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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

ESPINHOS QUE FALAM



ESPINHOS QUE FALAM
Gilvan
e-mail: profpreto@gmail


                Gosto de falar sobre rosas. Elas espinham, mas principalmente encantam. São singulares e nobres. Acima de tudo belas. Tamanha beleza nasce, talvez, da altivez própria das rosas. Altivas, mas sem prepotência, sem arrogância. Espinham, porém não espezinham. Machucam a carne, mas envaidecem o espírito. São espinhos de um tipo único, especial. Espinhos que falam direto à alma, ao coração. Dispensam palavras, textos bem elaborados ou vocábulos pedantes. Falam por si só. Falam direta e abertamente. Envoltos em silêncio ou permeados por música, os espinhos das rosas são como notas musicais. Perfeitos, completos. Basta um pouco de poesia e de sensibilidade e as notas (digo, espinhos!), de per si, tratam de fazer o resto, como que por encanto. Na simplicidade dos espinhos descansa parte, talvez toda, beleza das rosas. Espinhos que ensinam, que admoestam, que nos fazem lembrar o quanto, ainda, somos humanos. Uma vez que nos espetam, desencadeiam reações das mais díspares e adversas. Reações visceralmente humanas. Vão da raiva ao amor e da dor ao êxtase. Reações contraditórias? Absolutamente. Apenas humanas. Os espinhos das rosas nos despertam para nossa inafastável carnalidade. Por isso somos especiais. É o que nos aproxima, nos familiariza. O sangue que brota da ação dos espinhos nos traz para realidade, nem que por ínfimo instante. Breve, mas rico momento. Lapso de tempo onde flui a humildade, mesmo que forçada. Faz lembrar nossa temporalidade e transitoriedade. Aniquila nossa espiritualidade? Nada disso, a reforça. Os espinhos das rosas são, portanto, proféticos. Falam de dias vindouros. São o limite entre o que somos e o que desejamos ser. Entre nossos vícios e nossos desejos. Nossas deficiências e nossas utopias. Os espinhos das rosas trazem o poder da subversão, da mudança, da reação. Trazem, também, o DNA da esperança. Os espinhos, na sua aparente rudeza, denotam a proteção das rosas. O que seria destas sem seus espinhos? O que seria de nós sem as rosas? 

MEQUETREFE



MEQUETREFE
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Neste país, ninguém gosta de ser mequetrefe. Nossa “cultura” espezinha, joga às traças e lança no mais absoluto ostracismo o sujeito mequetrefe. Por aqui, o dinheiro empodera o indivíduo. Quem não o tem, precisa – ao menos – fazer de conta que o possui. Tal jogo de aparências tem se mostrado essencial no acúmulo do capital, onde poucos ganham muito, enquanto a maioria... Bom, a maioria tenta fugir à pecha de mequetrefe. Na terrinha onde o malandro é tido por herói, pouco importa a real condição do sujeito (sujeito de quê?). O que vale é acompanhar as novas tendências e tornar público as últimas aquisições. Vende-se a alma pelo celular, iPod, videogame, par de sapatos, bolsa, etecetera e tal. Tudo, de preferência, no plural. Não basta “um” para dar conta de tamanho ego. Produz-se, assim, não apenas lixo e mais lixo industrial, mas também humano. Figuras movidas pela incontrolável necessidade de ter, possuir, parecer... Mesmo que, para tanto, comprometam meses, anos, do já parco orçamento doméstico. O mais irônico é que o vazio existencial tem se mostrado diretamente proporcional ao número de prestações a serem pagas. O que era encanto, vira desespero e sentimento de culpa. Para expiá-la, entra-se num pérfido ciclo vicioso, onde novas aquisições são feitas e, com elas, dívidas e mais dívidas contraídas. Burro sim, mequetrefe jamais. O temor de parecer mequetrefe, mesmo o sendo, é tão grande que tudo parece valer a pena. Inclusive o crime, a perfídia, o engodo, a apropriação indébita, a traição. O que é a tênue e hipotética sanção penal frente à óbvia e certa invisibilidade social? Ninguém gosta de ser mequetrefe. Salvo, é claro, em momentos ímpares, como aquele amplamente divulgado pelos mais diversos órgãos de imprensa, onde o próprio advogado de defesa de uma das rés alegou ser sua cliente uma personagem mequetrefe na engrenagem por hora apresentada. A ré deve ter se revolvido na cadeira. Mequetrefe? Antes a condenação do que o vergonhoso adjetivo. O que vale uma vida sem as aparências? A expressão do defensor deve ter calado fundo, doído no rim. A acusada deve ter desejado, naquele momento, a morte. Sim, dela e do advogado, pago, muito provavelmente, a peso de ouro. Não deve ter dormido naquela noite e, nem tampouco, nas seguintes. O que pensaria sua família, amigos, colegas, subalternos... O que diriam os outros? Mequetrefe. O termo, feito corvo a comer o fígado de Prometeu, deveria soar como cravo nas mãos (não de Cristo, posto que tal comparação seria por demais indigna...) do crucificado. Pior ainda era ver o vocábulo sair, a posteriori, da boca do insigne ministro do mais elevado Tribunal do país. Inteligente o magistrado. Feito instrumento de tortura medieval, a palavra deve ter produzido na ré lancinante dor. Mequetrefe. Preferiria ela ter sido, quiçá recebido um “culpada!”, “condenada!”, mas não “mequetrefe!”. A estratégia da defesa surtira resultado? Só o tempo o dirá. O certo, contudo, é que o termo “mequetrefe” saiu do rol das expressões obscuras e desconhecidas, passando a ser um sinal de esperança em dias melhores, dias em que os reais e nobres valores se sobreponham à enganosa cultura fundada nas aparências, nos “jeitinhos”, dias onde a honradez e a ética jamais cedam lugar aos caprichos individuais, dias em que mequetrefes sejam tão somente aqueles que olvidam o interesse verdadeiramente público e coletivo.   

