BUMERANGUE
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Como um bumerangue mal arremessado que, ao retornar
em direção a quem o lançou, atinge a jugular e ceifa a vida, assim tem sido
comigo, contigo e com cada um de nós. A mesma sociedade que, diuturnamente, se
queixa de ser “vítima” da violência – hoje não mais apenas urbana –, das
mazelas nascidas da corrupção, da governança incompetente, quando não criminosa
e irresponsável, do tráfico que a olhos vistos compromete o futuro de gerações
inteiras e faz do viciado um completo imbecil, aniquilado do ponto de vista
ético, moral, cognitivo e produtivo, esta mesma sociedade não passa, na
verdade, de algoz dela mesma. As mesmas classes média e alta que tecem
discursos inflamados contra a guerra do tráfico são as maiores consumidoras de
maconha, ecstasy e cocaína, por
exemplo. Muito comum é vermos o “filhinho de papai” – não raras vezes, o mesmo
que ainda há pouco desrespeitava as regras da escola e mandava os pais tomarem
no ... – infestar, em meio à roda de zumbis mentecaptos, o ambiente de praças e
residências com o fétido cheiro da morte exalado pelo baseado. Ora, o que são
as “aventuras” de tais adolescentes senão a face da mesma moeda que alimenta o
crime organizado, as facções dentro dos presídios e o poder “paralelo”
instalado, tal qual taenia, nas entranhas do Estado? Por que
escandalizar-se com as cracolândias e não com as festas raves regadas a muito álcool, sexo e drogas? Por que
escandalizar-se com a violência corporificada no vocabulário chulo ou no porte
de arma do adolescente que guarda a boca de fumo e não com o uso irresponsável
das redes sociais para ofender, difamar ou ameaçar? Por que escandalizar-se com
as milhares de vítimas do trânsito e não com a direção perigosa, em alta
velocidade e embaçada pelo torpor do álcool e dos entorpecentes? Quanta hipocrisia.
Julgamos apenas pelo “fim” e não pelos “meios”, pela “aparência” e não pela
“essência”. Assim, se a embriaguez não é descoberta e nem tampouco gera
acidentes, está tudo bem. Caso o filho ou a filha, pouco mais do que uma
criança, seja promíscuo, tudo certo, desde que se cerque de cuidados para
evitar uma gravidez indesejada. Engravidando, contudo, é “só” abortar, desde
que sob o manto da discrição e do anonimato. Observar que a prole chega em casa
com objetos alheios ou com olhos a denunciarem o uso de drogas, tudo bem, mas
que não venha ninguém reclamar. A sociedade que temos é a que merecemos.
Colhemos, quase sempre, o que semeamos. Fazer da urna latrina e desejar que
saia dela bons gestores ou representantes, é um engodo. Tratar o corpo como um receptáculo
do consumismo doentio e querer uma longa vida com saúde física e mental é, no mínimo,
uma grande ingenuidade. Imaginar um ambiente ecologicamente equilibrado e
sustentável sem abrir mão dos penduricalhos nascidos do Capitalismo, por sua
vez, não passa de um enorme paradoxo. O “destino” parece algo inexorável. Assim
como um bumerangue, a vida, muitas vezes, tem um caráter retributivo,
refletindo nossas escolhas. A sociedade, em última instância, é nossa própria
imagem e semelhança.
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