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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

AVALIAÇÃO: DESNUDANDO A INTENCIONALIDADE


AVALIAÇÃO: DESNUDANDO A INTENCIONALIDADE
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



          A discussão em torno do Projeto Político-Pedagógico (PPP) e Regimento da escola traz consigo, também, a necessidade de uma profunda e oportuna reflexão acerca da “avaliação” na EJA EAD-Semipresencial. Indiscutivelmente, nos últimos quatro anos, melhoramos muito no que tange, por exemplo, ao percentual de alunos aprovados. Tão ou mais importante do que isso – por ser condição sine qua non para aprovação – foi conseguirmos diminuir, significativamente, a evasão docente, a partir da implantação do EAD-Semipresencial. Facilitamos o acesso e permanência do aluno ao adotarmos um sistema híbrido de aulas presenciais e virtuais, onde o educando precisa fazer-se presente apenas duas vezes por semana na escola, podendo (e devendo!) complementar sua carga horária na plataforma Moodle. Somado a isso, optamos por um horário de aula presencial (das 20 às 22h30min.) que vem ao encontro, principalmente, do aluno trabalhador e/ou chefe de família. Os “números”, portanto, são bons. O grande desafio, agora, é “qualificá-los”! Garantirmos ao educando a “qualidade” daquilo que é ofertado, tornando a aprendizagem em algo realmente significativo, capaz, por exemplo, de contribuir na sua formação enquanto sujeito (cidadão), abrindo um maior leque de possibilidades de inserção no mercado de trabalho e fornecendo os pré-requisitos para que alce níveis mais elevados de escolarização. É nesse contexto que deve ser inserida e compreendida a “avaliação”. Trata-se não de algo pronto, estanque, rígido. Ao contrário, é um “processo” contínuo, aberto, flexível. Serve a “avaliação”, sobretudo, para que educador e educando possam analisar (avaliar) um ao outro e autoanalisar-se (autoavaliar-se). É um “olhar” sobre o “outro” (do professor frente ao aluno e vice-versa) e sobre si mesmo. Avaliar não pode e não deve ser sinônimo de “açoitar”. Objetiva-se, com ela (avaliação) auscultar a que ponto anda o processo ensino-aprendizagem. Caminha-se na direção correta? A metodologia é adequada? O que precisa ser revisto, modificado ou reforçado? A avaliação, nem de perto, tem como objetivo principal “aprovar” ou, menos ainda, “reprovar”. Até porque a aprovação deveria ser decorrência natural do processo, enquanto a reprovação uma anomalia, uma excrecência, verdadeira exceção. Infelizmente, tem sido comum vermos a avaliação como se fosse um fim em si mesmo. Desejamos, por vezes, que o aluno se “encaixe” na avaliação, não percebendo que ao fazê-lo nos tornamos, nós mesmos (educadores), escravos dos instrumentos que, em tese, deveriam estar ao nosso serviço. Portanto, o foco da discussão não deve ser se o aluno será ou não aprovado. Seria colocar a carroça à frente dos bois. O cerne da discussão deve ser: como garantir que o educando avance com qualidade? Quais serão as medidas a serem tomadas pelo professor, serviços de apoio (SSE, SOE, LA, Biblioteca, etc.), Direção, mantenedora, família e aluno para que a aprendizagem aconteça? Somos todos responsáveis pelo processo. Este, caso falhe, diz respeito a todos os envolvidos. Ao aluno com dificuldade de aprendizagem, seja ofertada a maior e mais variada gama possível de meios facilitadores (acompanhamento individualizado, material concreto, currículo adaptado, etc.), não para que “passe” (pois que não é o objetivo primeiro), mas para que “aprenda”. Ao aluno descomprometido e/ou indisciplinado, seja lançado sobre ele o olhar “viajante” do educador, buscando sua inserção, de fato, no ambiente de aprendizagem, sem abrir mão da exigência no que tange aos princípios de convivência e cumprimento das necessárias regras sociais. A família deve ser tensionada a participar, ativamente, do processo, sob o risco de, não o fazendo, responder junto às instâncias existentes (Conselho Tutelar, Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, etc.).
