SOLSTÍCIO DE VERÃO
Gilvan Teixeira
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blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Enquanto o rosto era, docemente, alfinetado por
alguns nacos de sol, os pensamentos galopavam feito baio solto nas coxilhas. A
vida, como nunca, parecia-lhe bela demais para ser deixada para trás, como um
passageiro que, simplesmente, abandona o bonde e o vê partir. No caso dele,
contudo, parecia que era a vida que tencionava pô-lo de lado, sem eira e nem beira.
Sentia o vigor escapar-lhe como água por entre os dedos, esvaindo-se apesar de
todo o esforço de quem, feito mouro sequioso no deserto, ansiava por dar nem
que fosse alguns poucos passos adiante. A vida, entretanto, ao menos para ele,
parecia um carteado de uma mão só. Para seu azar, faltavam-lhe as cartas
necessárias. Sem coringa, sem chances... Simples assim, apesar de desesperador.
Fosse ela como o solstício de verão, se estenderia por mais alguns instantes,
ainda que fugazes. Era o tempo que precisava para, quem sabe, consertar o que
deixara mal resolvido. Sua trajetória toda fora uma espécie de concerto a
exigir conserto! Poderia ser diferente? Haveria outro caminho aos filhos de
Adão que não o de uma sinfonia mal acabada, cheia de bemóis e sustenidos
imperfeitos? Uma orquestra por onde passa uma infinidade de gente, às vezes
mais, às vezes menos afinada? Alguns, feito meteoro, singram o céu num piscar
de olhos. Outros, porém, entram e permanecem em nossas vidas. Todos, por certo,
ajudam a compor – consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente,
positiva ou negativamente – nossa complexa partitura. Fosse a vida um solstício
de verão, viajaria quiçá o mundo a pedir perdão, pelo que fez e,
principalmente, pelo que deixou de fazer. Retomaria conversas deixadas pela
metade, prestaria mais atenção às palavras e entrelinhas alheias, aguçaria o
olhar sobre as expressões faciais de todos a seu redor. Quanta coisa deixara
escapar? Quantos abraços e palavras amigas deixara de oferecer? Quantas
lágrimas, ainda que de alegria, deixara de compartilhar? Quantos pães perdera
de dividir? Agora, e só agora, se dera por conta de que vivia numa espécie de
casulo triste e sombrio. Ainda que sem dolo, pouco enxergava além do próprio
umbigo. Enclausurado e cercado pelos muros de um cuidado excessivo consigo
mesmo, assistira os dias passarem como um filme em 3-D, tão próximo, mas tão distante,
capaz de causar alguns sustos e inquietações, mas, no frigir dos ovos, estéril.
A vida, descobrira, não segue uma narrativa retilínea, uma trama perfeita. É
uma estrada sinuosa, tomada de aclives e descidas, quase sempre sem
sinalização. Muitas vezes tateamos por ela, como se dirigíssemos em meio às densas
brumas. Buracos aqui e acolá, pedras que nos fazem desviar à direita ou à
esquerda, pontes que precisam ser construídas... Não a controlamos. Somos, como
pena sobre o mar, levados de um lado para outro. Sentia-se impotente ante o
repuxo da vida. O que era diante dela? Quantos por ela passaram? A maioria,
esquecida pela força impiedosa do tempo, mesmo os mais famosos e célebres. Quando
muito uma placa de bronze instalada sobre o túmulo na vã tentativa de trazer à
memória o que já não existe, incapaz de ressuscitar o cheiro, o sorriso, o
jeito ímpar de falar, a doce companhia... O pensamento seguia longe naquele final de
tarde do solstício de verão.
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