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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

LEI JOÃO DÁ PENA


LEI JOÃO DÁ PENA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Nasci numa época em que homem só casava com mulher e esta com homem. Numa época em que os pais se portavam como tal. Eram tempos em que cabia ao marido tomar as rédeas da casa, restando à esposa zelar para que as regras e vontades do senhorio fossem seguidas à risca. Hoje, dispensável é dizer, o mundo (ocidental!) mudou. Não sei se para melhor, mas que já não é o mesmo da minha época de criança, isso não é. Saímos de uma realidade fortemente machista e patriarcal para uma meleca a que alguns chamam de democracia. Inflacionou-se a legislação dita protetiva sem que isso tenha redundado, em absoluto, na melhoria das relações humanas. Nunca houve tanto desrespeito ao outro. Feito cachorro perdido correndo atrás do próprio rabo, vamos criando textos legais estéreis que pouco ou nada contribuem para qualificar e fortalecer a dita teia social. Mesmo as novas tecnologias e penduricalhos produzidos em larga escala pelo Capitalismo doentio se mostram incapazes de disfarçar o mau cheiro desta realidade decrépita que desova na sarjeta um incontável número de viciados e depressivos. Uma realidade onde boa parte da juventude não vislumbra ali na frente mais do que um baseado, um par de tênis da Nike ou um smartphone. As selfies, feito lago de Narciso, soam, muitas vezes, como eufemismo para um hedonismo mal disfarçado. A inversão (perversão) de valores é tamanha que, ao sair do oito para o oitenta, acaba por produzir algumas situações, também, hilárias. Qual o marido, por exemplo, que já não se defrontou com a tão temida “lista” pendurada, estrategicamente, na geladeira? Sim, aquela enorme e maldita “lista” escrita à mão de ferro pela impaciente companheira que, diuturnamente, faz questão de inquirir se a grama já foi cortada, a janela consertada ou o pinga-pinga da torneira estancado. Mais severa do que a cobrança divina em relação aos mandamentos trazidos do cume do Sinai, a esposa faz da dita “lista” a Lei do Talião. A mulher escreveu e o marido não leu, o pau comeu... Nessas horas, onde estão os Direitos Humanos? Mais fácil achar guarida na legislação que protege a bicharada do que numa eventual defesa em prol do marido desassistido. Daí, quem sabe, o esposo aguardar, quase desesperado, o fim das férias e o retorno ao trabalho, uma saída protelatória, mas interessante, para escapar da cobrança doméstica. Apelar para quem? Verdadeiro mato sem cachorro, beco sem saída. Propugnar, talvez, por uma espécie de “Lei João Dá Pena”, em contraposição à Lei que protege a mulher frente à violência doméstica e familiar. Quem sabe um diploma legal que traga, dentre outros artigos, incisos, alíneas e parágrafos, uma expressa vedação às “listas” produzidas por mulheres sem coração que escravizam e atormentam os pobres maridos. Estes merecem respeito, um lugar ao sol, de preferência acompanhados de um bom prato de petiscos regado à cerveja bem gelada. Abaixo as “listas” e bom verão a todos os meus amigos!



segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

BANHO TCHECO


BANHO TCHECO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

               

