UVAS VERDES
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo:
Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo:
Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram? [...]
Ezequiel 18:1-2
A passagem acima permite uma série de interpretações.
Para lá de uma análise bíblica, a parábola me faz pensar acerca dos incontáveis
casos de crianças e adolescentes que violam as mais elementares regras de
convívio social. As causas que levam à violação dos limites e princípios de
convivência (estes últimos mais amplos do que as primeiras) são várias e
complexas. Contudo, inegável é o papel da família no que tange à (de)formação
de caráter do sujeito. Famílias omissas, frouxas, desorganizadas (sem papéis
definidos) e permissivas tendem a parir indivíduos com sérios problemas de
conduta ética. O problema perpassa por todas as classes socioeconômicas. Os
segmentos com melhor poder aquisitivo, por exemplo, há muito esbarram com uma
espécie de triste ironia, ou não seria hipocrisia? As mesmas classes média,
dita ascendente, e alta, que mais esperneiam frente ao avanço da violência e da
insegurança, (des)educam seus filhos e filhas, fazendo-lhes crer que o mundo
gira em torno de seus umbigos. Quem já não assistiu a um pai ou a uma mãe
arrotar, estúpida e arrogantemente, que “paga a escola” (como se isso não fosse
mais do que obrigação!) e, por isso, deixem a “pobre” criança – às vezes, quase
um homem de barba na cara – fazer o que bem entende. Infeliz e vergonhosamente
não são poucas as instituições de ensino que se dobram frente ao temor de ou
perder o aluno ou, quem sabe, se ver envolvida numa demanda judicial. São
famílias paradoxais, onde muito comumente discurso e prática guardam uma distância
estratosférica. Condenam a corrupção, mas sonegam impostos. Olham de soslaio
para a improbidade, mas fazem da mentira companheira inseparável. Gritam por mais
segurança, mas permitem que seus adolescentes tomem o volante do carro ou se embriaguem
em festas regadas pelo álcool e pela droga. Desejam ordem no país, no estado,
no município, mas a própria casa parece mais uma Babel, onde autoridade e
respeito passam de largo. Não sabem elas que colhem o que semeiam? O tráfico vê
nelas importantes aliadas. Tais famílias, em grande parte, é que sustentam o
crime que, mais cedo ou mais tarde, baterá à porta, ceifará a vida, a saúde e a
esperança da prole. Ontem era uma mentirinha aqui, outra ali. Hoje, um
baseadinho aqui, outro acolá. Amanhã, o que virá? Ontem a cria se voltava
contra o professor. Hoje, contra o criador. Amanhã, contra quem? A omissão e permissividade
da família alimentam o caos social hoje conhecido. Está mais do que na hora da
família dizer “não” aos caprichos desarrazoados dos mais novos. Dizer “não” à
indisciplina, à desídia, à desonestidade, à mentira dos rebentos. Deixando de
fazê-lo, alguém o fará. Quem sabe, o professor, o policial, o juiz, a morte... Amar
é educar, envolver-se, comprometer-se, dar limites. Amar é ouvir, mas se fazer
ouvir. É vigiar (o inimigo vem como ladrão...), é auscultar o mais discreto
sussurro da alma. Amar é dizer “sim”, mas também dizer “não”. Amar é fazer
brotar, crescer e frutificar os valores em nossos filhos e filhas. Parreirais, temo-los
muitos, de todos os tipos. Uvas de qualidade, só a engenharia do amor e do
cuidado as pode produzir.
Veja também:
http://institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=78733003d894120d1ffc2794b7b623f5
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Como de costume, teu texto está muito bem escrito. Parabéns!Infelizmente esta é uma realidade que a sociedade enfrenta e vemos na escola esta situação refletida. A vida atarefada dos adultos parece que os exime de suas responsabilidades paternas. Hoje percebemos lares educados pela TV, internet, vídeo game. Não sei até que ponto a sociedade precisa chegar para que tome consciência deste fato.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Graziane
Costumo dizer que a beleza de um texto é resultante,primeiro, de uma outra beleza: a do olhar de quem se atém à leitura daquilo que é escrito. Fora isso, o texto não passa de um punhado de palavras. Forte abraço de quem aprendeu a admirar teu trabalho.
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