BOTECO
Gilvan
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blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Casa cheia. Melhor, tomada de amigos! Estes enchiam
os espaços com sua presença, alegria e descontração. Mais do que sorrisos, as
risadas corriam soltas, livres como as palavras e os pensamentos. O Boteco da
Rosinha fervilhava. O lusco-fusco dava charme ao lugar. Garrafas de todos os
tipos e cores. Cerveja, cachaça, licor, batida, vinho... Verdadeiro manjar em
homenagem a Baco. Mal dava tempo de respirar, logo vinham as “garçonetes”
enfiadas em seus aventais escuros que, apesar de longos, denunciavam as
perigosas curvas daqueles corpos. Corpos e copos. Copos e corpos. Mistura
delicada, mas deliciosa. Feito a maçã do Éden. As frutas, por sinal, afogadas
na aguardente de algumas daquelas garrafas, pareciam chamar pelo nome os
“clientes” do Boteco. Feito sereias. A voz doce vinda do alambique enfeitiçava aquelas
almas, masculinas ou não. Alma tem gênero? O velho telefone, posto ao canto da
mesa, parecia querer falar. Há quanto tempo silenciara? Preterido pela
concorrência desleal das novas tecnologias, o antigo aparelho mal cabia em seu
insuperável charme, feito quarentão de cabelos grisalhos a encantar as
mulheres. No prato, salgadinhos e tira-gosto de todo tipo. Quentinhos. Polenta,
fritas, pasteis, cubinhos de queijo e de presunto... Novinhos, tenrinhos. A
música corria solta. Ritmos dos mais diversos, para todos os gostos. Anos
sessenta, setenta, oitenta... Sons contemporâneos convivendo pacificamente com
os embalos de sábados passados. Aos poucos, o som mecânico ia sendo substituído
pela voz dos mais corajosos. Afinados ou não, os adeptos do karaokê soltavam a garganta na mesma
medida que sorviam a largos goles da farta bebida. Colados à parede, por todos
os lados, frases de botequim. Curtas ou longas, rimadas ou não, os dizeres
despertavam a atenção dos convivas. Inicialmente claros, à medida que as
garrafas secavam, os cartazes ficavam turvos e as frases desconexas. As
palavras pareciam saltitar, serelepes como que a dançarem em meio ao jogo de
luz. Enquanto isso, a dona do Boteco, feito cigana, agitava o corpo de um lado
para outro. A cintura parecia acompanhar a melodia, fazendo lembrar as ondas do
mar, hora mansas, hora nervosas... O Boteco era só algazarra, doce agitação.
Algumas crianças se divertiam próximo à mesa de sinuca, enquanto outras catavam
as bolinhas de plástico coloridas que descansavam ao chão. Todos se divertiam.
Até os ponteiros do relógio pareciam fazer festa ou, talvez, estivessem sob o
efeito etílico que impregnava o ambiente. Como presentes, os corações iam se
abrindo, um a um. Os mais resistentes até que tentavam se esquivar por entre as
folhas de papel. Vã tentativa. O Velho Barreiro, em toda sua boêmia sabedoria,
não poupava ninguém, por mais duro que fosse. A dona do Boteco era toda
sorriso. Momento impar aquele em que completava mais uma primavera.
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