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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A CABANA


A CABANA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br





                Encomendara ao pintor desconhecido, daqueles que batem de porta em porta oferecendo seus trabalhos, uma tela tendo como temática uma cabana. Só se dera por conta do equívoco quando da entrega da encomenda. Decepção total. Não que a pintura, por si, deixasse a desejar quanto à estética, cuidado com os traços ou jogo de cores. Até que era bonita. Porém, em nada correspondia à expectativa. Cada um tem sua própria cabana. Esta é personalíssima, única, construída – sob medida – conforme a alma de cada um. A cabana dela era simples, a tal modo a se confundir com o entorno. Uma espécie de mimetismo natural, onde a morada aparecia como uma espécie de prolongamento da mata, dos galhos da figueira, do braço de rio. Uma cabana acolhedora, com as poucas paredes tomadas de cestos, arcos, pássaros perfeitamente esculpidos na madeira. No centro, a fogueira permanentemente acesa a exalar o inconfundível cheiro da lenha. Enquanto esta ia sendo consumida lentamente pelo filete de chama multicolorido a dançar de um lado para outro, sobre a chapa do fogão de barro ficava a cozer algumas batatas postas de véspera. A cabana dela desconhecia o frio. Acolhedora feito o ventre, ali dentro todo forasteiro era bem-vindo. Como pagamento, só o espírito desarmado e o sorriso largo. Afinal, pode haver maior riqueza do que uma boa companhia? Lá fora, o coral de sapos-martelo, grilos, lobos-guará e uma infinidade de seres da floresta. A iluminá-los, o pisca-pisca dos vagalumes e a romântica claridade da lua. No interior da cabana, a bebida cuidadosamente preparada e, por vezes, dividida. Bom mesmo era sorvê-la no grupo de amigos, com a taça passando de mão em mão, fazendo lembrar o verdadeiro sentido da ceia: a partilha. Contudo, mesmo quando sozinha na cabana, jamais se sentira solitária. O minuano a soprar no inverno ou o ar quente a prenunciar a chuva traziam consigo uma indescritível sensação de paz. As forças da natureza, ali eram bem quistas. Não as temia. Ao contrário, parecia confabular com elas. A cabana era seu porto seguro. Estava presa a ela. Ainda pequena, já a imaginava. Comum era vê-la rabiscar no caderninho os traços do lugar que a acompanharia por toda vida. Um espaço de descanso, meditação, tomada de decisões. Ela e a cabana se confundiam numa relação umbilical. Ninguém melhor do que a cabana para conhecê-la. Segredos, medos, projetos... Cumplicidade total, irrestrita, fiel. Tamanho significado, de fato, só poderia caber no coração, jamais num pedaço de papel. Quanto ao pintor desconhecido, seguisse talvez a vender por aí suas telas. Clientes, quem sabe, destituídos de uma cabana que pudessem chamar de sua. 

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