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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O RETRATO DE DONADON


O RETRATO DE DONADON
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Quem leu O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, talvez se impressione diante da parecença com o cenário nacional. A obra do final do século XIX nos faz crer que o autor estivesse, quiçá, sob o lampejo de uma visão futurista acerca de um país continental localizado no Novo Mundo. A preocupação com a aparência, ao que tudo indica, deste lado do Atlântico, foi se consolidando ao longo do tempo. A República tupiniquim, irônica e coincidentemente fundada à mesma época da publicação do livro acima, recrudesceu a busca pelo “corpo” perfeito, mesmo que sua “alma” definhasse sob o manto da aparência. O caso Donadon é emblemático. A mesma Câmara que o absolveu em meados do ano passado, agora o cassou. Por quê? O que mudou de lá para cá? Nada, exceto os holofotes do voto aberto. Definitivamente, ratos convivem bem mesmo é com a escuridão. Nela se escondem, se confundem e, é duvidar, fazem se passar por anjos. Mais uma vez, o Parlamento se portou à brasileira, se é que me entendem... Bastou um pouco de “luz” sobre o Parlamento e pronto! A “consciência” dos excelentíssimos deputados mudou da água para o vinho, ou seria da lama para a glória? Qual é, afinal, o verdadeiro rosto de “nosso” (?) Parlamento? O da penumbra e da sombra ou aquele que, vez por outra, se ergue diante das luzes da mídia? O Legislativo, assim como os demais Poderes, há muito vem se rendendo ao jogo de cena. O discurso, apesar de agradável e politicamente correto, em pouco ou nada se aproxima da práxis. Esta segue arraigada aos mesmos interesses escusos de outrora. O tempo, por estas bandas, não foi capaz de transformar, de fato, as relações de poder. Togadas ou engravatadas, as elites têm feito do Estado brasileiro um fim em si mesmo, completa e flagrantemente distanciado dos reais interesses da maioria. A verborreia jurídica e os jargões típicos da oratória junto à tribuna, salvo aguçarem o sentimento de baixa autoestima da plebe, se mostram estéreis, em nada contribuindo para as necessárias transformações sociais. Ao que se vê, a intenção de quem dá as cartas do jogo, é que não haja torcida. Esta existindo, que outro jeito senão jogar para ela? Será coincidência a preocupação, por exemplo, com a violência justamente no ano em que o país sediará a Copa? Por que a corrida em busca de medidas coercitivas capazes de, supostamente, inibirem os movimentos e protestos de rua? Não é a violência uma companheira indesejada que há muito come à mesa da população mais pobre? Pode haver maior violência do que a omissão e inércia do Estado frente aos serviços públicos mais elementares, como saúde, educação, transporte e segurança? O mesmo Estado que apregoa respeito às normas, não as cumpre. O mesmo ente que defende o respeito aos patrimônios público e privado, fere a ética e extorque o contribuinte por meio de uma política tributária escorchante e insana. Afinal, no Brasil, o que é o Estado democrático de Direito senão mera ficção? Nem a democracia e nem, tampouco, o Direito neste país correspondem à realidade. Mascarados e simpatizantes do black bloc são um problema? Talvez, mas – por certo – não maior do que aquele associado aos que infestam, feito ratos, os corredores e gabinetes de inúmeras repartições públicas. Ao menos, os primeiros – ao contrário destes últimos – são mais autênticos. O estrago por eles provocado se dá às claras. Choca, pois que a olhos vistos. Já o estrago feito pelos “donos do poder” é infinitamente mais sutil, porém não menos cruel, afinal compromete o presente e põe em risco o futuro. Feito o Retrato de Dorian Gray, engambela pela aparência, mas a essência... 

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Não tinha me dado conta o quanto esta obra pode retratar a questão da corrupção política do nosso país. A comparação foi excelente!

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  3. Bondade tua... Infelizmente, a corrupção endêmica e tantos outras mazelas são farta matéria-prima para produção textual... Abraço. Gilvan.

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