                “Esta noite não vai ter”. Tamanha ameaça vinda da companheira só fazia aumentar a ira e indignação do desgraçado. Um dia inteiro sem água e, como sempre acontece, a corda arrebenta do lado mais fraco. Ora, que se penalizasse a companhia de abastecimento de água, seus diretores e funcionários ou, ainda, quem sabe, as imprestáveis agências reguladoras que nada mais servem do que meros cabides de emprego e trampolins político-partidários. Por que sobrar para ele? A mensagem da esposa era direta e objetiva – ao contrário da embromação por detrás da linha telefônica do maldito zero oitocentos –, não deixava margem para dúvidas: banho tcheco ou passaria a noite em seco. Até tentara convencê-la do poder miraculoso do Rexona, ainda mais se emplastado em várias camadas embaixo dos sovacos. Irredutível, a mulher nem lhe olhava, ignorando-o por completo. Até a água gelada da piscina de plástico enfiada nos fundos da residência parecia uma saída honrosa para o imbróglio alimentado pela resoluta insistência feminina. Contudo, como explicar aos filhos o banho àquela hora da noite? Fosse criança, tudo bem, mas logo ele, burro velho, enfiado na piscina em meio à madrugada, viraria motivo de gracinhas por parte da vizinhança. Portanto, fora de cogitação. A raiva aumentava à medida que os ponteiros do relógio avançavam sem que a esperada água aparecesse. Perdera as contas quantas vezes abriu a torneira da área de serviço em busca da perfeita mistura dos dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. O desespero era tamanho que bastava meio átomo de cada elemento. Contudo, nem água e nem vento saía da bica. O pavor era tal que até abriu mão da rotineira escovação dos filhos, além é claro de clamar aos céus que os pequerruchos não inventassem de cagar naquela altura do campeonato. A ordem era clara: poupar cada gota de água que fosse possível. Verdadeiro estado de guerra. Sem banho, pouca ração e sem televisão. Sim, afinal temia que as mensagens subliminares da programação pudessem desencadear uma vontade incontrolável da piazada em consumir água. Menos a caçula, esta movida a refrigerante e picolé. Quem diria, enquanto noutros tempos sentia certa inveja do carro ou da casa nova do vizinho, agora mirava o poço artesiano do felizardo. O ronco do motor a puxar água lá de baixo fazia lembrar o monstro da motosserra estraçalhando seu orgulho. Não bastasse, não é que o malvado, muito provavelmente, de forma proposital, deixava a água sair pelo ladrão, como que a zombar da sina alheia? A tardança da água era caso de polícia, um atentado ao contribuinte e uma ameaça à estabilidade familiar. A mulher, que de tcheca nada tinha, não cansava de ostentar que com dois copos e meio de água não só tomara banho, como lavara a cabeça. Impossível, pensava o pobre marido. Dois copos mal davam para lavar os olhos, quanto mais um corpito como o dele, para lá dos noventa quilos. Percebendo a falta de flexibilidade da esposa, partira para negociação. Quem sabe um aconchego aqui, uma carícia acolá... Banho tcheco ou nada! Apelara para filosofia, história, sociologia, bruxaria... Não! Bolas, até os Estados Unidos relaxaram o embargo econômico à Cuba, por que então tamanha incompreensão? “No, no, no estoy convencida” bradava ela num espanhol impulsionado por uma brabeza russa. Algo de assustar. Resignado, o coitado, de posse da canequinha, dirigiu-se ao banheiro. Até que sorteasse as partes a serem limpas e transformasse toda aquela pedra em pão, eis que a mulher entregara-se aos braços de Morfeu.