quinta-feira, 25 de outubro de 2012



ZÉ LOUCO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Era guri e o Zé Louco já perambulava pelas ruas e avenidas de Cachoeirinha. Figura folclórica, desafia o tempo, pois que este passa e o Zé parece não envelhecer. Segue tão maltrapilho quanto simpático. A Providência, sempre divina, não o abandona. Por ironia, vão-se os ricos, os doutores, os “coronéis”, as beatas da cidade, e o Zé Louco segue mais vivo do que nunca. Faça sol ou faça chuva, a figuraça transita pelas calçadas. Cata daqui, cata dali, vai driblando com maestria a dureza aparente que a vida lhe reservou. Apesar disso, é duvidar, lá está o Zé Louco a abrir o largo sorriso. Gargalhada solta, entremeada com os já conhecidos gritos e malcriações saídas daquela boca. Mesmo assim, a ninguém escandaliza e nem tampouco incomoda. Ao contrário. Mesmo os mais puritanos não ousam condená-lo. O que seria de Cachoeirinha sem o Zé Louco? Vão-se os vereadores, secretários, prefeitos... fique o Zé. Faz parte da história do Município. Ao lado da antiga ponte, do Mato do Julho, da Casa do Leite, da fazenda Ritter, ele faz lembrar um passado “romântico” da cidade. O Zé é, talvez a única, unanimidade. Era se candidatar, batata, estaria eleito! Por certo, as “forças ocultas” logo suscitariam a impugnação de seu nome. Não suportariam a enxurrada de votos e nem tampouco o tapa de luvas de pelica. Talvez o Zé Louco os incomode. Talvez represente, ainda, a mais genuína forma de personificação das profundas contradições e paradoxos criados e perpetuados em Cachoeirinha. Abandono, exclusão, indiferença... No fundo, o Zé é cada um de nós, os que trabalham, os que sentem frio, fome, os que se sentem abandonados e esquecidos, os sem vez e sem voz. É, quem sabe, uma figura subversiva. Subverte ao escancarar as mazelas que, feito cupim, corroem por dentro. As perfumarias, os penduricalhos, os históricos “ajeitamentos” levados a cabo por sucessivas administrações até que tentam esconder a fragilidade existente, mas não tem jeito. Ela aflora. Mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor intensidade, a maldita fragilidade aparece, sob a forma do tráfico, da violência, da prostituição infanto-juvenil, das enchentes, do colapso no trânsito, da precariedade das escolas, dos míseros tostões pagos aos servidores, da arbitrariedade do Estado, da carestia... Como cupim, as mazelas por vezes “agem” às escondidas, porém seguem corroendo. O Zé Louco, figura emblemática, ao rir, talvez o faça de nós. Quiçá, divirta-se com nossa insignificância, prepotência e arrogância. Ele, espero, nos perdoe pela flagrante incapacidade de enxergarmos pouco além do umbigo e muito aquém do necessário. O Zé é o espelho de Cachoeirinha, não daquela que cerra os próprios olhos frente às injustiças, mas da Cachoeirinha que trago nas lembranças de guri, simples, porém, romântica.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O PERFEITO IDIOTA



