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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

RIOS E RITOS


RIOS E RITOS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com




                Ritos se parecem com rios. Assim como estes trazem consigo as águas que nascem em meio às montanhas, os ritos carregam uma incontável gama de sentimentos, emoções e crenças. Rios e ritos não apenas dão sentido à vida, como a sustentam. Ritos, assim como rios, os temos dos mais diversos tipos. Alguns, mais longos, outros, nem tanto. Alguns mais pedregosos, profundos e densos do que outros. Todos, contudo, indispensáveis à “hidrografia” da vida. A fé está para o rito, assim como as águas para o rio. Indissociáveis. O rito sem “coração” soa como margens sem água. Sem esta, não há que se falar em rio. Não passa de terra seca, sem vida aparente. O rito, da mesma forma, não pode prescindir das motivações que o embalam. Assim como o rio serpenteia o vale, acrescentando-lhe beleza e vida, o rito traduz histórias pretéritas, sentimentos presentes e crenças no porvir. Sobre o rio curva-se o corpo na busca da água pura que sacia a sede, enquanto sob o manto do rito busca-se o acalento da alma. Rios e ritos trazem consigo o poder da cura, depende, muitas vezes, do quanto se crê. Assim como a água alimenta o corpo, o rito alimenta o espírito. Rios existem que deles só se ouve o rolar constante da seiva. Outros, contudo, parecem festa de aniversário, tamanha é a variedade de sons a se confundirem. Ritos da mesma forma. Há entre estes, os que exigem silêncio quase que profundo, enquanto outros convidam à troca de palavras e até mesmo abraços. Sisudos ou não, os ritos têm em comum o sagrado, assim como o Ganges no imaginário daqueles que nele se banham. Rios e ritos requerem respeito. Reconhecê-los e preservá-los significa reconhecer e preservar a própria vida. Desmerecê-los, ao contrário, é um triste convite à morte física e espiritual. Rios e ritos gritam por socorro. Lutam teimosa e desesperadamente para não sucumbirem frente à indiferença e apostasia humanas. Apesar de toda grandeza construída ao longo de gerações, rios e ritos mantêm aquele olhar sereno dos humildes. Não desperdiçam uma só oportunidade, sendo-lhes caro cada ser, cada gesto, cada sentimento, por mais singelo que seja. O importante é que seja verdadeiro. Rios e ritos, ao que parece, sabem reconhecer a importância do “outro”, pois é neste que eles ganham sentido. Dispensam o embuste e a altivez. Acolhem, isto sim, o coração quebrantado e todo aquele que estiver disposto a ouvir a voz do coração. Rios e ritos pressupõe fluidez, daí serem avessos ao muquirana de espírito. Rios e ritos voltam-se, isto sim, é à semeadura e à partilha. Os rios se aprazam em comungar suas águas com a flora e a fauna ali existentes. Nem mesmo as pedras, por mais duras e pesadas que sejam, representam motivo para tristeza ou desculpa para não seguirem adiante. Pelo contrário, cada obstáculo só faz aumentar a beleza de seu curso. Os ritos, da mesma forma, quando assentados no amor, desconhecem a exclusão deste ou daquele, por maiores que sejam as diferenças. Rios e ritos têm o poder de aproximarem todos os que orbitam em torno deles, ensejando verdadeiras obras de arte, onde o Autor – seja lá qual o nome que se dê a Ele – se vê encantado frente à criação. 
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sábado, 15 de fevereiro de 2014

LIMITES


LIMITES
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Erroneamente, a ideia de “limites” tem sido associada ao autoritarismo, como se sinônimos fossem. A geração que aí está, ao que se vê, encara – muito comumente – a imposição de limites com maus olhos. Apregoa, quase sempre de maneira pouco clara e nada convincente, uma pretensa liberdade, absoluta, destituída de quaisquer formas de regramentos, mesmo que tênues, que soem proibitivos ou moralistas. Uma geração que busca fazer valer aquela máxima dos anos sessenta: “é proibido proibir”. Ululante equívoco, contudo. Contextos diferentes, o de hoje e o da Tropicália. O atropelo à inteligência e ao bom senso tem produzido efeitos nefastos. O Estado - aqui entendido enquanto ente público – tem falhado no que tange à imposição de limites, da mesma forma que a família. Até porque ambos, vale lembrar, pertencem ao mesmo lado da moeda. Quem são os gestores, legisladores, juízes, agentes públicos de toda ordem, senão frutos da família? Quem são os larápios, assassinos, parricidas, estupradores, senão também frutos dela? O Estado somos nós. Sua falência é a própria falência da família. Esta é a principal responsável pelo forjamento de homens e mulheres, de boa ou de má índole. Das entranhas dela saem seres equilibrados ou não, honestos ou não, responsáveis ou não, dados ao trabalho ou não. Fala-se em “novas” organizações familiares, como se elas justificassem a inexistência de limites claros, justos e firmes em relação à prole. A escassez de virtudes e o deserto ético, por certo, não são apanágios desta ou daquela “classe” ou condição socioeconômica. São problemas de ordem cultural, espécie de erga omnes negativo, corroendo relações pessoais e sociais seja na favela, seja nos condomínios de luxo. A frouxidão estatal diante dos inúmeros e sérios desvios de conduta reflete a própria fragilidade da autoridade familiar. A desobediência civil e o desrespeito às leis nascem, sobretudo, dentro de casa, sendo irmãs gêmeas do não reconhecimento da autoridade familiar. Curiosamente, as estratégias – todas elas fadadas ao fracasso – para a resolução dos “conflitos” também seguem o mesmo passo, qual seja o do afrouxamento da regra, quando não o puro e simples “esquecimento” da mesma. Tudo em nome de um pretenso e falso diálogo. Ora, respeito, ética e honestidade, por exemplo, são inegociáveis. Abrir mão de valores pétreos representa cavar a própria cova, obstaculizando qualquer esperança de se construir uma “teia” social consistente. Soa como irresponsável a relativização de tais valores, mesmo que em nome de uma aparente paz. Urge o respeito aos limites na família, na escola, na rua, em todos e quaisquer lugares, ainda que não cobertos pelos “olhos” da vigilância eletrônica, esta própria resultante da desconfiança reinante e do “apagão” ético existente. Por óbvio, os limites devem se pautar no respeito à dignidade da pessoa humana, capazes de promoverem a edificação de uma sociedade mais justa e menos desigual. Diálogo não pode e não deve ser confundido com aniquilamento da verdade e da justiça.  

