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domingo, 25 de setembro de 2011

O galinheiro

O GALINHEIRO
Prof. Gilvan


            Ainda esses dias, na Sala dos Professores, conversava com minha colega, esta da área de Português. Mostrou-me um conhecido texto de Leonardo Boff. Este conta que, certa feita um camponês foi à floresta apanhar um pássaro, com o objetivo de mantê-lo em cativeiro. Pegou um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro. Comia milho e ração própria para galinhas, embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Passados cinco anos, o camponês recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Este, ao ver a águia disse não ser o pássaro uma galinha. O camponês concordou, porém afirmou que a águia como que se transformara numa galinha, pois fora criada como tal. O naturalista, não satisfeito, discordou, alegando que ela seria sempre uma águia. Decidiram fazer uma prova. O naturalista segurou o animal, ergueu-o bem alto e desafiou: “Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!”. Nada, nem sombra de vôo. Ao avistar suas “companheiras” lá embaixo, pulou para junto delas. O camponês, sentindo-se vitorioso, tentou dissuadir o naturalista de sua idéia de resgatar a essência da águia. Contudo, o visitante não desistiu do intento. Voltou a lançar o desafio para o dia seguinte. Sem sucesso, apesar de ter levado a águia até o alto da casa. O bicho, ao avistar as galinhas lá embaixo a ciscarem o chão, pulou para junto delas. Não se contendo, o camponês era só sorriso. O naturalista, todavia, não desistiu. No dia seguinte, ambos levantaram cedo. Levaram a águia para bem longe, no alto de uma montanha, fora do alcance dos homens e das galinhas. O desafiante ergueu a águia para o alto e ordenou que voasse. “A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte. Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento”[1]. Que texto, heim? Quantas “leituras” e interpretações podem brotar da singular narrativa do autor. Vive-se num grande galinheiro. Muitas são as águias que são criadas como se galinhas fossem. Comem como galinha, dormem como galinha, vivem como galinha. Disso surge o que parece inevitável. Sentem-se como galinha. Passam da condição de ágeis caçadores à de frágeis presas à espera do abate. Confortam-se com o ambiente às vezes enganador do galinheiro. Puleiro confortável, ponhadeira acolchoada, milho impecavelmente amarelado pelo poder dos corantes. Um sonho para qualquer galinha, não para uma águia. Sonho caro, apesar de – às vezes – facilmente adquirido através de “suaves” prestações junto às prateleiras dos shoppings e hipermercados. O aparente conforto mostra-se, contudo, fugaz. Insuficiente para aplacar o nobre sentimento que mais parece uma fagulha a arder, vez por outra, no peito da águia que acredita ser galinha. Quem somos? Nós educadores, somos às vezes águia no galinheiro. Imbecilizados pelo engodo que representa o marketing da produção de ovos. Valemos pelo que produzimos. Pela quantidade de ovos que possuímos. É a “lei das galinhas”. Como, no fundo, somos águia, não produzimos como as galinhas. O que seria motivo para despertar o espírito revolucionário e subversivo, engendrador de mudanças, vira tristeza e decepção. O que seria palco de fantásticos feitos transforma-se no divã onde toma lugar a depressão e as doenças laborais que levam à aposentadoria precoce, senão a do corpo, a da alma. Quisera fôssemos, nós educadores, o naturalista. Determinado, convicto de que por detrás da aparente galinha, esconde-se na verdade uma águia. Para tanto, necessário é que se tenha uma boa dose de paciência, persistência e acima de tudo fé no poder transformador de nossa ação educativa. Sejamos “pescadores de homens”. Incitemos nossos alunos a alçarem vôo. Lutemos para que as amarras e ferrolhos sejam arrebentadas, de modo que as águias aprisionadas rompam com a condição servil típica das galinhas.




[1] BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

Leia mais: 

http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/home.jsp?localizador=Zero%20Hora/Zero%20Hora/Palavra+do+Leitor/71870&secao=visualizar

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