O PERFEITO IDIOTA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Sentia-se o perfeito idiota. Talvez, caso único em Tupiniquim, país com duas centenas de milhões de pessoas. Idiota, só ele. Todo o Tupiniquim parara para assistir o último capítulo da novela das nove. Ele não. Todos no país curtiam futebol e pulavam carnaval. O idiota, ao contrário, preferia manter-se longe de tamanhos prazeres. Enquanto ou outros tinham os nomes de artistas e personagens na ponta da língua, ele por sua vez não conseguia esconder sua mais absoluta e profunda alienação. Nas rodas de amigo, enquanto o assunto fluía – “viste quem matou Fulano?”, “e aquela bola, heim? Não entrou...” –, o idiota ficava lá, como que embasbacado, jogado a um canto. A memória do coitado era de dar dó. As pistas e charadinhas de nada adiantavam. “Sabe aquela que fez o papel de Beltrana na novela das duas, a mesma que era casada com o saradão da novela das sete, que por sinal era o vilão na das nove e dirigiu a novela das onze...”. Vã tentativa. O idiota, com cara de mais idiota ainda, deixava às claras seu desconhecimento acerca dos babados da hora. Lembrava do passado, dos presidentes, senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores, dos conchavos e negociatas, dos escândalos políticos, das trocas de moeda, dos altos índices inflacionários e elevadas taxas de juros, da censura, dos atentados, dos indicadores econômicos, de algumas siglas (PIB, IDH, IDEB, IPC...). Contudo, acerca das novelas que saltavam da telinha, nada, absolutamente nada! Verdadeiro idiota. Conhecia gêneros musicais, falava fluentemente cinco idiomas, interpretava os mais diversos textos – herméticos que fossem –, escrevia com desenvoltura, mas mostrava-se incapaz de responder o nome da telenovela que passara há mais de década atrás e fora “remixada” (requentada, segundo o idiota!), com novos traseiros, seios mais avantajados (siliconados, acusava o pobre coitado!), e diálogos cada vez mais curtos, afinal que voltada a um público cada vez mais acurado intelectualmente. O idiota não conseguia entender como o antigo pudor sucumbira frente às cenas de sexo explícito em pleno horário nobre. Menos ainda, entendia ele, como que – feitos zumbis –, homens, mulheres, crianças e idosos se prostravam diante da tela, como que a lhe reverenciar. Entronizada, lá estava ela: de plasma, LCD, LED... Grande, muito grande, enorme... Não entendia o idiota que os tempos eram outros. Acreditava, inocentemente (todo idiota é inocente!), que a leitura, o bom vocabulário, o fino trato ainda teriam lugar neste mundo, nem que fosse em Tupiniquim. Não queria crer que a imagem de dois corpos a se esfregarem libidinosa e impudicamente em público, ou uma verborreia ofensiva, recheada de palavrões, pudessem tomar o lugar da poesia, do amor, do respeito... Perfeito idiota. Sujeito fora de seu tempo, descontextualizado, ultrapassado, alienado. Tupiniquim, em que pese à existência (resistência!) do idiota, precisava seguir adiante, no rumo do progresso e da modernidade.

Leia mais:
http://www.tribunadecachoeirinha.com.br/
(edição de 16 a 31 de outubro de 2012). 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FUNDAMENTALISMO LEGISLATIVO



