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quinta-feira, 23 de maio de 2013

TEKOHA


TEKOHA[1]
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Alma sem corpo. Errante, a andar a esmo de nenhum lugar para lugar algum. Assim somos nós. Povo sem terra. A verdadeira terra, tomada de simbolismos e significados. Não a terra vazia, amorfa, inerte, sem vida. A terra que nos falta é a do tipo sagrada, da mesma sonhada e perseguida por povos de outrora. Terra de leite, mel e erva-mate. Pródiga, farta, materna. Não a terra cercada por arames, muros e outras espécies de limites infames. Falta-nos a terra sem dono, mas ela própria senhora de nossos destinos. Terra de sonhos. Bons sonhos... do tipo sonhado por todos... Sonhos de igualdade entre os diferentes. Terra que traz as pegadas de nossos entes pretéritos e os sinais por eles gravados. Memórias que brotam, passeiam feito borboletas, cigarras, beija-flores e pardais... Dançam embaladas pelo vento. Mesmo o minuano parece não demonstrar a menor intenção de amainar o fogo nascido do afeto que permeia as relações. O calor que abrasa as almas. A chama a dançar feito o pensamento. Este, livre, solto, maroto... Mais parece criança envolvida em meio às peraltices e brincadeiras de roda. Nem de perto se parece com o “nosso” amontoado de concreto. É cimento para todo lado! Cubículos e poleiros. Não fossem as fachadas multicoloridas e, por vezes, envidraçadas, logo denunciariam sua verdadeira essência: arapucas. Aprisionam o físico e letargiam os sentidos. Enchem os bolsos de alguns poucos, enquanto esvaziam a caixa de Pandora. No lugar da mitologia, uma perniciosa e enganadora ideologia. Nesta última, não resta sequer a esperança. Escasseia-se o romantismo, sobejam muriçocas. Pudera! Usurpamos, defraudamos, extorquimos, abusamos... Não bastasse, imbecilizados pela arrogância e prepotência, ainda atribuímos a outrem a (ir)responsabilidade que nos pertence. Na linha de tempo, nosso egoísmo umbilical e doentio troca de nome: revolução, progresso, pós-modernidade... A essência permanece. Os frutos revelam a seiva que os alimenta. Por mais bem apresentados que pareçam, seguem perigosos, nefastos e prejudiciais. Pena que – ao contrário, por exemplo, dos insetos, jumentos e ratos – não nos damos conta do perigo. Quiçá, seja o preço de nossa decantada inteligência.

                Urge “ressignificarmos” o espaço em que estamos. Fazermos dele nosso tekoha.  Espaço sagrado, protegido, amado. Espaço onde possamos gerar e ver crescer nossas crianças, livres de estereótipos e preconceitos dissipadores de afetos. Espaço onde viceje o amor, respeito, solidariedade, perdão, responsabilidade... A casa, a escola, a empresa, a rua... Por que não fazer de todo e qualquer espaço um lugar “vital”, verdadeiro tekoha? Espaço de trocas, vivências, experiências, aprendizados...? Espaço de culto, louvor, reconhecimento ao Criador? Espaço de histórias, fictícias ou não, pois no fundo o que encanta é o “contar” e o “ouvir”, a intrínseca relação que daí nasce. Espaço de valorização da genealogia, fortalecimento da família, aproximação das pessoas. Espaço de amizade, saudável cumplicidade, alteridade... Espaço de boa e farta comida, que a todos alimenta, mesmo que estrangeiro. Espaço lúdico, alegre, pródigo em palavras e gestos que promovam a paz, o altruísmo, a autoestima e a confiança em si e no outro. Espaço onde o aprendizado nasça, sobretudo, do “fazer” e do “experienciar”. Espaço onde o livro ocupe o centro da sala, tomado pelas mãos de quem o explora. Espaço de palavras doces, nem por isso menos firmes. Espaço para sinceridade. Espaço para carícia e para o beijo, rápido ou não... Espaço para o afago, para o elogio e para crítica que faz crescer. Precisamos dar vida ao vale de ossos secos em que se transformou, quem sabe, “nossa” (nem tão nossa, pois transitória...) terra e nossa casa. Ressignifiquemos o espaço que hoje ocupamos. Façamos dele nosso verdadeiro tekoha.



[1] Para os guaranis, significa a terra enquanto “espaço vital”. 

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