           A avaliação, quando da discussão e reelaboração dos documentos escolares (PPP, Regimento, etc.), precisa ser tratada sob dois grandes aspectos. O primeiro deles eu chamaria de “originário”, associado à intencionalidade. Originário porque embasador não apenas do segundo “aspecto” (associado à expressão formal dos resultados obtidos pelo aluno: notas, conceitos, etc.), mas da própria prática docente. Sob tal aspecto, originário, a avaliação precisa casar com o projeto de cidadão, de escola, de sociedade e de mundo que se vislumbra. Trata-se do principal aspecto da avaliação, com profundas consequências e desdobramentos. Precisa estar claro aos olhos de toda comunidade escolar. Cabe a esta definir e decidir, por exemplo, qual é o “perfil” de aluno (cidadão) a ser formado, sem olvidar, obviamente, das idiossincrasias existentes, respeitando-se as diferenças e limitações. Objetiva-se com isso não a “eugenização” social, mas um salutar e indispensável “planejamento”, sem o qual seguirá rumando ao fracasso nosso ensino. Deseja-se um cidadão autônomo ou autômato? Crítico ou alienado? Responsável ou inconsequente? Trabalhador ou indolente? Sadio ou não? Honesto ou ímprobo? Solidário ou narcisista? A definição desse “perfil” deve nascer do diálogo entre o maior e mais variado número de atores e, uma vez instituído, precisa servir de norte à escola. O que vemos hoje, infelizmente, é uma absoluta falta de planejamento, seja a curto, médio e, principalmente, longo prazo. Sobram jargões completamente vazios, por vezes dourados por posicionamentos político-ideológicos que atendem a outros interesses que não o do educando.
          O segundo aspecto da avaliação a ser considerado é o da “expressão formal” dos resultados obtidos pelo aluno. Apesar de “secundário” (menos importante do que o aspecto originário), é o que mais aparece e, infelizmente, muito comumente acaba por ser determinante na reprovação do educando. Apesar de ser apenas a ínfima parte do iceberg, frequentemente faz naufragar sonhos, alimentando a evasão e a multirrepetência. Faz lembrar o sôfrego e caquético corpo, à beira da putrefação, incapaz de acompanhar a potencialidade da alma (primeiro aspecto da avaliação). Portanto, reduzir o aluno à nota (ou algo similar) é como encerrar a complexidade da alma num corpo frágil e mortal. Todavia, ainda assim, é inegável a importância (e dependência), especialmente sob o ponto de vista operacional, das mensurações. Por vezes, elege-se a adoção da “nota” como vilã do processo avaliativo. Outras vezes, a bola da vez é o “conceito” ou outra forma de expressão do rendimento escolar. Vã discussão, diga-se de passagem. Faz diferença o invólucro do veneno? A cor da pílula é capaz de mudar seus efeitos? Alguns parecem acreditar que sim. Adotam formas aparentemente emancipatórias de avaliação, mas suas práticas e olhar sobre o aluno seguem lógica diversa. Tais mensurações são como lobo em pele de ovelha, portanto mais perigosas e traiçoeiras do que a formas ditas tradicionais de avaliar o educando. Conclui-se, assim, que todas as formas de mensuração (ao menos, as mais usadas...) são, em essência, falhas e insuficientes para abarcarem o aluno como um todo. Portanto, três cuidados soam como necessários. O primeiro diz respeito à consciência que deve ter o educador acerca da falibilidade das mensurações propostas, por melhor que seja a intenção. O segundo cuidado é quanto à necessidade de construirmos critérios razoavelmente objetivos que sirvam de “espinha” dorsal no processo avaliativo, critérios estes que – como vimos acima – precisam estar de acordo com o desejo da comunidade escolar (formada também, mas não somente, por professores...). Terceiro, último e principal. O cuidado em fazer da “intencionalidade” (principal aspecto da avaliação) o fio condutor de todo processo avaliativo.

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