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sexta-feira, 29 de junho de 2012

CARTA TESTAMENTO (NÃO A DE VARGAS...)



CARTA TESTAMENTO (NÃO A DE VARGAS...)
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Quem já não ouviu falar na Carta Testamento de Vargas, gaudério que presidiu este país durante quase duas décadas? Ainda lembro do tempo do Primeiro Grau (hoje Ensino Fundamental), das páginas ilustradas do livro de História (hoje substituído pela wikipedia), donde brotava em forma de pergaminho a famosa Carta. Passados tantos anos, mais de trinta, percebo que muita coisa mudou, porém não tudo... Homens como Vargas, há muito que não se vê. Autoritário às vezes, mas autêntico. Ditador vez por outra, mas leal a seus princípios. Covarde em alguns momentos, mas corajoso quando diante da morte a lhe espreitar. Foi-se os caudilhos, mas restou cristalizado muitos dos vícios daquela sórdida política. Integralistas, comunistas, getulistas, populistas... PTB, PSD, PCB, AIB... Por mais condenáveis que fossem suas propostas e autoritárias suas ações, no fundo existia à época um misto de romantismo quixotesco e pragmatismo maquiavélico. Marcava-se de maneira clara e inequívoca posições ideológicas e político-partidárias. Não havia, salvo raras exceções, dúvidas de quem era quem. Os matizes e preferências eram às claras. Hoje, ao contrário, há de se lamentar o profundo e, ao que parece, interminável vazio no que tange às lideranças. Estas, se existem, estão às escondidas, quiçá indiferentes ao papel que um pretenso destino lhes reservou. Quanto aos partidos políticos, são como pocilga onde se misturam em meio à lama interesses tão díspares quanto contraditórios, incompreensíveis a qualquer cidadão de bem. Algumas casas legislativas mais lembram um cabaré da pior espécie, onde se vende de tudo, inclusive a consciência. Perdoem-me as meretrizes pela, talvez infeliz, comparação. Siglas surgem, siglas somem, siglas se fundem, conforme conveniências pessoais ou de pequenos grupos. Certo é que poucos ganham e, adivinhem, muitos perdem. Cada vez mais os jovens se afastam da política, tomados de asco e avessos a qualquer discussão que venha a exigir-lhes esforço intelectual ou posicionamento verdadeiramente crítico. Os “donos do poder”, ao que tudo indica, têm conseguido êxito em seu intento, qual seja o de afastar qualquer tentativa de transformação social advinda do efetivo exercício da cidadania. Paira no ar uma preocupante tendência à imbecilidade de nossa gente. Homens, mulheres, jovens e crianças, como gado, aguardam passivamente a hora do abate, embriagados pelo poder midiático do “plim-plim” e similares. O Estado há muito vem sendo balcão de negócios e negociatas, onde os que deveriam “servir”, acabam por se servirem às custas de quem os paga. Enquanto Têmis se perde em meio às vaidades e discursos intermináveis, verdadeiras oratórias estéreis tão ininteligíveis quanto o olhar estrábico da deusa, o sentimento de justiça se esvai no tempo e é enterrado nas filas dos hospitais e postos de saúde, no avanço da violência sob suas mais diversas formas, no desvio dos sagrados recursos púbicos, na pífia qualidade do ensino, no “custo Brasil”, na extorsão fiscal praticada sobre o rendimento dos trabalhadores, entre tantos outros males que, dia após dia, assolam nossa gente.

                Apesar do contexto sombrio eivado de uma imensurável crise moral e ética, a dádiva presa à caixa de Pandora parece resistir. Há esperança. Por certo – apesar da modorra profunda e atávica apatia –, muitos são ainda merecedores de confiança. Pessoas que jamais se apropriariam do bem alheio, honestas, trabalhadoras (ou aposentadas...), comprometidas com suas obrigações legais e sociais, respeitosas e respeitáveis. Pessoas que ainda pedem licença e não titubeiam em pedir perdão. Pessoas que levantam para ceder o lugar a quem precisa, que abrem mão de seu tempo em prol de outrem, nem que seja apenas para escutar... Pessoas que guardam o brilho no olhar e que se solidarizam de fato com as agruras alheias. Homens com o coração de mãe e mulheres com a força e coragem de leão. São essas pessoas que precisam tomar posse e serem empossadas no Legislativo, Executivo e Judiciário. Covardes, corruptos, omissos, incompetentes, desonestos e toda sorte de larápios, togados ou não, diplomados ou destituídos de titulação precisam ser execrados. Quem sabe a saída esteja nas próprias contradições que o “sistema” (este é feito de pessoas...) produz. A República brasileira nasceu a partir e para os já então privilegiados. Trouxe consigo a carcaça da modernidade e os “miúdos” do passado. O voto, por exemplo, veio acompanhado do cabresto. O sistema partidário veio permeado das mesmas práticas tão conhecidas no Império. A nobreza aristocrática foi substituída pelo coronelismo republicano. Este, de vento em popa, ainda hoje segue elegendo a sua laia, eternizando-a no cerrado de Brasília. Teimamos em querer “parecer” e “aparecer”. Somos causa e consequência de um triste caldo cultural que privilegia o “parecer ter” em detrimento do “ser”. Adquirem-se os penduricalhos do Capitalismo, alimentado pela irresponsável ciranda do crédito aparentemente fácil, mesmo que para tanto se comprometa a renda desta e das futuras gerações. Somos o país das grandes contradições e das “aparências”. Nos vangloriamos de termos matriculadas quase todas as crianças, em que pese a flagrante degradação da qualidade de ensino. Pouco e mal aprendem nossos alunos. Pouco e mal ensinam nossos educadores. Estes, talvez, por pouco saberem. Não poderia ser diferente, pois que a “certificação” para muitos de nossos mestres precede a qualificação. É a velha mania herdada de tempos idos de se querer ver pendurado um título, mesmo que adquirido “à distância” ou em sites da web. Construímos estádios, estradas e aeroportos para recepcionarmos os “gringos” e causar-lhes uma boa impressão, mas nos mostramos incapazes de darmos jeito em nossos presídios, escolas e hospitais. Tal lógica precisa ser urgente e imediatamente transformada. Urge lançarmos mão de ferramentas como a do mandato parlamentar e, antes dela, a do voto para subvertermos este triste contexto. Por certo, tamanha utopia requer não uma, mas duas, três ou mais gerações. Tenhamos a certeza de, quando diante da morte, sairmos da vida para entrarmos para a história.

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