FUNDAMENTALISMO LEGISLATIVO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Inacreditável! Talvez seja a expressão que melhor resuma meu sentimento. Quiçá, possa ser substituída por outras, como “indignação”, “revolta”, “asco”... Enfim, muitos são os vocábulos que poderiam achar guarida neste singelo texto. Multiplicá-los de pouco adiantaria, pois que nada compreensíveis para maioria dos que legislam neste município. Assisti, estupefato, alguns vereadores de Cachoeirinha fazendo da tribuna verdadeiro púlpito da pior espécie. Irresponsavelmente, usando do nome de Deus para esquivar-se de práticas político-partidárias vergonhosas e mesquinhas. Defendiam-se (é o que alegavam...) das acusações do Gaúcho Ateu. Até então desconhecido por este autor, o rapaz de codinome estranho tem usado os meios eletrônicos para explicitar seu descontentamento com o Legislativo municipal. Apesar, talvez, de alguns excessos do Gaúcho, é inconcebível a fala de determinados homens públicos. Pautar a importância de alguém sobre o credo, ou quiçá a falta dele, é demasiadamente estúpido. Vincular o “grau” de cidadania a determinada placa de igreja denota falta de bom senso e verdadeiro atentado aos princípios mais elementares do ordenamento jurídico. Não se deve medir o sujeito a partir de sua crença ou ceticismo. Vale lembrar que a crítica do Gaúcho Ateu tem como nascedouro a indignação que move qualquer sujeito de bem, independentemente de seu matiz religioso. É, por certo, uma reação natural e necessária frente a um Legislativo historicamente marcado pelo despreparo, apadrinhamento, defesa de interesses espúrios, negociatas político-partidárias, distanciamento das ditas “bases”, opacidade, entre tantas outras mazelas. A sublevação do rapaz vem ao encontro da impaciência cada vez maior do contribuinte, que vê seus parcos recursos diminuírem em face de uma política tributária insana que serve, sobretudo, para manutenção de um Estado mastodôntico, incompetente, ineficaz e inoperante. A aparente deselegância do Gaúcho reflete a descrença nos Poderes constituídos. A Casa que deveria ser do Povo nunca o foi. A Câmara foi e segue sendo a Casa “deles”. As aves que lá gorjeiam não são as nossas. O rico mármore dos banheiros destoa da miséria de quem o paga. As confortáveis poltronas, quase sempre desocupadas, contrastam com a dureza que marca a vida da maioria dos munícipes. A população de Cachoeirinha segue desassistida, à margem dos serviços públicos de qualidade. Sobram discursos na Câmara, contudo a práxis segue a rotina modorrenta de todos conhecida. Partidos se prostituem. Hoje andam de mãos dadas, amanhã se acusam mutuamente. Poder estéril, onde a pobreza de oratória só é maior do que a pequenez de espírito. A Câmara, definitivamente, não é espaço para proselitismo. Ignorar tal premissa é olvidar a história. Soa como verdadeiro desrespeito aos princípios que nortearam a própria gênese do Estado democrático de Direito. Urge um profundo repensar acerca do Legislativo municipal, sob o risco do mesmo ser, cada vez mais, visto como supérfluo e desnecessário. Seja o pronunciamento do Gaúcho Ateu fermento não de discórdia ou animosidade religiosa, mas, sobretudo, de transformação. Cachoeirinha merece!

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https://www.facebook.com/JuventudEmAcao

terça-feira, 16 de outubro de 2012

PRESENTE !



PRESENTE!
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Sempre ouvi dizer que o melhor amigo do homem é o cão. Tenho lá minhas dúvidas. Sempre presente, nos acompanha desde que nascemos. É duvidar, já se manifestava quando ainda estávamos no ventre e éramos não muito mais do que um embrião. Presente desde o raiar até o ocaso do sol. Manifestando-se na calada da madrugada, faça frio ou não. Sob os lençóis da mais fina seda ou coberto por acolchoados feitos de remendos, lá está ele, sempre presente. No banheiro, na cozinha, na sala, na varanda, enfim, em qualquer lugar. Mostra-se inseparável. Às vezes, discreto, outras nem tanto. Vez por outra, dá o ar – literalmente... – da graça nos locais mais impróprios. Na hora e local erradas. Para nós, é claro! Ele, ao contrário, é todinho indiferença. Todo lugar é lugar e toda hora é hora. Pouco liga para o que pensamos ou pensam sobre nós. Quer, isto sim, é espraiar-se. Azedo, doce ou agridoce, o fato é que sempre vem ao encontro de todos os gostos. Revela, ao menos em parte, o que somos. É a nossa “cara”. Traduz um tanto de nossa personalidade. Talvez, por isso, alguns preferem escondê-lo. Tentativa nem sempre recheada de sucesso... Aí sim a emenda fica pior do que o soneto. É, por vezes, aí que mostra toda sua força, verdadeiro turbilhão de sons e cheiros. Não adianta, lutar contra ele é tarefa por demais ingrata. Melhor é não resistir. Na pior das hipóteses, tentar negociar. Tipo assim... “liberdade com responsabilidade”. Soltá-lo aos poucos, a conta-gotas, sob a condição de não se tornar público. Até porque, jamais fica famoso. No máximo, “conhecido”. Daí os apelidos e alcunhas que alguns lhe atribuem: silencioso, zangado, preguiçoso e tantos outros. Podem acusá-lo de tudo, todavia não se pode negar sua originalidade. Pesquisassem, certamente identificariam nele uma espécie de DNA. Único, revelador dos traços de quem lhe tem. Diga-se de passagem, um relacionamento um tanto que avassalador, por vezes. Senhor e servo são, nessa relação, papéis que se confundem. Feito casamento. Quando menos se espera, lá se vai o antigo companheiro. Sem carta, aceno ou sequer uma olhadela para trás. Ele sai da “vida” (corpo) para entrar na história. Não incomum é, quando da despedida, nos deixar em maus lençóis. Escancara para meio mundo o fim da relação. Ficamos com cara de coitados. Não bastasse, ele ainda deixa marcas. Não eternas, é verdade, mas profundas o suficiente para demandar duas ou três de mãos, além de muito sabão em pó. Por outro lado, há de se dizer que ele instiga a discórdia, mas também a cumplicidade conjugal. Passada meia-dúzia de anos, ele corre solto entre o casal. Todo pudor fica de lado. A vergonha de outrora dá lugar a verdadeira explosão de flatulências das mais diversas. Multicoloridas, com ou sem “cheirinho”, etecetera e tal. O que antes era feito às escondidas, com o passar do tempo, assume tamanha naturalidade que a simples falta dele passa a ser visto com desconfiança. “Não me quer mais!”. O que é o anel preso ao dedo perto da aliança gerada por entre os odores que só o amor, a partilha e a confiança são capazes de produzir? Ele passa a ser visto como sinal de intimidade doméstica. Feito segredo de cofre ou senha bancária, é algo a ser dividido apenas e tão-somente entre os cônjuges. No máximo, também entre os filhos. Fora de casa, nem pensar. Vira escândalo. “Quem foi?”. Como sempre, ninguém se acusa. Todos desconfiam do cunhado, aquele mais gordinho, espremido no canto da sala. Ah, aquela cara séria a ninguém engana. É, de certo, só uma coisa: todos têm uma história de PUM para contar. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

