Os Últimos Doze Anos da Minha Vida
Eu
entrei para o Instituto de Educação São Francisco em 2003, na época eu tinha 5
anos. Se me lembro bem, não era o local onde eu mais gostaria de estar naquele
momento, não porque eu estava em uma escola, mas porque eu tinha que deixar o
ambiente onde eu tinha passado outros anos da minha vida: a creche (ou escola
de educação infantil, como preferem chamar hoje em dia). Essa transição foi,
com certeza, complicadíssima, mas aos poucos fui percebendo que todas as
crianças também estavam passando por isso; com exceção de um outro, estávamos
todos em um mundo novo. E então relaxei.
Uma
coisa nunca me esqueço: eu queria ser “os grandes”, sabe aquelas crianças da
primeira série que tinham incríveis mochilas de rodinha e alguns (no máximo
dois) cadernos dentro? Eu queria ser como eles. Na minha escola tinha uma área
dedicada aos pequenos da educação infantil, um pouco afastada do resto, mas
para chegar lá era preciso atravessar todo o colégio. Dividindo essas duas
áreas existia um grande portão azul (pelo menos eu achava imenso) e eu passava
algum tempo atrás do portão olhando as crianças da primeira série, desejando
ser como eles e dizendo constantemente para meus pais: “um dia vou ser ‘dos
grandes’, um dia vou estar do lado de lá do portão”.
Não
demorou muito, dois anos depois eu era “dos grandes”.
Recordo-me
de algumas gincanas, as professoras das crianças pequenas sempre foram muito
mais loucas do que qualquer professor de matemática ou física e parte da
diversão daqueles dias cabia à elas, faziam de forma fantástica, é claro.
Lembro-me também da participação de alguns pais agitados e barulhentos na
caminhada da paz – que encerrava a Gincana São Francisco.
Falando
em caminhada da paz... No início dos anos 2000, existia outro fator que dividia
a escola: de onde a turma partiria da caminhada. Bom, as crianças pequenas não
tinham condições de caminhar muito, acredito eu, por isso, partíamos do São
Francisco Santa Fé (na época, Monsenhor); os mais velhos, a partir da quinta
série até o último ano ensino médio partiam do Instituto de Educação São
Francisco e paravam em frente ao Monsenhor esperando as crianças; de onde todos
dirigiam-se ao Instituto e a caminhada era finalizada. Desde a primeira
caminhada que participei, eu esperava os alunos vindo do Instituto com um único
desejo e dizendo para meus pais: “um dia vou ser ‘dos grandes’, um dia vou
estar vindo do Instituto e passarei aqui para as crianças entrarem na caminhada
e depois voltaremos para lá”.
Não
demorou muito, cheguei à quinta série. A partir daquele ano, então, sairia do
Instituto na caminhada da paz todos os anos até terminar de cursar a escola; eu
estava contente. A partir desse momento, minha história escolar começou a andar
a passos largos: sexta, sétima, oitava série...
Em
2012, após dez anos de São Francisco, estava no último do ensino fundamental,
me preparando para os três anos finais da minha trajetória na escola. A oitava
série foi um pouco dolorida, o momento de separação de muitos colegas e o fim
de uma fase muito longa, oito anos. Olhando para o passado hoje é curioso que
estivéssemos felizes porque faltaria a partir de 2013 somente 3 anos para
acabar a escola e estaríamos livres; e atualmente, se pudéssemos voltar ao
menos um dia o faríamos, para ter a certeza absoluta que aproveitamos essa fase
da vida.
Enfim,
o ensino médio – o início da fase final. Todos os alunos que tive a
oportunidade de conversar a respeito, acreditam que suas vidas estudantis
mudaram no primeiro ano do ensino médio, em parte por causa da diferença no
nível de cobrança, em parte pela dificuldade aumentada nos conteúdos e
principalmente por um trabalho. Tal tarefa era vista como o marco do ensino
médio, ficava assustado de ter que o fazer, era o famoso trabalho de Cidadania. Em frente a uma banca de três
ou quatro professores, os alunos deveriam apresentar o trabalho que fora
realizado praticamente o ano inteiro – até hoje é realizado, com pouquíssimas
mudanças em sua estrutura. Toda a situação foi um desafio, mas após aquele
trabalho senti que estava mais preparado para a vida e para a fase que viria a
seguir quando acabasse a escola – a faculdade.
Seguiu
o segundo ano, então. Alguns amigos e eu fundamos o Clube do Café da Manhã na
escola, uma clara referência ao filme da década de oitenta – The Breakfast Club. A ideia era um clube
cultural onde iríamos relacionar o cinema, a música, a televisão e a arte ao
nosso dia-a-dia estudantil, fosse com o ambiente escolar e a convivência social
ou com os conteúdos estudados propriamente ditos. Por alguns dias corremos
atrás de professores para conseguir o apoio, distribuindo cópias do projeto e
convocando alunos. Apesar do sucesso da fundação e de alguns encontros
proveitosos, o projeto não foi adiante e morreu no fim daquele mesmo ano, por
causa da falta de apoio da escola – por vezes, parecia que ninguém sabia o que
fazíamos nas tardes de segunda-feira no colégio e os que sabiam, sentíamos que
não tinham a real ideia do potencial daquele projeto.
Terceirão
- terceiro ano do ensino médio e o último ano da escola. Doze anos estudando na
mesma instituição, vendo os mesmos funcionários diariamente, entrando e saindo
de salas parecidíssimas, sabendo ir de qualquer lugar a outro e saber
exatamente onde se encontra cada coisa. Acontece que em algum momento isso tudo
acaba e diferente do que pensava quando estava na oitava série, não é tão
prazeroso o fim, chega a ser doloroso e amedrontador, na verdade. A escola foi
sempre o lugar aconchegante para onde eu voltava todo início de ano, e nas
próximas férias que eu tiver, não é para lá que vou. O fato é que quando estava
no início dessa jornada, o fim era tão distante que parecia impossível; quando
estava na metade nada mais importava do que chegar ao final; e agora que está
acabando, se pudesse voltar alguns dias faria.
E
em 2015, em nenhum momento eu pensei nisso, não pensei em voltar ao passado,
não relembrei o que vivi com nostalgia, não pensei em como seria o próximo ano
sem voltar ao São Francisco. Não pensei em nada disso, porque a ficha demorou
muito tempo para cair. Relembrei minha história de estudante e revivi minhas
memórias após um dia: a minha última caminhada; lá estava eu na turma 31,
finalizando a caminhada da paz. Junto a 32, erámos as duas turmas que acabavam
a escola naquele ano, éramos os últimos; e eu que por tantos anos desejei ser
“os grandes” era agora o “grande” máximo que poderia chegar. Enfim, acabou.
Thomas Canal
OBS: A responsabilidade sobre o texto acima é do autor.