ALUNO REPETENTE PODE
REPROVAR EM DISCIPLINA QUE APROVOU NO ANO ANTERIOR?
Prof. Gilvan Andrade Teixeira
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A
legislação, ao que tudo indica, não traz – de maneira explícita
– uma resposta à pergunta acima. Portanto, faz-se necessário uma
construção que, na medida do possível, contribua para dar um norte
aos alunos, pais, educadores, escolas, mantenedoras que, muito
comumente, ao término de cada ano letivo, quando das derradeiras
decisões dos Conselhos de Classe, trazem o assunto à pauta. A Lei
nº 9.394/96, tida como a “Bíblia” da educação nacional,
aponta para a “progressão” do educando, de modo a que ele
alcance patamares cada vez mais elevados no processo
ensino-aprendizagem. Veja-se um exemplo disso:
Art.
22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir1
no trabalho e em
estudos posteriores.
O Art. 24 do mesmo diploma é,
ainda, mais claro:
Art.
24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será
organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
[...]
II
- a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do
ensino fundamental, pode ser feita:
a)
por promoção,
para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase
anterior, na própria escola;
[...]
c)
independentemente
de escolarização anterior, mediante avaliação
feita pela escola, que
defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato
e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme
regulamentação do respectivo sistema de ensino;
III
- nos estabelecimentos que adotam a
progressão regular por série,
o regimento escolar pode admitir formas de progressão
parcial,
desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas
do respectivo sistema de ensino;
[...]
a)
avaliação
contínua
e cumulativa do
desempenho do aluno, com prevalência
dos aspectos qualitativos
sobre os quantitativos e
dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas
finais;
e)
obrigatoriedade
de estudos de recuperação,
de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo
rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de
ensino em seus regimentos;
Percebe-se,
claramente, a intenção do legislador em, primeiro, sempre apontar
em direção à progressão, ao avanço e, segundo, proteger o
educando enquanto sujeito de direitos, deixando clara a situação,
digamos assim…, de “hipossuficiência” do aluno na relação
que trava dentro das instituições de ensino, sejam elas públicas
ou não. O mesmo “espírito legislativo” é facilmente verificado
na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente,
por exemplo. Depreende-se disso a certeza de que eventual
“reprovação” deva ser vista como exceção à regra.
O
que dizer, então, da reprovação de aluno já reprovado no ano
imediatamente anterior?
Daí
ter se criado uma espécie de “tradição” junto às escolas, a
saber, de não reprovar aluno repetente em componentes curriculares
que tenha já sido aprovado no ano anterior. O argumento normalmente
utilizado é de que a legislação não permite, argumento este vago
e nem sempre convincente. Qual é a legislação que, de forma clara,
ampara essa “tradição”? Inexiste, salvo de forma tácita. O que
temos são construções teórico-pedagógicas que buscam dar
sustentação à ideia. Diz, por exemplo, o relator da Resolução
CEE/SC nº 040/2016, Pedro Ludgero Averbeck2:
“Estudos
concluídos com êxito não se repetem, assim como frequência
cumprida”.
No mesmo diapasão, o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande
do Sul, em seu Parecer nº 545/2015 já trazia3:
Nesta
perspectiva, um
aluno que realizou seus estudos ao longo de um ano letivo e obteve
aprovação em determinada disciplina, teve comprovada a sua
aprendizagem
e
o seu desenvolvimento.
Aprendizagem
e desenvolvimento
promovem transformações que ressignificam o sujeito e não
podem ser anuladas.
Ainda:
A
progressão parcial, portanto, evita que alunos
reprovados em componente(s) curricular(es) venham a repetir o ano e
correr o risco de reprovação
em componente curricular já concluído com êxito
anteriormente
no referido ano, o
que no contexto da atual legislação
e Diretrizes Curriculares Nacionais poderia
ser considerado
uma ‘aberração pedagógica’.