ESPAÇO URBANO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO



ESPAÇO URBANO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                O processo de urbanização como que hibernara por muito tempo. Para que se tenha ideia, no final do século XVIII, apenas 3% da população mundial vivia nos “centros urbanos”. Já no início do século XX, o percentual chegava a 14%. Para tamanho avanço, foi imprescindível a chamada Revolução Industrial, esta ocorrida principalmente entre meados dos séculos XVIII e XIX. Na década de 1950, aproximadamente 29% da população da Terra vivia nas cidades, enquanto hoje este número ultrapassa 50%. Estudiosos afirmam que em 2050, cerca de 70% das pessoas viverão nos centros urbanos. Apesar do flagrante crescimento da população urbana, vale lembrar que o processo tem se mostrado desigual e heterogêneo. Assim, por exemplo, enquanto na Europa cerca de 73% da população vive nas cidades, já na África o percentual é de pouco mais de 40%. Na América Latina e Caribe, quase 80% das pessoas vivem nos centros urbanos, enquanto na Ásia tão-somente 41% da população vive fora do campo. Resta clara, portanto a relação existente entre o processo de urbanização e crescimento econômico, crescimento este nem sempre seguido – na mesma proporção – de melhoria na qualidade de vida da população.

                Como poderíamos definir “processo de urbanização”? Este pode ser conceituado como a transformação dos espaços naturais e rurais em espaços urbanos, concomitantemente à transferência da população do campo em direção à cidade. Contudo, ao contrário do que possa parecer, na prática a definição do que seja “espaço urbano” nem sempre é tão simples. Alguns municípios brasileiros, por exemplo, superdimensionam o chamado perímetro urbano como forma de aumentarem a arrecadação.

                Sob o ponto de vista histórico, o processo de urbanização é uma fenômeno bastante recente. Na Idade Antiga, por exemplo, apesar da existência de algumas grandes civilizações (Mesopotâmia, Egito, Roma, etc.), mesmo elas possuíam características preponderantemente rurais. Na Idade Média, o poder do senhor feudal contrastava com a força relativamente inexpressiva do Rei, sendo aquele período marcado pela descentralização e agrarismo. Na Idade Moderna, finalmente começaram a surgir alguns centros urbanos mais expressivos, em especial na Europa. Contudo, foi na Idade Contemporânea (principalmente a partir da Revolução Industrial, como já dito) que o processo de urbanização se acentuou.