domingo, 7 de dezembro de 2014

REMÉDIO E VENENO: UMA QUESTÃO DE DOSAGEM


REMÉDIO E VENENO: UMA QUESTÃO DE DOSAGEM
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Quem trabalhou ou trabalha em escola sabe o quanto é difícil, porém necessário, explicar às crianças e adolescentes a diferença entre a “brincadeira” e o “ato de indisciplina”, este último sujeito aos “puxões de orelha” previstos no Estatuto Disciplinar ou algo que o valha. Comum é lidarmos com situações onde o educando é encaminhado para a Direção ou Coordenação de Disciplina porque ofendeu, machucou ou ameaçou o colega, por exemplo. Não menos comum é nos depararmos com a “justificativa” dada pelo aluno: ”tudo não passava de uma brincadeira”. Sincera ou não a explicação – até porque é difícil averiguar a verdadeira intencionalidade do ato –, precisamos admitir o quanto é tênue o limite que separa o “brincar” daquilo que o extrapola, passando a ser um problema. Faz lembrar o conhecido dito popular de que o que diferencia o remédio do veneno é, no frigir dos ovos, a dosagem aplicada. Brincadeira é quando todos os envolvidos se divertem, sem qualquer espécie de prejuízo a eles e/ou a terceiros. Por outro lado, quando alguém – mesmo que de fora do circuito da “brincadeira” – sai ferido, magoado, lesado ou diminuído em sua dignidade, aí passamos a ter um problema. Toda brincadeira tem limites, marcos estes que devem estar assentados no respeito, na ética, na verdade, na honestidade e, é claro, na diversão e no lúdico. Divertir-se é não apenas aceitável, como necessário e saudável, algo indispensável à formação do sujeito enquanto pessoa. O prazer que nasce da diversão é como cimento imprescindível à edificação de homens e mulheres mais felizes e melhor preparados para construção de uma sociedade mais harmoniosa e menos desequilibrada. Contudo, o próprio “brincar” obedece, ou deveria obedecer, certas ordens, alguns paradigmas necessários para que a alegria de “um” não se transforme em tristeza para “outro”. O que é, por exemplo, o bullying senão uma perversa e abominável prática onde alguém se “diverte” às custas de outrem? Brincar, é remédio para alma. Extrapolar a brincadeira, por sua vez, é veneno para as relações. A brincadeira aproxima, enquanto o exagero não apenas distancia, mas – por vezes – é tão cruel a ponto de apagar até mesmo as pegadas que poderiam levar a um novo encontro de perdão. A brincadeira rejuvenesce, o excesso recrudesce a vil tirania do aparentemente mais forte em face da vítima. A brincadeira abre portas e faz brotar a amizade, já a maldade sepulta a confiança mútua. Brincar é como bálsamo que restaura a saúde, faz correr a dor e afugenta a nuvem sombria da descrença na vida. Distorcê-la, contudo, é lançar irresponsavelmente o sentimento alheio contra os duros penedos, deixando – por vezes – cicatrizes eternas na memória. À escola e, principalmente, à família cabe educar o rebento, orientá-lo a discernir entre o certo e o errado (aos defensores do relativismo doentio, afirmo existir sim o “certo” e o “errado”!), diferenciar o veneno do remédio, primar pelo respeito ao outro, sem abrir mão ou deixar de lado a brincadeira e a felicidade. Boa diversão a todos! 
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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

