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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

ALGODÃO ENTRE CRISTAIS

 

ALGODÃO ENTRE CRISTAIS

Prof. Gilvan Teixeira

e-mail: profpreto@gmail.com

blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A frase do Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, quando da discussão acerca de sua decisão irresponsável, que levou à soltura de um grande traficante, é emblemática. Dirigindo-se ao Presidente da Corte, disse que o mesmo deveria ser como “algodão entre cristais”. Como devemos interpretar a fala do Ministro (com letra maiúscula, para não ofendê-lo...)? Corporativista, arrogante, presunçosa... O certo é que o “ato falho” deixa às claras como ele – assim como a maioria de seus pares – se vê. A postura do Excelentíssimo Ministro é da mesma linhagem do “você sabe com quem está falando?” (DaMatta), típica de um país ainda preso a um passado colonial e escravista, onde a vez e a voz pertenciam (passado?) aos coronéis. Curiosamente, foi o Digníssimo Ministro indicado pelo primo, sabidamente um descendente dos coronéis de Alagoas. Com a devida vênia, quiçá, pura “coincidência”.  A Suprema Corte, que deveria reunir o que há de melhor e mais competente na carreira da magistratura, é a cara de um Brasil ainda oligárquico, onde uma ínfima minoria goza de privilégios – ainda que sob a roupagem de legalidade (quem faz as leis?) – sustentados por uma maioria que há muito vegeta na penúria, na falta de oportunidades, na omissão criminosa de um Estado mastodôntico e ineficiente. Para que os “cristais” e “algodões” (farinha do mesmo saco, pois fosse no universo da periferia tal conluio seria tipificado como “organização criminosa”) existam, há que se ter, no mínimo, quem os reconheça como tais, que os valorize como tais. Que sociedade é esta onde os “cristais” valem mais do que aqueles que os pagam? Não terá passado da hora de colocarmos os “pingos nos is”, os “bois na frente da carreta” e os “cristais” em seu devido lugar? Dizem que uma omelete só faz quebrando os ovos. Não será o momento de quebrarmos os “cristais” para que entendam a quem, de fato, pertencem? O escárnio nascido no pomposo Plenário da Suprema Corte não surpreende, mas apenas revela o quanto estamos distantes do verdadeiro sentido do que seja um “servidor público”. Como bem lembra Cortella, “um poder que se serve, em vez de servir, é um poder que não serve”. A presente Corte não serve, pois que fruto de indicações políticas e descompassada com os novos tempos. Um STF incapaz de compreender o real sentido e utilidade do garantismo, cego pelo brilho dos “cristais” como se estes últimos fossem um fim em si mesmos. Uma Corte mais preocupada com as ignóbeis vaidades pessoais (e dos grupos aos quais representam) e perdida em verborreias jurídicas vazias (a palavra é poder) do que com a aplicação da justiça. Seja o Supremo o farol último do bom Direito e não o covil daqueles que buscam a impunidade. Torço pelo dia em que os verdadeiros “cristais” ocupem as confortáveis cadeiras da Corte, refletindo não o brilho de egos, mas de um povo sadio, próspero, feliz e confiante em suas instituições.

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