                Segundo alguns autores, o processo de urbanização deriva, principalmente, dos chamados fatores “atrativos” e “repulsivos”. Enquanto os primeiros diriam respeito especialmente aos países ditos desenvolvidos, os últimos estariam vinculados aos países subdesenvolvidos. Para tais autores, os fatores atrativos estariam relacionados à força centrípeta exercida pelas cidades em relação ao campo, como a oferta de empregos. Já os fatores repulsivos diriam respeito, por exemplo, aos inúmeros problemas que acabariam por “expulsar” o homem do campo em direção às cidades, como a concentração fundiária.

                Uma das características marcantes do processo de urbanização é o surgimento das chamadas “aglomerações urbanas”, também conhecidas como regiões metropolitanas. Estas são formadas pelo conjunto de cidades conurbadas. Merecem destaque, ainda, as megalópoles, ou seja, duas ou mais metrópoles ligadas por verdadeiros “corredores” de serviços, a tal ponto de passarem a impressão de serem uma coisa só. Apesar dos inegáveis avanços associados à expansão urbana, esta também traz seus, por assim dizer, “efeitos colaterais” como, por exemplo, a favelização de enormes parcelas da população, a precariedade dos serviços públicos, a agressão ao meio ambiente, entre outros.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

PARECE QUE FOI ONTEM



PARECE QUE FOI ONTEM
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Ainda ontem era uma criança. Seis ou sete anos, talvez. Nascia o Parque Madepinho e, com ele, a concretização do sonho de muitas famílias como a minha, o sonho da casa própria! Morava na Rua “D”, número quarenta e cinco. Por vizinhos, gurizada como o Lísio (acho que o verdadeiro nome era Aloísio...) e o Ângelo. Tinha, ainda, a “casa da esquina”, uma das mais bonitas, onde íamos tomar banho de piscina nos dias quentes de verão. Tempos bons aqueles. Quem sabe, por serem tempos que ficaram para trás. A saudade é assim mesmo. Colore, por vezes, tempos idos que, no fundo, eram um tanto que opacos. A memória dos tempos de criança é como que graça divina. Mesmo as dores, privações e sofrimentos assumem com alguma frequência um ar de doce melancolia. Aquelas noites de São João, onde pulávamos a fogueira. O Bar do Ventura, com suas promoções de Páscoa. As brincadeiras de bexiguinha. Os passeios na Praça. Bons tempos... Ainda trago viva na memória a lembrança da época em estudei no São Francisco. Cinco anos. Meia década como aluno da Escola onde hoje trabalho. Lembro de alguns professores, das orações no início da manhã, do aperto de mãos estampado no uniforme, das Gincanas e caminhadas que movimentavam a região. Ainda ouço o minuano soprando no inverno, encarangando até os ossos, quando eu e meus irmãos andávamos o que parecia um eito para chegarmos até o São Chico. Por vezes, nas noites mais frias, dormíamos já uniformizados, sem que o Tonico, meu já falecido pai, e Dona Geci, soubessem, é claro. Foi assim que começou minha história de amor pela Escola. No decorrer dos cinco anos em que estudei no São Francisco, mudei do Madepinho para próximo ao Parque dos Maias. Coube a meu avô construir a casa. Era de madeira. Enquanto construía, por vezes, eu e alguns amigos brincávamos de carrinho de lomba. As rodinhas de rolimã iam na mesma velocidade de nossos sonhos. Não demorou, mudamos novamente. Agora para Cachoeirinha. Fui transferido de escola. O tempo passou, pois que não para e nem tampouco dá trégua. Cada um seguiu o próprio caminho. Eu e o São Chico. Crescemos ambos. A separação – feito dois eternos amantes compromissados por juras de amor – só fez aguçar, ainda mais, o respeito e admiração. Após formado, fui convidado por uma ex-colega de universidade a lecionar na Escola de minha infância. Iniciava-se uma nova década (1992). Com ela, um misto de tristeza e esperança. Meu pai sofrera um “derrame”, debilitando-o para o resto da vida. A dor aos poucos foi sendo superada com trabalho e o apoio de amigos e familiares. Entraram e saíram presidentes – alguns pela “porta” dos fundos –, governadores e prefeitos. Muitos foram os alunos que me deram a oportunidade de, com eles, aprender. Compartilhamos, juntos, muitas alegrias e algumas tristezas. Estas, por vezes, personificadas na perda de professores e alunos. Quantas Gincanas e campeonatos? Quantas caminhadas e festivais? Quantas missas e ações sociais? Quantos Conselhos de Classe e formações de professores? Quantos Retiros e encontros com a comunidade? Quantas entregas de boletins e confraternizações? Quantas Páscoas e Natais? Aulas? Inúmeras. Atendimento aos alunos e pais? Incontáveis. Vinte anos de São Francisco. Quase metade da linha de tempo da própria Escola. Nessas duas décadas, casei, nasceram meus três amados filhos, perdi meu pai, troquei de casa poucas vezes e de carro algumas... O que não mudou foi a convicção de que é através da educação que se constrói uma sociedade mais justa e fraterna. A certeza de que o processo ensino-aprendizagem requer, acima de tudo, amor. Sim, um amor fundado na paciência, mas na exigência. Um amor pautado no diálogo, mas no respeito à autoridade. Um amor alicerçado na liberdade, mas de mão dadas com os limites claros e necessários. Um amor voltado à paz, mas avesso à injustiça. Assim, o Jubileu da Rede de Escolas São Francisco é, para este humilde servo, um momento ímpar, pois que a história do velho São Chico está íntima e umbilicalmente ligada à minha própria história. Parabéns a todos nós!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

