O EXAME
Gilvan Teixeira
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blog:
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Seria a primeira vez, e tomara que última, que
passaria por aquela situação, todo aquele constrangimento. Histórias não
faltavam, de tal forma que o sofrimento só aumentava. Sem falar, é claro, nas
piadinhas e indiretas fazendo alargar, ainda mais, a ferida. Nos últimos quinze
dias, só pensava naquilo. Algo lhe dizia que o exame era como que o divisor de
águas da própria vida. Antes e depois. Só em pensar no tal do dedo, arrepiava.
Não fosse macho, desandaria a chorar. Procurara na lista de urologistas um nome
que pudesse, quem sabe, indicar algumas características do sujeito. A primeira
estratégia era fácil, eliminar as doutoras. Só de imaginar de ficar de quatro
para uma mulher... Ora bolas, alguma dignidade ainda lhe restava. Excluídas as
do sexo oposto, a tarefa de escolher o médico “certo”, do seu “tamanho”, ia se
tornando mais complicada e arriscada. Qualquer vacilo, estaria em maus lençóis.
Passava e repassava nome a nome na lista dos médicos conveniados. Cuidado
parecido com o que tinha na escolha dos números da mega-sena. Torcia para que
na escolha do dito cujo tivesse mais sorte, do contrário estaria frito. Eram
muitos nomes. Quais os critérios a serem usados? Pela antiguidade do CRM? Arriscado,
vai que pegasse um médico com técnicas ultrapassadas, querendo fazer o troço
pegar no tranco, sem nada de diálogo ou preliminares? Quem sabe, ainda, um
velho míope ou com mal de Parkinson... Já pensou, aquela tremedeira toda depois
de iniciado o procedimento? Por outro lado, os recém-formados também eram
perigosos. Inexperiência, falta de prática ou coisa que o valha. Pior, um
gurizote com aquele sorriso no canto da boca a desdenhar da diferença de idade
em relação ao paciente. Definitivamente não! Nem oito, nem oitenta. A hora
pedia equilíbrio, ponderação. Meia idade, portanto. Qual? Merda, o que poderia
ser considerado meia idade? Nunca pensara o quanto era difícil escolher um
médico. Chutou: quarenta e cinco! Alguma vez na vida teria de acertar um número
que fosse. Saudades do Padre Nácio, antigo pároco, astrólogo e numerólogo, que
conhecera nos tempos de colégio. Escolhida a
idade, o próximo passo era o nome. Todos os que terminassem ou pudessem receber
uma flexão em “ão”, por exemplo, eram automaticamente eliminados. Paulo,
Roberto, Marcos, Pedro... Nem pensar. Não lhe enganavam. Até podia ouvir a voz
da consciência – ou do órgão prestes a ser invadido – dizendo: “Paulão,
Robertão, Marcão, Pedrão...”. Eram nomes fortes demais para seu gosto. Preferia
nomes mais suaves, tipo assim... Leopoldo, Décio, Juvenal. Nomes que não
admitissem aumentativos. O que era uma lista enorme, foi se reduzindo. Agora,
não passava duns trezentos ou quatrocentos nomes. A próxima peneira era a do
sobrenome. Os de origem alemã, italiana, russa, polonesa foram ficando pelo
caminho. Muito rudes. Além de serem dados ao vinho, chope, vodka, salame e
polenta. Não! Precisava, isto sim, era de alguém mais “zen”, alternativo, leve.
Quem sabe alguém capaz de fazer o tão temido toque por meio do espaço, sem o
auxílio das mãos, impulsionado pela energia do cosmos. De repente, um insight. Rapidamente procurou por Allan
Kardec, Chico Xavier, Nostradamus... Sem sucesso. O negócio era seguir a busca
entre nomes comuns. Concentração total. Sequer piscava. Foi afunilando,
afunilando, afunilando, até que chegou ao nome de um urologista de nome
oriental: Fuji Miinho. Tudo parecia conspirar a seu favor. Finalmente! Homem,
meia idade – ao menos é o que parecia indicar o CRM –, oriental e, para coroar,
aquele nome tão delicado. Até parecia já ver o sujeito. Um japonesinho de um
metro e sessenta, mãos pequenas, cabelinho preto escorrido sobre o rostinho
delicado. O médico de seus sonhos. Batata. Não tinha erro, era ligar e marcar. Dito
e feito, na mesma hora pegou o telefone e agendara a consulta para o dia
seguinte. Incrível. Tirara a sorte grande! Soubera de gente que levara quinze,
trinta, sessenta dias para conseguir uma consulta. Dia seguinte! Mal podia
acreditar. À noite, optara pela castidade, tomara um banho demorado, usara o
sabonete não sei quantas vezes na região a ser examinada. Afinal, tinha que
fazer sua parte, dar sua cota de sacrifício. Dormira como uma criança naquela
noite. Levantara cedo, tomara mais um banho para garantir e até fizera uso de
talco infantil para, digamos assim, facilitar as coisas para o senhor, como era
mesmo o nome?, Fuji Miinho... O local em
nada parecia indicar a existência de uma clínica. Tocara a campainha. Um
sujeito enorme, quase dois metros de altura, com a cara tomada de sardas e um
par de olhos levemente puxados – resquício de uma longínqua herança oriental,
quando da separação entre os continentes –, com os braços que mais faziam
lembrar duas toras de madeira, com os dedos... Ao reparar nos dedos do
desgraçado, um frio percorreu-lhe toda espinha, de alto a baixo. Eram
descomunais. Pareciam destroncados, tamanho eram as juntas. Não podia ser... Já
não atinava no que aquele brutamontes perguntava. Suava frio. O corpo inteiro
tremia. O jaleco, um tanto que amarelado, não deixava dúvidas. Ali, feito a
inscrição na lápide do defunto, restava estampado, apenas o sobrenome do
sujeito: Miinho. Melhor, Dr. Miinho.
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