UH, É TERCEIRÃO


UH, É TERCEIRÃO
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                É, mais um ano que chega ao ocaso. Duas turmas de formandos que veem o coroamento do esforço de uma labuta que perdurou onze, doze anos ou mais. Levantar cedo, abrir mão quem sabe do lazer, torcer para que o ônibus não tardasse ou que o larápio e flibusteiro passasse de largo. Chegar uniformizado no horário, não esquecer a agenda, retornar do recreio antes do segundo sinal, cuidar para não dormir nas aulas do Gilvan... Os pais a perguntarem sobre a nota daquela prova que melhor seria não ter existido, o mantra sobre o ENEM, a pressão pela escolha “certa” do curso acadêmico e a expectativa da carreira profissional. Para compensar, nada melhor do que a companhia dos amigos. Amizades que singraram as ondas do tempo e, ainda assim, resistiram incólumes às vicissitudes da vida. Aquele inconfundível sorriso, o afetuoso abraço e, sobretudo, a certeza de poder contar com toda aquela cumplicidade. O final de semana difícil, o conflito familiar, a pindaíba aparentemente sem fim, o término de um relacionamento... Tudo parecia sumir quando na companhia dos verdadeiros amigos. Parece mentira, ainda ontem não passavam de pequerruchos a carregarem suas mochilinhas coloridas e merendeiras. Corriam pelo pátio, feito loucos, para desespero de quem os cuidava. Trocavam figurinhas e cartinhas cheias de uma pueril ingenuidade, nem por isso, destituídas de sinceridade. O primeiro caderno, a primeira “prô”, o primeiro “amor”, ainda que em formato de um pequeno ser com pouco mais de um metro de comprimento. Quantas histórias juntos? Passeios inesquecíveis, festas memoráveis e segredos inconfessáveis. Só o tempo para transformar as peraltices e travessuras de outrora em boas lembranças. Como bálsamo, só ele para cicatrizar as feridas, mesmo as mais profundas. O tempo traz a cura, mas também alguns efeitos colaterais, como a saudade. A mesma que nasce desde já, saudade dos tempos de “São Chico”. A vontade de chorar só não é maior do que a certeza de que, assim como a debutante, aproxima-se o instante em dar o braço ao futuro, que aguarda para a tão esperada valsa da vida. Dentre os convidados, este singelo professor. Sentirei falta de cada um e de cada uma de vocês. Foi um ano excepcional de convívio, onde muito mais aprendi do que ensinei. Os conteúdos, muitos deles, se perderão nos becos e ruelas da memória, mas a amizade e admiração construídas permanecerão para sempre. A saudade baterá à porta quando lembrar das brincadeiras em aula, dos puxões de orelha em quem ousasse sequer pensar em mexer no celular, das perguntas atrapalhadas ou protelatórias de alguns colegas. Lembrarei de vocês a cada Festa Junina ou Gincana. Os recreios, por certo, já não serão os mesmos. Toda vez que olhar para o fundo da Cantina virá à lembrança aquele casalzinho comportado. Como esquecer a galera que, todo santo dia – salvo finais de semana e feriados, é claro... –, se posicionava próximo à imagem do Padroeiro? Fizeram história na Escola e marcaram, de maneira indelével, o coração deste velho professor. Resta, neste momento, primeiro agradecê-los e desejar a vocês muita paz, sabedoria, saúde, felicidade e sucesso. Jamais esqueçam que nada tem maior valor do que a relação com o “outro”, portanto pautem a conduta na ética, na verdade e no respeito, virtudes estas que nascem do amor. Não pude abraçar a todos, mas o faço agora através deste singelo texto. Parabéns e que Deus os abençoe! Dá-lhe Terceirão.

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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

DISCURSO DE FORMATURA


DISCURSO DE FORMATURA DA EJA FIDEL ZANCHETTA (2014/2)
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


Boa noite!


Cumprimento a mesa e, ao fazê-lo, saúdo a todos aqui presentes: Mantenedora, Direção, Setores, professores, familiares e, de forma muito especial, meus queridos formandos. Desnecessário é dizer o quanto me sinto honrado em ter sido duplamente homenageado pelos alunos que, hoje, recebem, ainda que simbolicamente, o diploma de conclusão do Ensino Fundamental. A modalidade Ensino à Distância (EaD) Semipresencial da Escola Municipal Fidel Zanchetta vem produzindo bons frutos. Garante, por exemplo, o tempo necessário à pesquisa e planejamento colaborativo dos professores, aproxima os educandos das novas tecnologias indispensáveis ao mercado de trabalho e privilegia o aluno trabalhador interessado em agregar ao currículo não apenas um certificado, mas, sobretudo, experiências de vida.

Adoráveis alunos, este momento ímpar só se tornou possível graças, principalmente, ao sonho de cada um de vocês. Não um sonho qualquer, mas – como deveriam ser todos os sonhos – um sonho que nasce no coração, passa pelas veias e artérias, por todos os membros do corpo, até se transformar em algo encantadoramente real. Um sonho que foi sendo construído, passo a passo, ainda que, por vezes, com dificuldade. Um sonho que, talvez, os obrigou abrir mão, ainda que temporariamente, da família, do lazer ou de algumas horas de sono. Um sonho que envolveu disposição e paixão, afinal sem esta o sonho perde muito de sua graça. Um sonho não apenas de vocês, mas também nosso. Qual é o verdadeiro professor que não sofre, com alguma intensidade, com a dor de vocês, que não se torna cúmplice dos anseios de seus alunos? Qual é o bom professor que não se emociona com o brilho no olhar do aluno que aprende ou com o suspiro daquele que ainda tenta aprender? Tal qual o pastor zeloso, o professor chora quando vê um dos seus alunos abandonar o aprisco e se alegra ao ver que a ovelha desgarrada retornou à escola. O aluno está para o professor, assim como o néctar para o beija-flor. São vocês, meus queridos educandos, que dão sentido à tarefa de educar.