FAÇAMOS NÓS?



FAÇAMOS NÓS?
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Onde está o Estado? Este foi concebido e aceito, ao menos pela maioria, como sendo a personificação de um pretenso “interesse coletivo”. Hobbes, no século XVII, já defendia a necessidade de um Estado capaz de frear a forte tendência do homem em buscar seus próprios interesses, mesmo que em detrimento do interesse da maioria. A partir da premissa de que o homem seria “lobo” do próprio homem, é que surgiu a mais famosa teoria do Estado, a do chamado “contrato social”, teoria esta – direta ou indiretamente, aberta ou sorrateiramente – ainda presente. No Brasil, é sabido, tivemos o surgimento de um Estado (aqui entendido como o ente público em todas suas esferas e manifestações) inicialmente associado a interesses de fora. Durante o período de colonização, em regra, as decisões tomadas nestas bandas vinham, num primeiro momento, ao encontro dos interesses da Coroa. A maioria da população brasileira – formada por negros, índios e mestiços, tendo em comum o fato de serem pobres – estava à margem de qualquer benesse oriundo do Estado português. A chamada “independência” (1822) pouco acrescentou à qualidade de vida da maioria. Esta seguiu alijada das condições mínimas de saúde, moradia, alimentação, renda ou educação, por exemplo. Poucos foram os reais beneficiados com a instalação do Império. Enquanto os grandes latifundiários e poderosos comerciantes aumentavam seu poderio econômico e político, a distribuição de renda seguia injusta e concentrada nas mãos de uma pequena oligarquia. O tempo passou e com ele veio a República (1889). Apesar das ideias aparentemente revolucionárias – oriundas, quase sempre, de uma burguesia europeia –, o Brasil permaneceu sendo a terra dos coronéis, cujas decisões políticas apenas corroboravam o já sedimentado poder econômico. A dita República Velha com seu maniqueísmo forjado na política do “café-com-leite”, a Era Vargas com seu populismo assentado num discurso flagrantemente paradoxal, a Ditadura Militar com seus excessos – injustificáveis, mesmo que diante de uma “esquerda” por vezes equivocada –, a Nova República com a subida ao poder das mesmas “figurinhas” do passado, o Brasil de hoje com sua letargia e paralisia a fazer prosperar o sentimento de indignação frente à omissão, impunidade, injustiça e exclusão. O que todas as fases de nossa história têm em comum? A incapacidade do Estado brasileiro em atender as reais demandas da maioria. Reforça-se o sentimento de que o Estado brasileiro é dispensável. Por que um Executivo mastodôntico? Um Executivo tomado de assalto por CCs, imprestáveis sob o ponto de vista do interesse público, só vistos quando a tremularem bandeirolas nos períodos de campanha eleitoral? Um Executivo que recomeça do zero a cada “nova” gestão, feito cachorro em torno de seu próprio rabo? Um Executivo partidarizado, pertencente a uma legenda? Um Executivo estrábico, sem olhar “certo”, confuso? Um Executivo sem noção do que seja política de Estado? Um Executivo que só trabalha movido pela proximidade do pleito ou quando pressionado pela mídia?

