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quinta-feira, 22 de março de 2012

INCLUSÃO: UM MUNDO PERFEITO

INCLUSÃO: UM MUNDO PERFEITO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Mal o sol firmara no horizonte, as crianças iam chegando. Aos pingados, sem pressa, pois que esta é coisa de gente grande. Os adultos é que correm contra os ponteiros do relógio. O frenesi, definitivamente, passa de largo do mundo infantil. Mochilas de todos os tamanhos e cores. Feito balões, algumas delas como que flutuavam apoiadas às costas dos pequerruchos. Uma que outra criança parecia ainda não ter despertado, ao menos é o que denunciavam os olhinhos pequenos e o andar cambaleante.  A maioria delas acompanhada por um adulto. Talvez pai ou mãe. Mais provável que avós, pois que corujas. A mão calejada a segurar aquela mãozinha frágil. Como farol, o mais velho indicava o caminho. Este conduzia sempre à sala de                    aula. A professora, de braços abertos, recepcionava a todos com um largo sorriso. Largo e sincero. Os pupilos eram-lhe caros, feito joias. Verdadeiros diamantes a serem lapidados. Feito oleiro, caberia à professora a nobre e sagrada tarefa de “moldar” aqueles pequenos nacos de barro. Ajeita daqui, arruma dali, aumenta acolá. Já antevia a educadora que por mais simples que fosse, a obra era “prima”. Não dera cinco minutos e lá estavam todos eles. Sentados em forma de círculo, pacientemente aguardavam as orientações da “prô”. Os pequenos mais pareciam capricho da natureza. Pareciam em sintonia com o próprio ambiente da sala. Esta era um espaço amplo, asseado, bem arejado. Do lado de fora ainda se ouvia o cantar matinal dos canários, sabiás e bem-te-vis. Ah, tinha ainda o canto estridente e imperioso do Zé, o velho galo tão conhecido da piazada. Nas molduras de madeira, que atravessavam cada parede de lado a lado, caíam pendurados por prendedores lindamente enfeitados, trabalhinhos e mais trabalhinhos. Como troféus, eram expostos devidamente identificados. Dos doze pimpolhos, dois eram “especiais”. Fosse há alguns anos, estariam confinados numa escola dita “especial”, tais como o eram os manicômios e leprosários. Lugares de gente “desajeitada”. Lá ficariam anos a fio, talvez a vida toda, sob o olhar indiferente dos “de fora”. Quando muito um presentinho aqui ou um mimo acolá a coincidir com datas comemorativas. Espécie de esparadrapo na consciência. Um álibi para empanturrar o estômago com os comes da ceia de Natal. Agora não. Os tempos eram outros. Graças à Lei, honrosa e poderosa. Depois d’Ela nunca mais a escola foi a mesma. Bem-aventurados aqueles que a fizeram. Probos e éticos. Sábios e humanos. Legisladores de verdade. Quase santos. Não fosse o paletó e a gravata perfeitamente alinhados, diriam tratar-se de anjos. Como livro sagrado, a Lei já há algum tempo ocupava gabinetes e salas de professores. As crianças, principalmente elas, recitavam a Lei feito um mantra. Duvidassem, sabiam de cor e salteado. Verdadeiro verbo capaz de dar vida às coisas. Capaz de fazer nascer do nada, sonhos outrora sequer imaginados. O poder da palavra. Dizia a Lei? Pronto! Mandava, não pedia. Determinava que todos os alunos seriam inclusos: coxos, cegos, surdos, mudos. Fosse baixo, médio ou grande o comprometimento motor ou cerebral. Não importava. A Lei trazia a solução. Mágica, instantânea, automática. Feito Deus no Éden, a Lei dizia: “haja luz” e logo a escuridão, a falta de recursos, a desmotivação, os parcos e humilhantes salários dos professores, o número excessivo de alunos nas salas, a incompetência do gestor público, a apatia e omissão da família, enfim, tudo se resolvia. Não por acaso, a Lei passara a ser venerada. Ai de quem dela duvidasse. Não restaria outro lugar que não o Tribunal ou, o que para alguns parecia pior, o “convite” compulsório para migrar, feito desgarrado, para outra Secretaria. Nem poderia ser diferente. Afinal, por que alguém em sã consciência se rebelaria contra Aquela que trouxe nova vida e esperança às crianças? Ao longe, o Zé cantava, como se fosse seu último e derradeiro canto. 

2 comentários:

  1. Pena não passar de um sonho. Todos gritam: "Igualdade! igualdade!" Mas são os primeiros a querer se manter distante dos outros ou com melhores benefícios. Um mundo perfeito todo mundo imagina, Thomas Morus com a sua Utopia, Karl Marx com a sua visão de um mundo socialista. Tudo apenas pensamentos, afinal, todos mostram seu apoio mas poucos realmente se manifestam. Uma pessoa jamais mudará algo, apenas uma nação é capaz disto.

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  2. Interessante! Contudo, o que é "nação"? A formação de uma sociedade coesa, voltada para as questões coletivas antes das individuais, na prática, tem se constituído cada vez mais numa utopia, possível mas improvável. Há de se mudar inúmeros paradigmas, entre eles os que priorizam o "ter" e a "aparência", em detrimento do "ser" e da "essência". Abraço. Gilvan.

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