A CABANA
Gilvan Teixeira
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blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Encomendara ao pintor desconhecido, daqueles que
batem de porta em porta oferecendo seus trabalhos, uma tela tendo como temática
uma cabana. Só se dera por conta do equívoco quando da entrega da encomenda.
Decepção total. Não que a pintura, por si, deixasse a desejar quanto à
estética, cuidado com os traços ou jogo de cores. Até que era bonita. Porém, em
nada correspondia à expectativa. Cada um tem sua própria cabana. Esta é
personalíssima, única, construída – sob medida – conforme a alma de cada um. A
cabana dela era simples, a tal modo a se confundir com o entorno. Uma espécie
de mimetismo natural, onde a morada aparecia como uma espécie de prolongamento
da mata, dos galhos da figueira, do braço de rio. Uma cabana acolhedora, com as
poucas paredes tomadas de cestos, arcos, pássaros perfeitamente esculpidos na
madeira. No centro, a fogueira permanentemente acesa a exalar o inconfundível
cheiro da lenha. Enquanto esta ia sendo consumida lentamente pelo filete de
chama multicolorido a dançar de um lado para outro, sobre a chapa do fogão de
barro ficava a cozer algumas batatas postas de véspera. A cabana dela
desconhecia o frio. Acolhedora feito o ventre, ali dentro todo forasteiro era
bem-vindo. Como pagamento, só o espírito desarmado e o sorriso largo. Afinal,
pode haver maior riqueza do que uma boa companhia? Lá fora, o coral de sapos-martelo,
grilos, lobos-guará e uma infinidade de seres da floresta. A iluminá-los, o
pisca-pisca dos vagalumes e a romântica claridade da lua. No interior da
cabana, a bebida cuidadosamente preparada e, por vezes, dividida. Bom mesmo era
sorvê-la no grupo de amigos, com a taça passando de mão em mão, fazendo lembrar
o verdadeiro sentido da ceia: a partilha. Contudo, mesmo quando sozinha na
cabana, jamais se sentira solitária. O minuano a soprar no inverno ou o ar
quente a prenunciar a chuva traziam consigo uma indescritível sensação de paz.
As forças da natureza, ali eram bem quistas. Não as temia. Ao contrário,
parecia confabular com elas. A cabana era seu porto seguro. Estava presa a ela.
Ainda pequena, já a imaginava. Comum era vê-la rabiscar no caderninho os traços
do lugar que a acompanharia por toda vida. Um espaço de descanso, meditação,
tomada de decisões. Ela e a cabana se confundiam numa relação umbilical.
Ninguém melhor do que a cabana para conhecê-la. Segredos, medos, projetos... Cumplicidade
total, irrestrita, fiel. Tamanho significado, de fato, só poderia caber no
coração, jamais num pedaço de papel. Quanto ao pintor desconhecido, seguisse
talvez a vender por aí suas telas. Clientes, quem sabe, destituídos de uma
cabana que pudessem chamar de sua.
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