                Por que um Legislativo que legisla em causa própria? Um Legislativo apadrinhado a interesses espúrios? Um Legislativo formado, não raras vezes, por figuras que construíram suas candidaturas sobre frases de efeito, poder econômico ou caricaturas de palhaços? Um Legislativo que, na contramão da realidade de quem o paga, trabalha pouco e folga um eito? Um Legislativo inchado e recheado de privilégios? Um Legislativo que discursa para si e para as moscas? Um Legislativo que pouco ou nada produz, sequer textos legais que venham ao encontro dos interesses da coletividade? Um Legislativo que olha narcisicamente para si mesmo? Um Legislativo que se prostitui em meio à distribuição de parcos ou volumosos recursos públicos? Um Legislativo que se afunda em meio a uma sopa de letrinhas e legendas, numa verdadeira dança das cadeiras, incompreensível aos pobres mortais (nós contribuintes!)? Um Legislativo incapaz de ouvir os reclames da maioria, salvo quando potencializados pelos holofotes da TV os gritos dos mais humildes? Um Legislativo corporativista, verdadeiro campinho de históricos coronéis e caudilhos?

                Por que um Judiciário lerdo e moroso? Um Judiciário caro, de difícil acesso e quase impossível atendimento à demanda justa, especialmente se nascida em meio a mocambos e palafitas? Por que um Judiciário mais preocupado com frases em latim do que com a voz que nasce em meio aos mais pobres e necessitados? Por que um Judiciário movido por onerosos recursos e agravos, bancados em regra por quem pode pagá-los? Por que um Judiciário excessivamente formal e pedante, distante dos que sequer tiveram acesso às primeiras letras? Por que um Judiciário que solta o bandido e prende o trabalhador? Por que um Judiciário que corrobora a impressão de que o mundo é dos “espertos”? Por que um Judiciário que concede liberdade a homicidas, estupradores, sequestradores, assaltantes, tudo em nome ou de um bem pago habeas-corpus ou de um “garantismo” doentio e irresponsável? Por que um Judiciário que ao postergar suas decisões causa imensuráveis danos à sociedade? Por que um Judiciário atolado em processos que nascem da profunda insegurança jurídica que grassa por este país afora? Por que um Judiciário que não denota respeito e temor?

                Resta, portanto, a pergunta: por que Estado? Para quê? Para quem? Historicamente, no Brasil, o Estado tem sido um Saara de inépcia, lentidão, frouxidão, corrupção e incompetência. Fracassado e caro, muito caro! Um Estado que expropria o trabalhador através de uma política fiscal e tributária insana, irresponsável, injusta e desumana. Tudo, sob o olhar complacente e condescendente dos chamados “Poderes” constituídos. Nada mais natural e aceitável, portanto, do que perguntar: façamos nós o que o Estado não tem feito?

                Façamos nós? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os criminosos, delinquentes e meliantes prosperando em seus intentos? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os sequestradores, estupradores e violentadores levando nossos filhos e mulheres? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os ébrios e adeptos de rachas ceifando a vida de nossos entes queridos no trânsito? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os narcotraficantes transformando em zumbis imprestáveis nossos jovens? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns se apropriando indevidamente dos recursos públicos? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns fraudando licitações? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam algumas empresas fraudando o consumidor, lesando-o em seu bolso e sua saúde? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns destruindo o meio ambiente em nome do lucro desmedido? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam as intermináveis filas nos hospitais e postos de saúde? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os desvios e malversação do dinheiro público, o mesmo que dizem faltar para a cultura e educação? Façamos justiça com as próprias mãos ou siga o deboche por parte da maioria dos partidos políticos em relação ao eleitor? Façamos justiça com as próprias mãos ou siga o descaso com a infraestrutura, estradas e saneamento básico? Façamos nós justiça com as próprias mãos?

                Apesar de aparentemente oportuna, fazer justiça com as próprias mãos parece não ser a melhor saída! Esta reside, isto sim, na refundação do Estado. Um Estado distinto daquele que era e continua sendo. O que se deseja é um Estado que seja, de fato, de Direito e democrático. Um Estado pautado, sobretudo, na justiça social, na equidade e no respeito à soberania popular. Um Estado que respeite e privilegie a sociedade civil organizada, um Estado que valorize a educação, a cultura, o lazer, a saúde e o esporte. Um Estado capaz de distribuir renda de forma efetiva, através da geração de trabalho, e não através de programas político-eleitoreiros. Um Estado que se mostre completa e absolutamente avesso à corrupção e ao crime de qualquer espécie. Um Estado que seja admirado, respeitado e temido por sua eficácia. Um Estado comprometido com os anseios dos mais humildes. Um Estado preocupado com as minorias, com as crianças e idosos. Um Estado fundado na democracia, na participação popular e na valorização e proteção da vida em toda sua complexidade.