O SUMIÇO DA PASTA
Gilvan
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Verdadeiro enigma. Não se sabe como, o fato é que a
pasta que até então descansava sobre a “área de trabalho” do computador sumira.
O pavor tomou conta do lugar, menos pelos documentos perdidos do que pelo temor
quando da chegada da Bruxa. Já não bastava todo o estresse da mudança de casa,
das noites mal dormidas por causa das intermináveis insônias, das horas
perdidas em salas de pronto-atendimento por causa dos netinhos... Agora mais
esta. Nem as simpáticas propagandas
veiculadas na RBS seriam capazes de aplacar a fúria da chefa. Foi um
deus-nos-acuda na sala. A Mulher-Gato até esquecera a dor no joelho. Corria de
um lado para outro, fazendo inveja ao mais rápido velocista. A Doidinha então,
endoidecera de vez! Feito barata tonta, seguia daqui para lá e de lá para cá,
transtornada. O Lanterna Vermelha, ao que parece, não apenas recuperara a visão
do olho esquerdo – quase perdida depois de uma longa inflamação da conjuntiva
ocular –, como ampliara a capacidade visual, metendo inveja no Clark Kent. Não tinha canto
que não olhasse na máquina. Meticulosa e cirurgicamente mexia em cada um
daqueles intermináveis arquivos e pastas. Tudo em vão. Nada de aparecer a
maldita pasta. Praga de sogra, sabotagem, coisa do capeta... Explicações não
faltavam para o sumiço. Enquanto isso, os ponteiros do relógio seguiam
avançando na mais absoluta indiferença, como a zombar daqueles pobres mortais. A
Doidinha, num de seus raros espasmos de lucidez, esboçara uma saída, apesar de
meramente protelatória: atrasar, ao máximo, o retorno da Bruxa e, com isso,
ganhar mais alguns minutos até que se achasse a pasta. Ligar para ela? Dizer o
quê? Ora, de boba a Bruxa não tinha nada. Ao que tudo indica, tinha lá seus
informantes. Noutros tempos eram o espelho, a bola de cristal e as cartas.
Hoje, eram os incontáveis “amigos” do facebook.
Verdadeira e poderosa rede de espionagem. Bastava meia dúzia de toques e
pronto! Tudo e todos estavam lá. Nome (civil ou “social”), endereço,
(des)ocupação, idade, sexo (ou falta dele...), preferências, fotos (muitas
delas comprometedoras), rotina, etecetera e tal. Os arapongas eram coisa do
passado, assim como a velha vassoura da Bruxa. Ambos caíram em desuso, o que
não deixava de ser uma pena, especialmente para os românticos, ébrios e
boêmios. O mundo já não era o mesmo. Devaneios à parte, o fato é que o grupo
precisava resolver o problema da pasta ou, melhor, da falta dela. Como ia
dizendo, a Doidinha tivera a ideia de atrasar o retorno da Bruxa. Forjar uma
denúncia acerca de uma creche, inventar uma palestra em algum município (de
preferência, bem distante) ou, ainda, propagar a falsa notícia de uma
paralização do transporte coletivo. Qualquer coisa que garantisse mais tempo
até que a pasta voltasse a aparecer. A teoria parecia simples. Assim como tudo
o que sobe desce, o que some reaparece. Certo? Errado. Ao menos era o que se
desprendia do relógio que não cessava de correr. A demora na solução do
misterioso sumiço da pasta só fazia aumentar o pavor do trio. Ante o desespero,
encheu-se a cuia com folha de laranjeira, melissa e erva doce, tudo misturado à
erva-mate, como forma de mitigar as prováveis consequências do furor de quem
estava por chegar. Ligou-se para o homem das cucas e para a índia que vendia
pães, preparando-se um verdadeiro banquete de “boas vindas” à Bruxa. Só por
precaução, a Mulher-Gato acionou, também, a SAMU e o Corpo de Bombeiros. Vá que
a chefa não se deixasse seduzir pelos manjares... Coube ao Lanterna Vermelha
escrever o testamento, dele e das colegas. Exceto o da Mulher-Gato, proprietária
de um Cerato e de alguns imóveis no metro quadrado mais caro de Cachoeirinha
City, bastou um pedaço de papel de pão para arrolar os parcos bens do grupo. Não
demorou muito, a porta da sala se abriu e por ela adentrou a Bruxa. Como de
praxe, parecia elétrica. Fazia tudo ao mesmo tempo. Comia, bebia, lia, falava,
remexia nos papéis sobre a mesa. O que para outros era impensável, para ela era
trivial. Não demorou, veio a temida pergunta: “quem salvou a pasta?”. O grupo
se entreolhou. A Doidinha – não fosse o pedido de calma do Lanterna Vermelha –
quase se jogou pela janela do prédio. A Mulher-Gato, por sua vez, sorveu a
pimenta trazida do México, pensando ser a bomba do mate. Quando tudo parecia
estar perdido, o alívio. “Achei, não precisa mais”, anunciou a Bruxa. Não é que
a pasta estava lá, na área de trabalho do computador, como se nada tivesse
acontecido. Ninguém entendeu nada. Inexplicável. Tudo parecia ter voltado ao
normal, ao menos até o próximo mistério...
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