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quinta-feira, 16 de julho de 2015

URUBUS


URUBUS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                A fauna em Cachoeirinha – que da antiga queda d’água só sobraram as lembranças registradas na memória dos quase centenários ou nas páginas amareladas da história –, ao que parece, tem se resumido aos urubus. Sobrevoando o céu da cidade, até que não são muitas as aves de rapina. Preferem elas, ao que tudo indica, alguns espaços públicos. O fétido odor exalado lá para as bandas de prédios onde público e privado se confundem e se amancebam, denuncia a presença dos malditos bichos. Vestem, muito comumente, terno e gravata, quando não uma bela toga a esconder a imundícia da própria natureza. Vivem da tragédia alheia, apesar, é claro, de jamais admitirem. Poucos são os urubus letrados em Cachoeirinha, a maioria mal consegue ir além de uma espécie de grunhido mal elaborado, apesar de inegavelmente poderoso e convincente. Não por acaso, a cada quatro anos, muitas dessas aves renovam suas penas e seguem monopolizando seus ninhos, recheados de filhotes comissionados a lhe paparicarem. Qual será o milagre de tamanha vitaliciedade? Quem sabe, a capacidade mimética de se confundirem com o ambiente. Os urubus que por aqui gorjeiam – uma espécie de infindável “melodia” da morte e do engodo – são de uma espécie muito similar às do Planalto Central. Cheiram a urubu, vivem da carniça do contribuinte, mas pousam de pavão. Talvez por isso, não larguem o naco de carne, afinal toda aquela pesada plumagem, embora artificial, custa caro. Fazem de tudo por um espaço na mídia, ainda que uma minúscula foto no canto da página de um jornaleco chinfrim. O negócio é aparecer, nem que seja emitindo opiniões vazias ou postando suas imagens bizarras nas ditas redes sociais. Nisso são bons. Os urubus daqui são capazes até de vez em quando – quase sempre às vésperas dos pleitos – darem uma voadinha numa vila aqui ou acolá, sujando as asas em meio à lama deixada pela enchente ou, ainda, correndo o risco de contraírem as doenças dos pobres mortais. O que não fazem os urubus para manterem seus privilégios intocáveis e suas cadeiras na famigerada Casa do Povo? O que não fazem eles para usufruírem dos momentos de glória na tribuna ou um lugarzinho junto ao Executivo? Os urubus, assim como as baratas, são mestres na arte de sobreviverem às intempéries e hecatombes econômicas e políticas. Sofre o cidadão comum, o servidor (concursado) mal pago, a dona-de-casa ante a panela vazia, a criança sem futuro e o jovem despreparado. Quanto aos urubus, salvo um ou outro esforço a sustentar, de tempos em tempos, todas aquelas bandeirolas multicoloridas à beira da avenida, parecem desconhecer o que seja trabalho e, menos ainda, crise ou carestia. Ao contrário de suas presas – esfarrapadas, maltrapilhas, viradas somente em ossos –, os urubus seguem robustos e altaneiros, desfilando suas asas tomadas de brilho. Eles custam caro à sociedade. São alimentados por ela e dela se alimentam. No fundo, surgem a partir dela, numa espécie de abiogênese maldita, alimentada por um sistema político falho e eivado de vícios. Feito Cronos, os urubus castram os ascendentes e tiram o fôlego de vida das gerações futuras, fazendo imperar o pessimismo e a desesperança. Restará, ainda, sob o céu da cidade outra imagem que não a da revoada das malditas aves a esconderem o brilho do Sol?  


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