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domingo, 25 de setembro de 2011

Indisciplina: os limites da ação escolar

Indisciplina: os limites da ação escolar


Cada vez mais comum tem sido as reclamações advindas dos profissionais da educação – especialmente professores, pois que são os que lidam mais diretamente com o aluno – quanto à indisciplina, seja dentro da sala de aula ou fora dela (pátio e arredores da escola, por exemplo). Problema por demais complexo, diga-se de passagem. As causas são muitas. Existem os que atribuem à família a maior parcela de culpa (“a educação começa em casa!”). Outros, porém, culpam a escola (sonham com uma escola disciplinadora, capaz de “dar” o limite ao educando). Há, ainda, os que jogam a responsabilidade sobre o arcabouço legal (frouxo!), especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vendo-o como permissivo e ineficaz. Existem, ainda, os que vêem as crianças e adolescentes como os principais, talvez únicos, responsáveis pela indisciplina escolar. Por fim, não poderíamos deixar de lado os que apregoam de forma altiva e aparentemente prudente a responsabilidade conjunta de todos os “atores” acima listados. Não é intenção aqui filiar-se a esta ou aquela linha de pensamento. Até porque, vale dizer, deseja-se vislumbrar alternativas para o problema, sim, alternativas que sejam práticas e que venham ao encontro das necessidades de uma “rotina” escolar. Teorizar não basta. Pusesse um que outro teórico, quiçá não resistiria a um (apenas e tão somente um!) dia num grupo de alunos indisciplinados. Inexistem fórmulas mágicas ou receitas. O enfrentamento ao problema passa, sobretudo, pela discussão, pelo diálogo, onde são indispensáveis grande dose de humildade e disposição para a “troca”.

A escola precisa, primeiro, fortalecer os vínculos existentes entre, principalmente, os corpos docente e discente, entre professores e alunos. Melhor ainda seria se a escola conseguisse fortalecer os vínculos entre os professores e seus pares, entre os alunos e seus pares, entre pais e seus pares, entre professores e pais, pais e alunos (filhos), enfim, fosse capaz de instigar e robustecer as relações pessoais entre todos os que, mesmo que indiretamente, orbitam no universo escolar. Contudo, como já dito, deve-se privilegiar a relação entre professores e educandos, pois que é desta relação que brota, mais comumente, a indisciplina escolar. Além do vínculo, mister é que tenha na escola um regramento disciplinar o mais claro e justo possível. Claro porque não deve haver ou pairar qualquer espécie de dúvida sobre ele. As regras devem ser universais (para todos) e impessoais. Justas porque devem as regras atender a objetivos e propósitos bem definidos, não simplesmente a regra pela regra. A comunidade escolar deve saber o porquê deste ou daquele regramento. Frente à violação da regra, obrigatoriamente, deve haver uma sanção, mesmo que tácita. A “pena” (medida sócio-educativa) deve estar de acordo com a gravidade da falta. O ideal é que tanto as regras quanto as sanções para violação das mesmas sejam trabalhadas e socializadas no coletivo (Justiça Restaurativa). Não apenas o aluno, mas seu responsável deve ser comunicado, mesmo que através de uma simples anotação na agenda (caderno), anotação esta a ser assinada pelo responsável.

