FICA A DICA!
Prof. Gilvan Teixeira
e-mail: profpreto@gmail.com
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br
Vem crescendo o número de demandas, junto às escolas, de uso do
chamado “nome social” por aqueles que não se identificam
com o sexo biológico. Não são poucos os casos de instituições de
ensino que impedem ou tentam impedir a inscrição do nome social nos
registros oficiais, como boletins e cadernos de chamada. Tal postura
nasce, por vezes, do preconceito – ainda que velado – em relação
às escolhas e opções alheias. Porém, é muito comum que a
resistência seja fruto da desinformação quanto à legislação
existente, somada ao temor e insegurança de cometer equívocos que
possam gerar dúvidas e/ou confusão documental quanto à vida
escolar do educando. Apesar de compreensível esta última
“justificativa”, ela precisa ser superada. A comunidade LGBTI não
pode e nem deve seguir sendo penalizada por eventuais controvérsias
ou insegurança jurídica. Ainda que imperfeita, a legislação
atinente aos direitos desses cidadãos e cidadãs avançou muito.
Exemplo disso é a Resolução nº 1/2018 do Conselho Nacional de
Educação (CNE/CP), que “define o uso do nome social de travestis
e transexuais nos registros escolares”. Reza o documento1:
Art. 1º Na elaboração e implementação de suas propostas
curriculares e projetos pedagógicos, os sistemas de ensino e as
escolas de educação básica brasileiras devem
assegurar diretrizes e práticas com o objetivo de combater quaisquer
formas de discriminação em função de orientação sexual e
identidade de gênero de estudantes, professores,
gestores, funcionários e respectivos familiares.
Art. 2º Fica instituída, por meio da presente Resolução, a
possibilidade de uso do nome social de travestis e
transexuais nos registros escolares da educação básica.
Art. 3º Alunos maiores de
18 (dezoito) anos podem solicitar o uso do nome
social durante a
matrícula ou a qualquer momento sem a necessidade
de mediação.
Art. 4º Alunos menores de 18 (dezoito) anos
podem solicitar o uso do nome social durante a
matrícula ou a qualquer momento, por meio de seus
representantes legais, em conformidade com o disposto no
artigo 1.690 do Código Civil e no Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Como já dito, eventuais
controvérsias – como a trazida pelo Art. 4º do diploma supra2
– não devem obstaculizar a garantia ao acesso e permanência nos
bancos escolares daqueles que fazem ou queiram fazer uso do nome
social. O município de Cachoeirinha (RS), nesse mesmo diapasão, por
meio do respectivo Conselho de Educação, ao que tudo indica foi
pioneiro no que tange à garantia e respeito aos direitos da
comunidade LGBTI. O Parecer CME 05/2011, em sua Conclusão, traz:
O Conselho Municipal de Educação orienta que as
instituições que compõem o Sistema Municipal de Ensino
de Cachoeirinha concedam aos travestis e transexuais,
maiores de 18 (dezoito) anos, o direito de se manifestarem por
escrito, no ato da matrícula ou ao longo do ano letivo, seu
interesse pela inclusão do nome social nos documentos internos da
escola, excetuando-se o Histórico Escolar e as Atas
Finais.
No caso de crianças e adolescentes a inclusão do nome
social deve ocorrer mediante requerimento assinado pelos pais e/ou
responsáveis legais.
Ao que tudo indica, a
questão do nome social nos documentos e registros da escola está
pacificada, restando pouca ou nenhuma dúvida no campo jurídico3.
Por outro lado, existe ainda um Saara a ser percorrido quanto ao
pleno exercício da cidadania da comunidade LGBTI junto às
instituições de ensino país afora. Exemplo disso é o acesso aos
banheiros e vestiários. O assunto provoca, por hora, grande celeuma.
O próprio Judiciário tem titubeado frente a questão. Tramita no
STF, há alguns anos, um processo envolvendo uma transexual que, ao
fazer uso do banheiro feminino, foi agredida física e
psicologicamente. Alguns ministros foram categóricos ao defenderem o
direito da transexual:
Relator
do caso, Luís
Roberto Barroso
afirmou que dignidade
é um valor “intrínseco” a toda e qualquer pessoa, sendo dever
do Estado garantir sua efetividade conforme as escolhas de cada um.
“Nenhuma
pessoa é um meio, todas
as pessoas são um fim em si mesmas, ninguém neste mundo é um meio
para satisfação de metas coletivas ou para satisfação das
convicções ou dos interesses dos outros”,
disse o ministro, parafraseando o filósofo alemão Immanuel Kant
(1724-1804).
Ao
analisar o caso concreto, ponderou que o
“suposto constrangimento” causado às demais mulheres num
banheiro feminino pela presença de uma transexual “não é
comparável ao mal estar” suportado por ela se tivesse que usar o
banheiro masculino4.
Outros
ministros, por sua vez, opinaram em sentido diverso:
Presidente
da Corte, o ministro Ricardo
Lewandowski,
sem manifestar sua posição, também se
disse “preocupado” com a decisão.
“Eu
fiquei um pouco preocupado
também com
a proteção da intimidade e da privacidade de mulheres e crianças
do sexo feminino
que
estão numa situação de extrema vulnerabilidade tanto do ponto de
vista quanto psicológico quando estão no banheiro”,
afirmou.
Tamanha
divergência não surpreende, pois reflete – ao menos em parte –
os posicionamentos e pontos de vista da própria sociedade. O tema,
por demais complexo, precisa ser discutido num ambiente de diálogo,
respeito e sensatez. A Resolução 12/2015 do Conselho Nacional de
Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais5,
por sua vez, parece não ter dúvidas quanto ao assunto:
Art.
6º - Deve
ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços
segregados por gênero,
quando houver, de
acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.
O
referido documento vai além:
Art.
7º - Caso haja distinções quanto ao uso
de uniformes
e demais elementos de indumentária, deve
ser facultado o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero
de cada sujeito.
A
discussão vai longe, como se vê, pois que em jogo questões
jurídicas, éticas, morais, religiosas, etc.. A única certeza é de
que vivemos uma nova era, onde – cada vez mais – os direitos das
chamadas minorias são discutidos e reconhecidos, tempo em que as
diferenças precisam ser vistas como pontes facilitadoras do diálogo
e promoção da dignidade da pessoa humana.
1Todos
os grifos são meus.
2A
Resolução nº 12/2015, do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, traz:
Art.
8º A garantia
do reconhecimento da identidade de gênero deve
ser estendida também a estudantes adolescentes, sem que seja
obrigatória autorização do responsável.
3Obviamente,
no campo das relações pessoais e de poder, ainda existe um longo
caminho a ser percorrido contra o preconceito e resistência frente
aos direitos da comunidade LGBTI.
5Ligado
à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
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