O GORDINHO DO ESPELHO
Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog:
profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Quem disse que os gordinhos são lentos? O do espelho,
ao menos, era para lá de ágil. Bastava virar para avistá-lo, sumia como num
passe de mágica. Mais incrível ainda era sua habilidade para imitar com
absoluta perfeição os gestos e trejeitos de quem buscava surpreendê-lo. Feito
assombração, teimava em aparecer. Bastava um espelho ou algo que o valha, lá
estava ele. Mesmo nos lugares mais íntimos. Banheiro, quarto, trocador...
Parecia desconhecer todas as regras de etiqueta. Intrometido e, não menos,
evasivo. Como gato a escapar da água, o gordinho escapulia do olhar de todos,
salvo do desgraçado que tomara para companheiro inseparável. Verdadeiro encosto.
Tentara de tudo para dar um sumiço no gordinho do espelho. Receitas não
faltavam. Alguns sugeriam “plantar” galinha preta afogada em cachaça na
encruzilhada, outros indicavam benzedeira, sessão de descarrego ou rosa
imantada em água benta. Tinham até os que pareciam zombar de seu tormento,
preceituando – olhem só – coisas do tipo dieta à base de sopa, abdicar das
delícias açucaradas e caminhadas diárias. É verdade que algumas sugestões
surtiam resultado, mas por pouco tempo. Manter as luzes desligadas, retirar os
espelhos da casa, passar longe das vitrines das lojas... Era reacendê-las,
recolocá-los ou retomar os passeios ao shopping,
lá estava o gordinho, com aquelas bochechas rosadas e carinha arredondada. Apesar
de simpático, o sujeitinho era inoportuno e demasiadamente insistente. Já
cansado e quase desesperado com aquela companhia indesejável, apelara para
medidas extremas. Pedira à filha mais nova que permanecesse por perto e
vigiasse cada passo do pai. Fosse este ao banheiro, por exemplo, caberia à
pequerrucha denunciar a presença do gordinho atrás do coitado. Pura ilusão.
Apesar de todos os cuidados e estratégias, a imagem de quem o perseguia
continuava estampada no espelho. Não por acaso, urinava fora do vaso, pois
tinha que dividir sua atenção entre o sanitário e a presença do gordinho. Tomar
banho, então, virara uma tortura. Caísse o sabonete, ficaria jogado por lá,
junto a um canto do box. Há muito já não se barbeava, pois não queria aquela
presença indesejada a observá-lo feito predador diante de sua presa. Não
bastasse ultimamente andar respingado de mijo, com cabelo feito palha de milho
e barbudo, era ainda atormentado por uma insistente prisão de ventre. Pudera,
manter a concentração durante o simples ato de ir aos pés virara um esforço
hercúleo. Quando, finalmente, conseguia, desnecessário é descrever o cheiro
fétido a impregnar o ambiente. Espantava toda família para longe não apenas do
banheiro, mas da casa. Aliviado, com os intestinos desobstruídos, ia
cuidadosamente até o espelho na esperança de ter se livrado do gordinho. Que
nada, lá estava ele com aqueles olhinhos esbugalhados e a testa suada como se
tivesse recém saído de uma guerra. Não tinha mais prazer nem mesmo no quarto.
Tudo ia bem até que a mulher resolvera colocar um “senhor” espelho na cabeceira
da cama. O gordinho, então, aumentou exponencialmente de tamanho, enquanto a
libido do sujeito virou pó. Depois de muito resistir e ouvindo as súplicas dos
amigos e da família, resolvera procurar um psicólogo. Indicação de um colega de
serviço, o cartão trazia estampado em forma de marca d’água o símbolo da
profissão e sobre ele o endereço, número do registro e nome do sujeito. Ao
chegar no consultório, viu diante de si uma figura que mais parecia lutador de sumô a cumprimentá-lo de maneira muito
simpática. Sua mão desapareceu entre os dedos rechonchudos do anfitrião. Ao
lado do divã, como a chamá-lo, um grande espelho a refletir sua própria imagem
e a do enorme corpo do psicólogo. O gordinho, como num passe de mágica,
simplesmente desaparecera. Estava curado!
Ver também: http://institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=ee99980be653c1d8c4051dc24fb11ed3
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