AS MURALHAS DE JERICÓ
Gilvan Teixeira
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Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram
as trombetas. Tendo ouvido o povo o sonido da trombeta e levantado grande
grito, ruíram as muralhas, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si,
e a tomaram. (Josué 6; 20).
Jericó fica aqui.
Encravada no meio de Cachoeirinha, bem que poderia estar em Brasília, São Luís,
Recife, Porto Alegre... Marcada pelo pecado, há muito a Câmara da cidade busca
esconder suas vergonhas por detrás das muralhas, como se estas fossem capazes
de escamotear o fétido cheiro exalado por tamanha imundície. Corre solta, ali,
a pior espécie de prostituição, aquela onde são vendidas consciências,
negociadas em nome de uma pretensa governabilidade. Como moeda de troca, alguns
cargos em comissão, alimentando um ignóbil círculo vicioso, onde quem mais
perde é o cidadão comum. Jericó é um lugar contaminado, vingando nela a falsidade
e o narcisismo doentio. Apesar de muito feios, os que nela habitam, pavoneiam-se,
buscando amainar a imagem bizarra por meio de trajes, penteados e perfumes que
vão do caro ao cafona, do exagerado ao ridículo. Jericó custa caro, muito caro,
ao contribuinte. Enquanto este convive com a violência, o desemprego, o ônibus
lotado, a precariedade do ensino e a falência da saúde, Jericó esbanja
suntuosidade. Bela arquitetura, veículos caros, ambiente climatizado, papel
higiênico de invejável textura... Parece outro mundo. Jura ser o centro do
universo, a Casa do Povo. Não surpreende, pois que risível e pífia a
inteligência de sua gente. Quiçá, por isso, tamanha indiferença com o destino
da educação para além de suas muralhas. Sim, outro mundo, aquele de um passado marcado
pelo coronelismo e troca de favores. Apesar de ínfima no tamanho, os arredores
de Jericó servem de latifúndio aos que tomaram assento (ou será de “assalto”?)
no lugar. Elegem-se e reelegem-se com a dor e sofrimento alheios. Para os
habitantes de Jericó, o fracasso dos serviços públicos, feito cabeleira de
Sansão, representa força. Faltou remédio? Adivinha, lá está o coronel para
consegui-lo. Faltou a lâmpada na rua, sobrou entulho na frente de casa,
precisou de vaga na creche? O coronel, como que num passe de mágica, logo
aparece. Feito vampiros, alimentam-se do sangue da gente desgraçada e pobre. Inebriados
por um misto de gratidão e profunda ignorância, o eleitor faz de Jericó um
lugar de privilégios eternos, onde viceja o nepotismo e a relação promíscua
entre interesses público e privado. Pode sair algo bom de Jericó? Como
quadrilha, os demais Poderes comungam à mesa de Jericó, restando ao povo não
mais do que míseras migalhas. Comum é o viajante confundi-la com Babel, tamanha
é a confusão de siglas a formarem o triste mosaico. Não passam de letrinhas
mortas, destituídas de sentido e carentes de ideologia. Outros, a confundem com
Sodoma, tal a impureza de Jericó. A leitura da Bíblia, junto a seus portões, há
de livrá-la da ira divina? Servirá de carranca contra a fúria do povo? Certo é
que hoje tem soado como deboche aos que, naquele lugar, ainda buscam algum
socorro. A fé em Jericó é protocolar, não mais do que mero e insuportável formalismo.
Ouve-se, a todo instante, feito mantra, os nomes de seus senhores. “Presente,
presente, presente...”. Pudera, é um dos raros momentos em que parecem existir.
Buscam, talvez, dar significado à própria insignificância. Jericó parece
enferma, combalida, moribunda. Suas muralhas parecem ruir. Ouvem-se as trombetas
anunciando novos tempos. Jericó chegou ao fim (!?)
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