Há anos venho trabalhando no atendimento aos alunos tidos como indisciplinados. Trata-se de uma escola privada situada na Zona Norte da capital gaúcha. Sinto-me à vontade para tratar do assunto, pois que além de coordenar o Setor de Disciplina da referida instituição, sempre estive, também, à frente de turmas, especialmente do Ensino Médio. Portanto, falo não apenas como alguém que tem o olhar de “fora” da sala mas, também, como aquele que vivencia a prática docente e se depara com todos (a maioria) os problemas e desafios típicos do educador. Acredito que todos os professores deveriam experienciar não apenas a sala de aula mas, também, os afazeres ditos mais “administrativo-pedagógicos” como, por exemplo, uma Direção, Supervisão, Coordenação, entre outros. Ora, tal experiência permite que se tenha a oportunidade de olhar a escola de outro(s) ângulo(s). Permite que se perceba os transtornos causados pela falta de um professor, pelo manejo inadequado de um colega educador, pela conduta repreensível de quem, como nós, está à frente do fazer pedagógico. Por outro lado, salutar seria que todo “administrador” de escola tivesse a oportunidade de, durante algum tempo, “respirar” o ambiente da sala de aula, ambiente este, por certo, muitas vezes completamente distinto daquele existente entre as quatro paredes de uma sala de Direção, Supervisão ou Coordenação, por exemplo. Acredito que conhecendo os dois “mundos” (técnico-administrativo e docente), muitas das conhecidas e repetidas lamúrias de ambos os “lados” se esvairiam. Cairia por terra o discurso fácil e irresponsável de que o professor é o “culpado” pelos problemas na escola. Da mesma forma, não resistiria o discurso que acoberta a (ir)responsabilidade do educador, jogando toda carga de culpa sobre os profissionais que, apesar de não estarem em sala de aula, participam de forma significativa no processo ensino-aprendizagem.

A indisciplina escolar reflete, não raras vezes, a própria desorganização e incoerência do educador. Como cobrar do aluno atenção e concentração quando, por exemplo, se presencia a “zorra” de uma reunião pedagógica? Não raro é ver o mesmo professor que de forma deselegante, descomprometida e desrespeitosa tagarela com o(s) colega(s) durante a palestra, cobrar do aluno atenção à “sua” aula. Ou, quiçá, a professora enfiada em trajes pouco recomendáveis, criticar a aluna que se mostra vulgar. Ou, ainda, o professor que fuma ou ingere bebida alcoólica e lança suspeita sobre o aluno que aparenta ser consumidor de drogas. Enfim, muitos seriam os exemplos que poderiam ilustrar esta fala. Enquanto Coordenador de Disciplina, muitas foram às vezes em que testemunhei professores (colegas) terem uma prática diametralmente oposta ao discurso. Esquecem que o educando percebe tais paradoxos. Jamais deveríamos subestimar a inteligência de nossos discípulos. Ensina-se, sobretudo, pelo exemplo.

A indisciplina na escola é produto, também, da estrutura organizacional da instituição de ensino. A escola precisa – como já dito acima – ter sua prática assentada numa Proposta Político-Pedagógica capaz de refletir a realidade da comunidade escolar com que lida. Uma Proposta que seja, de fato, construída, onde haja a efetiva participação do maior número de pessoas, estas representando todos os segmentos da escola: pais, alunos, professores, funcionários, etc. Uma Proposta que deixe claro a opção (linha) pedagógica da instituição. Onde fiquem claros os papéis e responsabilidades (muitas delas “compartilhadas”) dos “atores” deste grandioso, fabuloso e instigante palco que é a escola. Uma Proposta que seja factível, pois que do contrário – por mais belo que seja seu texto – se mostrará inócua e estéril. Uma Proposta que abrigue um Regimento que resguarde a salutar e bem-vinda autoridade do educador sobre o educando. Os profissionais da educação – especialmente aqueles que lidam diretamente com o aluno – precisam ter a segurança e apoio necessários ao desenvolvimento de suas atividades. O aluno deve saber disso, da mesma forma que seus responsáveis. A indisciplina graça onde são olvidados os passos acima.

