O RETRATO DE DONADON
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Quem leu O
Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, talvez se impressione diante da
parecença com o cenário nacional. A obra do final do século XIX nos faz crer
que o autor estivesse, quiçá, sob o lampejo de uma visão futurista acerca de um
país continental localizado no Novo Mundo. A preocupação com a aparência, ao
que tudo indica, deste lado do Atlântico, foi se consolidando ao longo do
tempo. A República tupiniquim, irônica e coincidentemente fundada à mesma época
da publicação do livro acima, recrudesceu a busca pelo “corpo” perfeito, mesmo
que sua “alma” definhasse sob o manto da aparência. O caso Donadon é emblemático.
A mesma Câmara que o absolveu em meados do ano passado, agora o cassou. Por
quê? O que mudou de lá para cá? Nada, exceto os holofotes do voto aberto.
Definitivamente, ratos convivem bem mesmo é com a escuridão. Nela se escondem,
se confundem e, é duvidar, fazem se passar por anjos. Mais uma vez, o
Parlamento se portou à brasileira, se
é que me entendem... Bastou um pouco de “luz” sobre o Parlamento e pronto! A
“consciência” dos excelentíssimos deputados mudou da água para o vinho, ou seria
da lama para a glória? Qual é, afinal, o verdadeiro rosto de “nosso” (?) Parlamento?
O da penumbra e da sombra ou aquele que, vez por outra, se ergue diante das
luzes da mídia? O Legislativo, assim como os demais Poderes, há muito vem se
rendendo ao jogo de cena. O discurso, apesar de agradável e politicamente
correto, em pouco ou nada se aproxima da práxis.
Esta segue arraigada aos mesmos interesses escusos de outrora. O tempo, por
estas bandas, não foi capaz de transformar, de fato, as relações de poder.
Togadas ou engravatadas, as elites têm feito do Estado brasileiro um fim em si
mesmo, completa e flagrantemente distanciado dos reais interesses da maioria. A
verborreia jurídica e os jargões típicos da oratória junto à tribuna, salvo
aguçarem o sentimento de baixa autoestima da plebe, se mostram estéreis, em
nada contribuindo para as necessárias transformações sociais. Ao que se vê, a
intenção de quem dá as cartas do jogo, é que não haja torcida. Esta existindo,
que outro jeito senão jogar para ela? Será coincidência a preocupação, por
exemplo, com a violência justamente no ano em que o país sediará a Copa? Por
que a corrida em busca de medidas coercitivas capazes de, supostamente, inibirem
os movimentos e protestos de rua? Não é a violência uma companheira indesejada
que há muito come à mesa da população mais pobre? Pode haver maior violência do
que a omissão e inércia do Estado frente aos serviços públicos mais
elementares, como saúde, educação, transporte e segurança? O mesmo Estado que
apregoa respeito às normas, não as cumpre. O mesmo ente que defende o respeito
aos patrimônios público e privado, fere a ética e extorque o contribuinte por
meio de uma política tributária escorchante e insana. Afinal, no Brasil, o que
é o Estado democrático de Direito senão mera ficção? Nem a democracia e nem,
tampouco, o Direito neste país correspondem à realidade. Mascarados e
simpatizantes do black bloc são um
problema? Talvez, mas – por certo – não maior do que aquele associado aos que
infestam, feito ratos, os corredores e gabinetes de inúmeras repartições
públicas. Ao menos, os primeiros – ao contrário destes últimos – são mais
autênticos. O estrago por eles provocado se dá às claras. Choca, pois que a
olhos vistos. Já o estrago feito pelos “donos do poder” é infinitamente mais
sutil, porém não menos cruel, afinal compromete o presente e põe em risco o
futuro. Feito o Retrato de Dorian Gray,
engambela pela aparência, mas a essência...
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão tinha me dado conta o quanto esta obra pode retratar a questão da corrupção política do nosso país. A comparação foi excelente!
ResponderExcluirBondade tua... Infelizmente, a corrupção endêmica e tantos outras mazelas são farta matéria-prima para produção textual... Abraço. Gilvan.
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