Veja também:
http://www.sinepe-rs.org.br/site/informacao/opinioes_52
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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O RETRATO DE DONADON


O RETRATO DE DONADON
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Quem leu O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, talvez se impressione diante da parecença com o cenário nacional. A obra do final do século XIX nos faz crer que o autor estivesse, quiçá, sob o lampejo de uma visão futurista acerca de um país continental localizado no Novo Mundo. A preocupação com a aparência, ao que tudo indica, deste lado do Atlântico, foi se consolidando ao longo do tempo. A República tupiniquim, irônica e coincidentemente fundada à mesma época da publicação do livro acima, recrudesceu a busca pelo “corpo” perfeito, mesmo que sua “alma” definhasse sob o manto da aparência. O caso Donadon é emblemático. A mesma Câmara que o absolveu em meados do ano passado, agora o cassou. Por quê? O que mudou de lá para cá? Nada, exceto os holofotes do voto aberto. Definitivamente, ratos convivem bem mesmo é com a escuridão. Nela se escondem, se confundem e, é duvidar, fazem se passar por anjos. Mais uma vez, o Parlamento se portou à brasileira, se é que me entendem... Bastou um pouco de “luz” sobre o Parlamento e pronto! A “consciência” dos excelentíssimos deputados mudou da água para o vinho, ou seria da lama para a glória? Qual é, afinal, o verdadeiro rosto de “nosso” (?) Parlamento? O da penumbra e da sombra ou aquele que, vez por outra, se ergue diante das luzes da mídia? O Legislativo, assim como os demais Poderes, há muito vem se rendendo ao jogo de cena. O discurso, apesar de agradável e politicamente correto, em pouco ou nada se aproxima da práxis. Esta segue arraigada aos mesmos interesses escusos de outrora. O tempo, por estas bandas, não foi capaz de transformar, de fato, as relações de poder. Togadas ou engravatadas, as elites têm feito do Estado brasileiro um fim em si mesmo, completa e flagrantemente distanciado dos reais interesses da maioria. A verborreia jurídica e os jargões típicos da oratória junto à tribuna, salvo aguçarem o sentimento de baixa autoestima da plebe, se mostram estéreis, em nada contribuindo para as necessárias transformações sociais. Ao que se vê, a intenção de quem dá as cartas do jogo, é que não haja torcida. Esta existindo, que outro jeito senão jogar para ela? Será coincidência a preocupação, por exemplo, com a violência justamente no ano em que o país sediará a Copa? Por que a corrida em busca de medidas coercitivas capazes de, supostamente, inibirem os movimentos e protestos de rua? Não é a violência uma companheira indesejada que há muito come à mesa da população mais pobre? Pode haver maior violência do que a omissão e inércia do Estado frente aos serviços públicos mais elementares, como saúde, educação, transporte e segurança? O mesmo Estado que apregoa respeito às normas, não as cumpre. O mesmo ente que defende o respeito aos patrimônios público e privado, fere a ética e extorque o contribuinte por meio de uma política tributária escorchante e insana. Afinal, no Brasil, o que é o Estado democrático de Direito senão mera ficção? Nem a democracia e nem, tampouco, o Direito neste país correspondem à realidade. Mascarados e simpatizantes do black bloc são um problema? Talvez, mas – por certo – não maior do que aquele associado aos que infestam, feito ratos, os corredores e gabinetes de inúmeras repartições públicas. Ao menos, os primeiros – ao contrário destes últimos – são mais autênticos. O estrago por eles provocado se dá às claras. Choca, pois que a olhos vistos. Já o estrago feito pelos “donos do poder” é infinitamente mais sutil, porém não menos cruel, afinal compromete o presente e põe em risco o futuro. Feito o Retrato de Dorian Gray, engambela pela aparência, mas a essência...