Translate

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

SOLSTÍCIO DE VERÃO


SOLSTÍCIO DE VERÃO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Enquanto o rosto era, docemente, alfinetado por alguns nacos de sol, os pensamentos galopavam feito baio solto nas coxilhas. A vida, como nunca, parecia-lhe bela demais para ser deixada para trás, como um passageiro que, simplesmente, abandona o bonde e o vê partir. No caso dele, contudo, parecia que era a vida que tencionava pô-lo de lado, sem eira e nem beira. Sentia o vigor escapar-lhe como água por entre os dedos, esvaindo-se apesar de todo o esforço de quem, feito mouro sequioso no deserto, ansiava por dar nem que fosse alguns poucos passos adiante. A vida, entretanto, ao menos para ele, parecia um carteado de uma mão só. Para seu azar, faltavam-lhe as cartas necessárias. Sem coringa, sem chances... Simples assim, apesar de desesperador. Fosse ela como o solstício de verão, se estenderia por mais alguns instantes, ainda que fugazes. Era o tempo que precisava para, quem sabe, consertar o que deixara mal resolvido. Sua trajetória toda fora uma espécie de concerto a exigir conserto! Poderia ser diferente? Haveria outro caminho aos filhos de Adão que não o de uma sinfonia mal acabada, cheia de bemóis e sustenidos imperfeitos? Uma orquestra por onde passa uma infinidade de gente, às vezes mais, às vezes menos afinada? Alguns, feito meteoro, singram o céu num piscar de olhos. Outros, porém, entram e permanecem em nossas vidas. Todos, por certo, ajudam a compor – consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, positiva ou negativamente – nossa complexa partitura. Fosse a vida um solstício de verão, viajaria quiçá o mundo a pedir perdão, pelo que fez e, principalmente, pelo que deixou de fazer. Retomaria conversas deixadas pela metade, prestaria mais atenção às palavras e entrelinhas alheias, aguçaria o olhar sobre as expressões faciais de todos a seu redor. Quanta coisa deixara escapar? Quantos abraços e palavras amigas deixara de oferecer? Quantas lágrimas, ainda que de alegria, deixara de compartilhar? Quantos pães perdera de dividir? Agora, e só agora, se dera por conta de que vivia numa espécie de casulo triste e sombrio. Ainda que sem dolo, pouco enxergava além do próprio umbigo. Enclausurado e cercado pelos muros de um cuidado excessivo consigo mesmo, assistira os dias passarem como um filme em 3-D, tão próximo, mas tão distante, capaz de causar alguns sustos e inquietações, mas, no frigir dos ovos, estéril. A vida, descobrira, não segue uma narrativa retilínea, uma trama perfeita. É uma estrada sinuosa, tomada de aclives e descidas, quase sempre sem sinalização. Muitas vezes tateamos por ela, como se dirigíssemos em meio às densas brumas. Buracos aqui e acolá, pedras que nos fazem desviar à direita ou à esquerda, pontes que precisam ser construídas... Não a controlamos. Somos, como pena sobre o mar, levados de um lado para outro. Sentia-se impotente ante o repuxo da vida. O que era diante dela? Quantos por ela passaram? A maioria, esquecida pela força impiedosa do tempo, mesmo os mais famosos e célebres. Quando muito uma placa de bronze instalada sobre o túmulo na vã tentativa de trazer à memória o que já não existe, incapaz de ressuscitar o cheiro, o sorriso, o jeito ímpar de falar, a doce companhia...  O pensamento seguia longe naquele final de tarde do solstício de verão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário