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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

DIAS SOMBRIOS


DIAS SOMBRIOS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                O sol teimava em brincar de esconde-esconde por detrás do espesso tapume acinzentado. A ausência do radiante disco só fazia aumentar uma espécie de melancolia que brotava sabe-se lá o porquê ou de onde. Talvez fosse aquela tristeza resultado do ocaso das férias ou da atávica e incômoda pindaíba típica de quem enveredara para a carreira do magistério. Não apenas ele, mas o país inteiro parecia enfiado na areia movediça do pessimismo, sendo que nem mesmo o Carnaval se mostrava capaz de afastar todo aquele clima modorrento. A economia ia de mal a pior, os casos de corrupção nas entranhas do arremedo de República pipocavam diuturnamente, a qualidade dos serviços públicos mais faziam lembrar um inferno dantesco... Para engrossar o caldo, tinha ainda a escassez de água, o aquecimento global, a tensão na Ucrânia e a ameaça terrorista. Agouravam alguns ser o “fim dos tempos”. Apocalipse ou não, o fato é que nunca os dias lhe pareceram tão sombrios como agora. Sentia-se impotente frente às ondas avassaladoras das más notícias que surgiam de todos os lados. Estava difícil enxergar uma luz, ainda que tênue, no fim do túnel. A desesperança há muito invadira os vazios da alma, fazendo nela morada. Os poucos nacos de poesia pareciam não resistir à morte do Urbim e ao descolorir da vida com a partida da Ohtake. As ações da Petrobrás caíam na mesma velocidade com que os preços alçavam as alturas, apesar de toda aquela maquilagem estatal paga a preço de ouro. Sobrava propaganda, enquanto corria solta a carestia não apenas pecuniária, mas de valores como a ética e a hombridade. Maldito tempo em que a palavra não valia sequer um vintém. Há muito, a autoridade não dava as caras, talvez porque perdida numa ou noutra praça escura, pichada e depredada por uma geração sem freio e sem futuro. As ruas tomadas pelo medo e por hordas de zumbis a tragarem seus cachimbos mal cheirosos, enquanto no interior de muitas casas o que se via eram pessoas separadas pela gélida distância de uma comunicação virtual e desumanizadora. Famílias sem norte, proles inteiras abandonadas à própria sorte. Rima sem graça, pois eivada de abandono, solidão e descaso. Filhos e filhas, muitas vezes, concebidos em meio às garrafas de vodka, na vã tentativa de ludibriar a consciência. Crianças paridas na sarjeta da indiferença, enlameadas pela desgraça e quase certeza de um futuro nada animador. No lugar de estrelas a repousarem no céu, simples, porém verdadeiras, o que se vê são smartphones com aquela luz artificial, memória artificial e amigos artificiais. Centenas, milhares de “contatos”, mas quase ninguém para dividir a lancinante dor. É duvidar, não haverá uma só alma para carregar o esquife até o derradeiro repouso. O sol, ainda que momentaneamente, parecia vencido pelo breu. Restava-lhe a esperança de, logo mais, toda ou parte daquela bruma, assim como sua tristeza, ser dissipada pela luz irradiada.