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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O EXAME


O EXAME
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Seria a primeira vez, e tomara que última, que passaria por aquela situação, todo aquele constrangimento. Histórias não faltavam, de tal forma que o sofrimento só aumentava. Sem falar, é claro, nas piadinhas e indiretas fazendo alargar, ainda mais, a ferida. Nos últimos quinze dias, só pensava naquilo. Algo lhe dizia que o exame era como que o divisor de águas da própria vida. Antes e depois. Só em pensar no tal do dedo, arrepiava. Não fosse macho, desandaria a chorar. Procurara na lista de urologistas um nome que pudesse, quem sabe, indicar algumas características do sujeito. A primeira estratégia era fácil, eliminar as doutoras. Só de imaginar de ficar de quatro para uma mulher... Ora bolas, alguma dignidade ainda lhe restava. Excluídas as do sexo oposto, a tarefa de escolher o médico “certo”, do seu “tamanho”, ia se tornando mais complicada e arriscada. Qualquer vacilo, estaria em maus lençóis. Passava e repassava nome a nome na lista dos médicos conveniados. Cuidado parecido com o que tinha na escolha dos números da mega-sena. Torcia para que na escolha do dito cujo tivesse mais sorte, do contrário estaria frito. Eram muitos nomes. Quais os critérios a serem usados? Pela antiguidade do CRM? Arriscado, vai que pegasse um médico com técnicas ultrapassadas, querendo fazer o troço pegar no tranco, sem nada de diálogo ou preliminares? Quem sabe, ainda, um velho míope ou com mal de Parkinson... Já pensou, aquela tremedeira toda depois de iniciado o procedimento? Por outro lado, os recém-formados também eram perigosos. Inexperiência, falta de prática ou coisa que o valha. Pior, um gurizote com aquele sorriso no canto da boca a desdenhar da diferença de idade em relação ao paciente. Definitivamente não! Nem oito, nem oitenta. A hora pedia equilíbrio, ponderação. Meia idade, portanto. Qual? Merda, o que poderia ser considerado meia idade? Nunca pensara o quanto era difícil escolher um médico. Chutou: quarenta e cinco! Alguma vez na vida teria de acertar um número que fosse. Saudades do Padre Nácio, antigo pároco, astrólogo e numerólogo, que conhecera nos tempos de colégio. Escolhida a idade, o próximo passo era o nome. Todos os que terminassem ou pudessem receber uma flexão em “ão”, por exemplo, eram automaticamente eliminados. Paulo, Roberto, Marcos, Pedro... Nem pensar. Não lhe enganavam. Até podia ouvir a voz da consciência – ou do órgão prestes a ser invadido – dizendo: “Paulão, Robertão, Marcão, Pedrão...”. Eram nomes fortes demais para seu gosto. Preferia nomes mais suaves, tipo assim... Leopoldo, Décio, Juvenal. Nomes que não admitissem aumentativos. O que era uma lista enorme, foi se reduzindo. Agora, não passava duns trezentos ou quatrocentos nomes. A próxima peneira era a do sobrenome. Os de origem alemã, italiana, russa, polonesa foram ficando pelo caminho. Muito rudes. Além de serem dados ao vinho, chope, vodka, salame e polenta. Não! Precisava, isto sim, era de alguém mais “zen”, alternativo, leve. Quem sabe alguém capaz de fazer o tão temido toque por meio do espaço, sem o auxílio das mãos, impulsionado pela energia do cosmos. De repente, um insight. Rapidamente procurou por Allan Kardec, Chico Xavier, Nostradamus... Sem sucesso. O negócio era seguir a busca entre nomes comuns. Concentração total. Sequer piscava. Foi afunilando, afunilando, afunilando, até que chegou ao nome de um urologista de nome oriental: Fuji Miinho. Tudo parecia conspirar a seu favor. Finalmente! Homem, meia idade – ao menos é o que parecia indicar o CRM –, oriental e, para coroar, aquele nome tão delicado. Até parecia já ver o sujeito. Um japonesinho de um metro e sessenta, mãos pequenas, cabelinho preto escorrido sobre o rostinho delicado. O médico de seus sonhos. Batata. Não tinha erro, era ligar e marcar. Dito e feito, na mesma hora pegou o telefone e agendara a consulta para o dia seguinte. Incrível. Tirara a sorte grande! Soubera de gente que levara quinze, trinta, sessenta dias para conseguir uma consulta. Dia seguinte! Mal podia acreditar. À noite, optara pela castidade, tomara um banho demorado, usara o sabonete não sei quantas vezes na região a ser examinada. Afinal, tinha que fazer sua parte, dar sua cota de sacrifício. Dormira como uma criança naquela noite. Levantara cedo, tomara mais um banho para garantir e até fizera uso de talco infantil para, digamos assim, facilitar as coisas para o senhor, como era mesmo o nome?,  Fuji Miinho... O local em nada parecia indicar a existência de uma clínica. Tocara a campainha. Um sujeito enorme, quase dois metros de altura, com a cara tomada de sardas e um par de olhos levemente puxados – resquício de uma longínqua herança oriental, quando da separação entre os continentes –, com os braços que mais faziam lembrar duas toras de madeira, com os dedos... Ao reparar nos dedos do desgraçado, um frio percorreu-lhe toda espinha, de alto a baixo. Eram descomunais. Pareciam destroncados, tamanho eram as juntas. Não podia ser... Já não atinava no que aquele brutamontes perguntava. Suava frio. O corpo inteiro tremia. O jaleco, um tanto que amarelado, não deixava dúvidas. Ali, feito a inscrição na lápide do defunto, restava estampado, apenas o sobrenome do sujeito: Miinho. Melhor, Dr. Miinho.



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