aos anos
posteriores, como forma de dar conta de um texto legal e/ou de melhorar os
índices oficiais é, no mínimo, pouco inteligente, para não dizer inaceitável. Até
porque, por certo, a vida cobrará logo ali adiante o devido preparo dos
egressos dos bancos escolares. O mercado, por exemplo, – ao contrário do jogo
de aparências tão comum no ambiente escolar – é cruel e taxativo, dispensando
aqueles que não respondem às exigências, mesmo que rodeados de certificados. Portanto,
eventual aprovação sem respaldo num verdadeiro aprendizado soa, também, como
fracasso. Optar por modelos que deem conta apenas das “aparências” é, portanto,
temerário.
O
fracasso escolar deve ser séria e urgentemente atacado, pois feito câncer
corrói o próprio sentido da escola. Esta existe para aprender e ensinar. Só faz
sentido se for capaz de humanizar as relações, de instigar os sentidos, de
produzir conhecimento. Cabe à escola o papel de salvaguardar sonhos e utopias. Cabe
a ela contribuir na formação de verdadeiros cidadãos, homens e mulheres de bem,
comprometidos com o meio. A superação do fracasso escolar passa pelo papel da
família, do educando, do educador, do ente púbico. Este precisa não apenas
alocar mais recursos para a educação, mas otimizá-los. Precisa promover
avaliações criteriosas em relação ao trabalho desenvolvido pelas instituições
de ensino, coletando dados, mas principalmente usando-os com o objetivo de
sanar dificuldades e melhorar a qualidade do serviço. A melhoria na qualidade
do ensino passa, ainda, pela formação continuada do corpo docente e pela
valorização salarial. O educador precisa ser cobrado, mas devida e dignamente
remunerado. Espaço para pesquisa e planejamento deve ser garantido aos que se
dedicam à árdua tarefa de ensinar. O corporativismo que hoje, por vezes,
esconde a incompetência e o mau exercício da profissão, deve ceder lugar ao
trabalho em equipe.
Conclui-se,
portanto, que o processo ensino-aprendizagem requer um olhar cuidadoso, fundado
no amor, no profissionalismo, na competência e, sobretudo, na convicção de que
todos aprendem, mesmo que em tempo e forma diferentes.
Leia mais: http://www.sinepe-rs.org.br/core.php?snippet=artigos_interna&id=17721
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