Outro importante fator que contribui na indisciplina escolar é a “ausência” dos pais (ou responsáveis) em relação aos seus mancebos. Ausência não necessariamente física, mas também (e, às vezes, sobretudo) enquanto verdadeiros cuidadores, tutores e disciplinadores dessas crianças e adolescentes. Muitos são os motivos alegados para o não exercício de uma paternidade/maternidade responsável e, de fato, comprometida. A necessidade de labutar em busca do pão de cada dia, a idade (“é fase... passa”), a tentativa de compensar a ausência física através de “presentes” e “dádivas”, entre outros. A família deve assumir seu papel e deixar de eximir-se de uma obrigação que é não apenas legal mas, principalmente, moral. Deve ela saber que ao matricular o aluno na escola, está anuindo à proposta daquela instituição de ensino ou de sua mantenedora. Não só pode como, em determinadas situações, deve contestar a prática escolar, afinal faz parte do “jogo” democrático. Contudo, inexistindo ato lesivo ao direito do aluno e de sua família (direito este previsto no ordenamento jurídico e no contrato de prestação de serviços, no caso das instituições privadas), cabe à família apoiar e agir em parceria com a escola, pois que ao final das contas ambas buscam (ou deveriam buscar) o mesmo propósito, qual seja, a formação intelectual e humana do educando. Condescender (mesmo que de maneira sutil) com a indisciplina do aluno, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-á ela própria (a família) vítima da postura irresponsável e danosa do aluno.

Finalmente, outro fator que contribui na indisciplina escolar é a postura do próprio aluno. Este precisa de limites que devem ser dados, primeiramente, pela família. Cabe à escola também dá-los. Falhando tais instâncias, infelizmente, não resta outro caminho que não o limite dado pelas instituições ditas “fechadas” (em alusão a Foucault), normalmente mantidas pelo Estado, situação esta pouco desejada, pois que se depara aqui com a flagrante delinqüência juvenil e todos os seus traumas e conseqüências. Quando necessário, deve-se lidar com a mais absoluta firmeza em relação à indisciplina escolar. A conduta precisa ser recriminada e, se for o caso, seguida da respectiva medida sócio-educativa. Aqui, não tem sido incomum a escola deparar-se com a resistência da família. Esta, muitas vezes, usa de “pressão” para evitar ou reverter a punição vinda da escola. As ameaças são de ordem tácita ou explícita. Seja por desinformação ou falta de convicção na condução de seu próprio trabalho, a escola acaba por vezes titubeando frente às investidas da família. O ideal é que a instituição escolar conte com uma estrutura jurídica pronta a municiar e orientar a escola em direção a uma diminuição do risco diante de eventuais demandas judiciais nascidas do embate entre a família e a instituição de ensino. Reforça-se aqui, novamente, a necessidade da escola “marcar posição”, desde que tenha agido de acordo com princípios legais, éticos e pedagógicos aceitáveis. Ao educando deve restar claro o princípio da autoridade (não autoritarismo) e a necessidade de se preservar os princípios atinentes à convivência humana. O interesse (mesquinho e egoísta) individual não pode preponderar sobre o interesse coletivo (da escola, dos colegas e de suas famílias) em se tratando de indisciplina escolar. Adolescência, por exemplo, jamais deve ser confundida com delinqüência, do contrário estaremos formando homens e mulheres doentes e perversos, com sérios prejuízos para toda coletividade.

Conclui-se, portanto, que a indisciplina na escola é tão presente quanto preocupante. É ela semente e fruto de uma (des)organização social que tem alijado importantes valores outrora tidos como sagrados (nem por isso, necessariamente, respeitados). As causas são muitas. As conseqüências, não em menor número. Defende-se aqui não uma falsa e perigosa “vitimologia” que hora torna este, hora toma aquele “ator” como ovelha indefesa. Busca-se, isto sim, primeiro uma reflexão acerca do problema, reflexão esta que deve motivar a construção coletiva de alternativas capazes de melhorar significativamente o ambiente escolar. Todos ganham.

*Formado em História pela PUCRS e Direito (Unisinos), com Pós-Graduação em Ensino Religioso (CESUCA). Professor do Instituto de Educação São Francisco, em Porto Alegre e Coordenador de Disciplina.
Gilvan Andrade Teixeira*


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