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terça-feira, 6 de agosto de 2013

O SUMIÇO DA PASTA


O SUMIÇO DA PASTA
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Verdadeiro enigma. Não se sabe como, o fato é que a pasta que até então descansava sobre a “área de trabalho” do computador sumira. O pavor tomou conta do lugar, menos pelos documentos perdidos do que pelo temor quando da chegada da Bruxa. Já não bastava todo o estresse da mudança de casa, das noites mal dormidas por causa das intermináveis insônias, das horas perdidas em salas de pronto-atendimento por causa dos netinhos... Agora mais esta.  Nem as simpáticas propagandas veiculadas na RBS seriam capazes de aplacar a fúria da chefa. Foi um deus-nos-acuda na sala. A Mulher-Gato até esquecera a dor no joelho. Corria de um lado para outro, fazendo inveja ao mais rápido velocista. A Doidinha então, endoidecera de vez! Feito barata tonta, seguia daqui para lá e de lá para cá, transtornada. O Lanterna Vermelha, ao que parece, não apenas recuperara a visão do olho esquerdo – quase perdida depois de uma longa inflamação da conjuntiva ocular –, como ampliara a capacidade visual, metendo inveja no Clark Kent. Não tinha canto que não olhasse na máquina. Meticulosa e cirurgicamente mexia em cada um daqueles intermináveis arquivos e pastas. Tudo em vão. Nada de aparecer a maldita pasta. Praga de sogra, sabotagem, coisa do capeta... Explicações não faltavam para o sumiço. Enquanto isso, os ponteiros do relógio seguiam avançando na mais absoluta indiferença, como a zombar daqueles pobres mortais. A Doidinha, num de seus raros espasmos de lucidez, esboçara uma saída, apesar de meramente protelatória: atrasar, ao máximo, o retorno da Bruxa e, com isso, ganhar mais alguns minutos até que se achasse a pasta. Ligar para ela? Dizer o quê? Ora, de boba a Bruxa não tinha nada. Ao que tudo indica, tinha lá seus informantes. Noutros tempos eram o espelho, a bola de cristal e as cartas. Hoje, eram os incontáveis “amigos” do facebook. Verdadeira e poderosa rede de espionagem. Bastava meia dúzia de toques e pronto! Tudo e todos estavam lá. Nome (civil ou “social”), endereço, (des)ocupação, idade, sexo (ou falta dele...), preferências, fotos (muitas delas comprometedoras), rotina, etecetera e tal. Os arapongas eram coisa do passado, assim como a velha vassoura da Bruxa. Ambos caíram em desuso, o que não deixava de ser uma pena, especialmente para os românticos, ébrios e boêmios. O mundo já não era o mesmo. Devaneios à parte, o fato é que o grupo precisava resolver o problema da pasta ou, melhor, da falta dela. Como ia dizendo, a Doidinha tivera a ideia de atrasar o retorno da Bruxa. Forjar uma denúncia acerca de uma creche, inventar uma palestra em algum município (de preferência, bem distante) ou, ainda, propagar a falsa notícia de uma paralização do transporte coletivo. Qualquer coisa que garantisse mais tempo até que a pasta voltasse a aparecer. A teoria parecia simples. Assim como tudo o que sobe desce, o que some reaparece. Certo? Errado. Ao menos era o que se desprendia do relógio que não cessava de correr. A demora na solução do misterioso sumiço da pasta só fazia aumentar o pavor do trio. Ante o desespero, encheu-se a cuia com folha de laranjeira, melissa e erva doce, tudo misturado à erva-mate, como forma de mitigar as prováveis consequências do furor de quem estava por chegar. Ligou-se para o homem das cucas e para a índia que vendia pães, preparando-se um verdadeiro banquete de “boas vindas” à Bruxa. Só por precaução, a Mulher-Gato acionou, também, a SAMU e o Corpo de Bombeiros. Vá que a chefa não se deixasse seduzir pelos manjares... Coube ao Lanterna Vermelha escrever o testamento, dele e das colegas. Exceto o da Mulher-Gato, proprietária de um Cerato e de alguns imóveis no metro quadrado mais caro de Cachoeirinha City, bastou um pedaço de papel de pão para arrolar os parcos bens do grupo. Não demorou muito, a porta da sala se abriu e por ela adentrou a Bruxa. Como de praxe, parecia elétrica. Fazia tudo ao mesmo tempo. Comia, bebia, lia, falava, remexia nos papéis sobre a mesa. O que para outros era impensável, para ela era trivial. Não demorou, veio a temida pergunta: “quem salvou a pasta?”. O grupo se entreolhou. A Doidinha – não fosse o pedido de calma do Lanterna Vermelha – quase se jogou pela janela do prédio. A Mulher-Gato, por sua vez, sorveu a pimenta trazida do México, pensando ser a bomba do mate. Quando tudo parecia estar perdido, o alívio. “Achei, não precisa mais”, anunciou a Bruxa. Não é que a pasta estava lá, na área de trabalho do computador, como se nada tivesse acontecido. Ninguém entendeu nada. Inexplicável. Tudo parecia ter voltado ao normal, ao menos até o próximo mistério...


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