LAMBENDO SABÃO
Gilvan
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Dia desses, flagrei uma amiga usando a expressão
“lamber sabão”. Desacostumado a esta, inquiri o significado. Disse que a usara
como sinônimo de liberdade de opinião: “cada um tem a sua!”. Intrigado, apelei
para a internet e logo encontrei uma
significativa quantidade de explicações para a referida expressão. Muito
antiga, ela normalmente vem sendo usada como reprimenda a algum incauto de
“boca-suja”, familiarizado ao uso de palavras de baixo calão.
A alegada “pós-modernidade”, por estas bandas, tem
engendrado uma interminável quantidade de mudanças na forma de vestir, de
andar, de cultuar, de se portar, de falar... Mudanças quantitativas e
qualitativas. Superficiais e profundas. Específicas e genéricas. Muitas
mudanças. Não é incomum, jovens usarem de expressões verbais chulas e, segundo
os mais “velhos”, ofensivas e desrespeitosas. O que noutros tempos era
agressivo, hoje por vezes é sinônimo de amizade e cumplicidade. O mesmo
“foda-se” que ofende é, noutro contexto, sinal de pertencimento à tribo. Vá
entender! Tudo depende de quem fala, para quem fala e por que fala! Depende,
também, vez por outra, de quando e onde fala. Noutras palavras, o problema,
aparentemente, não está na palavra em si, mas na relação que se estabelece
entre os sujeitos que falam. Será?
O velho Juca já dizia – parafraseando as Santas
Escrituras – que a boca diz aquilo que está cheio o coração. Assim, palavras
duras denunciam um coração rancoroso, enquanto palavras dóceis refletem um
coração cheio de amor. É o que dizia meu avô. Exageros à parte, é inegável que
as gerações mais novas – em grande parte – parecem desconhecer mais do que uma
ou duas dezenas de expressões. Além de excessivamente limitado, o vocabulário
se mostra absurdamente tosco. Coisa de causar espanto até no mais distante
neandertal. O “uga-uga” deu lugar ao “pô meu!”. Acrescenta-se ao vocabulário um
“caralho”, um “merda”, um “porra” e um “saca só”, e pronto! Temos um glossário
quase completo do linguajar ultramoderno. É de doer. Pior então, é quando a
gurizada inventa de escrever. Aí as “expressões” acima ficam mais “simples”
ainda. Viram um “kct”, um “mrda”, um “pqp” e por aí vai. Mal ou bem (quase
sempre, muito bem...), os jovens se entendem. Nós, os mais velhos, é que não os
entendemos.
Falso moralismo de lado, preocupa a lastimável
miséria do vocabulário hodierno de nossa juventude. Pobreza não apenas de
letras, mas de sentimentos. A palavra é como o invólucro destes últimos.
Grandes sentimentos não cabem em expressões de tamanha irrelevância. Joias
preciosas (e os sentimentos o são) devem ser guardadas em locais apropriados,
da mesma forma que vinhos bons devem ocupar odres novos. A carestia, hoje, é
tanto dos bons vinhos e preciosas joias, quanto dos odres novos e porta-joias
adequados. Carece-se também de sentimentos nobres e palavras boas. Mais do que
nunca, urge que muitos lambam sabão. Haja sabão, é verdade! Mais difícil,
contudo, é achar pessoas dispostas a mandar seus filhos, amigos e alunos
lamberem sabão. Complexo e desafiador exercício de autoridade. É nadar contra a
maré, pois que politicamente incorreto. Não é fácil dar a cara ao tapa, ainda
mais quando tanto a cara quanto o tapa se propagam na velocidade da luz por
meio das redes sociais. Apesar do risco, alguém precisa dizer aos jovens (e não
jovens...): vão lamber sabão!
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