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terça-feira, 1 de abril de 2014

UVAS VERDES

UVAS VERDES
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? [...]
Ezequiel 18:1-2



                A passagem acima permite uma série de interpretações. Para lá de uma análise bíblica, a parábola me faz pensar acerca dos incontáveis casos de crianças e adolescentes que violam as mais elementares regras de convívio social. As causas que levam à violação dos limites e princípios de convivência (estes últimos mais amplos do que as primeiras) são várias e complexas. Contudo, inegável é o papel da família no que tange à (de)formação de caráter do sujeito. Famílias omissas, frouxas, desorganizadas (sem papéis definidos) e permissivas tendem a parir indivíduos com sérios problemas de conduta ética. O problema perpassa por todas as classes socioeconômicas. Os segmentos com melhor poder aquisitivo, por exemplo, há muito esbarram com uma espécie de triste ironia, ou não seria hipocrisia? As mesmas classes média, dita ascendente, e alta, que mais esperneiam frente ao avanço da violência e da insegurança, (des)educam seus filhos e filhas, fazendo-lhes crer que o mundo gira em torno de seus umbigos. Quem já não assistiu a um pai ou a uma mãe arrotar, estúpida e arrogantemente, que “paga a escola” (como se isso não fosse mais do que obrigação!) e, por isso, deixem a “pobre” criança – às vezes, quase um homem de barba na cara – fazer o que bem entende. Infeliz e vergonhosamente não são poucas as instituições de ensino que se dobram frente ao temor de ou perder o aluno ou, quem sabe, se ver envolvida numa demanda judicial. São famílias paradoxais, onde muito comumente discurso e prática guardam uma distância estratosférica. Condenam a corrupção, mas sonegam impostos. Olham de soslaio para a improbidade, mas fazem da mentira companheira inseparável. Gritam por mais segurança, mas permitem que seus adolescentes tomem o volante do carro ou se embriaguem em festas regadas pelo álcool e pela droga. Desejam ordem no país, no estado, no município, mas a própria casa parece mais uma Babel, onde autoridade e respeito passam de largo. Não sabem elas que colhem o que semeiam? O tráfico vê nelas importantes aliadas. Tais famílias, em grande parte, é que sustentam o crime que, mais cedo ou mais tarde, baterá à porta, ceifará a vida, a saúde e a esperança da prole. Ontem era uma mentirinha aqui, outra ali. Hoje, um baseadinho aqui, outro acolá. Amanhã, o que virá? Ontem a cria se voltava contra o professor. Hoje, contra o criador. Amanhã, contra quem? A omissão e permissividade da família alimentam o caos social hoje conhecido. Está mais do que na hora da família dizer “não” aos caprichos desarrazoados dos mais novos. Dizer “não” à indisciplina, à desídia, à desonestidade, à mentira dos rebentos. Deixando de fazê-lo, alguém o fará. Quem sabe, o professor, o policial, o juiz, a morte... Amar é educar, envolver-se, comprometer-se, dar limites. Amar é ouvir, mas se fazer ouvir. É vigiar (o inimigo vem como ladrão...), é auscultar o mais discreto sussurro da alma. Amar é dizer “sim”, mas também dizer “não”. Amar é fazer brotar, crescer e frutificar os valores em nossos filhos e filhas. Parreirais, temo-los muitos, de todos os tipos. Uvas de qualidade, só a engenharia do amor e do cuidado as pode produzir.

Veja também:
http://institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=78733003d894120d1ffc2794b7b623f5





2 comentários:

  1. Como de costume, teu texto está muito bem escrito. Parabéns!Infelizmente esta é uma realidade que a sociedade enfrenta e vemos na escola esta situação refletida. A vida atarefada dos adultos parece que os exime de suas responsabilidades paternas. Hoje percebemos lares educados pela TV, internet, vídeo game. Não sei até que ponto a sociedade precisa chegar para que tome consciência deste fato.
    Um grande abraço,
    Graziane

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  2. Costumo dizer que a beleza de um texto é resultante,primeiro, de uma outra beleza: a do olhar de quem se atém à leitura daquilo que é escrito. Fora isso, o texto não passa de um punhado de palavras. Forte abraço de quem aprendeu a admirar teu trabalho.

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