O mesmo
Colegiado, no referido Parecer, lembrava:
Da mesma
forma, no
caso de aluno reprovado em escola cujo Regimento não prevê a
progressão parcial, ao ser transferido para estabelecimento que
prevê tal possibilidade deverá ser matriculado no ano subsequente,
devendo realizar os estudos de complementação curricular nos
componentes em que não obteve aprovação na escola de origem.
Percebe-se,
claramente, sempre uma interpretação
“mais benéfica” ao educando,
vindo ao encontro, como já dito, do “espírito” da LDB.
Portanto, a
“tradição” de não
reprovar aluno repetente em componentes curriculares que tenha já
sido aprovado no ano anterior soa como razoável e bem-vinda, sendo
facilmente justificada sob o ponto de vista jurídico e pedagógico.
O não alinhamento à prática sim cria enormes dificuldades para as
instituições de ensino. Estas – frente a eventual demanda
judicial ou mesmo provocação da mantenedora e de outros órgãos
fiscalizadores – deverão estar muito bem respaldadas em documentos
que, de alguma forma, possam “legitimar” a decisão. Daí a
importância de fartos, claros e criteriosos registros acerca da vida
escolar do aluno, de forma a provar que todas as medidas possíveis
(previstas na legislação e nos documentos norteadores da escola,
como a PPP e o Regimento) foram adotadas para buscar a progressão do
educando. Ainda assim, sem garantia de sucesso…
Sabe-se
que, na prática, muito comumente, a situação é complexa. Como
fazer com aquele aluno que, por exemplo, em 2017 reprovou apenas em
Matemática, mas em 2018 aprovou no referido componente curricular,
porém reprovou nos que já havia sido aprovado no ano anterior? Como
já sustentado ao longo desta breve análise, em princípio
defende-se o direito desse educando em não ser retido. Nascem, daí,
alguns questionamentos: por que a escola não garantiu a “progressão
parcial” ao educando, quando da reprovação em 2017? Pode o aluno
ser prejudicado em seu direito pelo não oferecimento da referida
“progressão”? Percebe-se que a discussão sobre a possibilidade
de reprovação de aluno repetente é “secundária”, pois deve
ser precedida de outro debate, sob o risco de não o fazendo,
estarmos colocando a carreta na frente dos bois. Soa como pouco
inteligente e nada pedagógico atentarmos para as consequências
(reprovação de aluno repetente) antes de nos debruçarmos sobre as
causas (por que o aluno precisou “repetir” componentes
curriculares que havia sido aprovado?). Alegar que tal “aberração
pedagógica” é fruto da organização escolar (matrícula por Ano
e não por componente curricular, por exemplo) e/ou da incapacidade
da escola oferecer a “progressão parcial” acaba, na prática,
por penalizar aquele que menos deve ser penalizado: o aluno.
Por
outro lado, a vedação à reprovação de aluno repetente em
componentes curriculares que já tenha sido aprovado em ano anterior
não pode e não deve servir de estímulo ao desleixo de nossas
crianças e jovens. O compromisso com a aprendizagem deve ser a
espinha dorsal de qualquer sistema educacional. A preocupação
com a qualidade do ensino ofertado e com a efetiva aprendizagem deve
prevalecer sobre todos os demais temas atinentes à educação.
Assim, “aprovação”, “reprovação”, “metodologia”,
“avaliação”, etc., nem de perto devem representar o centro do
debate, mas tão somente são temas periféricos, destituídos de
sentido se não alicerçados no propósito primeiro do processo
ensino-aprendizagem.
1Todos
os grifos são meus.
2Estabelece
normas complementares e orientativas à Resolução CEE/SC nº
183/2013, relacionadas à adoção da progressão parcial e
continuada, aproveitamento de estudos concluídos com êxito, regime
de exceção de dispensa temporária da frequência, complementação
da infrequência e estudos de alunos itinerantes para o Sistema
Estadual de Ensino
3Trata
das Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica:
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio no Sistema
Estadual de Ensino.
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