Sei que falo também em nome de todos os demais professores e funcionários da EMEF Fidel Zanchetta, ao desejar a cada um de vocês, formandos, muito sucesso. Façam bom uso daquilo que aprenderam. Busquem, assim como o sal, dar sabor à Terra. Sejam éticos, verdadeiros, honestos, trabalhadores e sirvam de exemplo. Não parem por aqui, sigam estudando, galgando não apenas títulos e certificados, mas, sobretudo, espaços de verdadeira participação na comunidade, de maneira a contribuírem na construção de uma sociedade menos desigual, menos violenta, mais fraterna e muito, muito mais feliz. Parabéns e muito obrigado a todos!



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A LISTA


A LISTA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Procurando o nome na lista de alunos aprovados por média? Por quê? Tens alguma dúvida? Ora, o resultado final não deveria causar nenhuma surpresa ou solavanco, não é mesmo? Afinal, quase sempre, colhemos aquilo que plantamos. Qual foi o grau de dedicação e comprometimento com os estudos? A resposta é diretamente proporcional à certeza que tens (ou deverias ter...) quanto ao fato de veres, ou não, teu nome inserido na tão aguardada Lista. Claro, há que se admitir certa “margem de erro”, especialmente para aqueles raros casos em que, apesar de todo esforço, ainda assim, o conteúdo explicado nas aulas parece teimar em entrar na cachola. A Lista não deveria surpreender, seja para o bem do próprio educando, da família, da escola, da sociedade como um todo, seja, ainda, para o bem da educação, afinal esta última carece, cada vez mais, de coerência e previsibilidade. Discursos não faltam em defesa da aprovação a qualquer custo, objetivando quiçá a obtenção de dados “positivos”, ainda que para lá de mascarados. Não menos danosos são os chavões que, na prática, fazem da nota um triste e perverso açoite para compensar a incompetência do educador em dar conta do recado. A Lista deveria revelar o “preto no branco”, coroando o casamento perfeito entre o previamente combinado e o efetivamente realizado. Estar nela deveria ser, ainda, regra e não exceção. Infelizmente, contudo, a Lista tem estado não apenas cada vez mais magra, mas também mais pobre em qualidade. Mesmo a flagrante mediocrização do ensino tem se mostrado incapaz de ampliá-la. Causa tristeza ver a Lista virar um fim em si mesmo. O que importa, para maioria, é ver seu nome ali inscrito, como se fosse o próprio Livro da Vida. Poucos demonstram preocupação em saber como seu nome foi parar ali, se foi produto do trabalho e verdadeira dedicação ou se foi obra do acaso ou, o que não deixa de ser pior e mais constrangedor, se foi resultado da “bondade” docente. O que seria mais preocupante, constar ou deixar de constar na Lista por alguns minguados “pontinhos”? Existem até aqueles que, em troca de um lugarzinho no tão sonhado rol da “fama”, se comprometem com alguns Pais-Nossos e pagamento de promessas. Há também os que juram, reiteradamente, que no próximo ano será diferente, fazendo lembrar a eterna dieta da segunda-feira. Para fazer parte da Lista, para muitos, vale de tudo, até botar uma “pressão” neste ou naquele professor. A Lista ressuscita até mortos. Aquela mãe que jamais compareceu na escola e sequer sabe o Ano do rebento ou o nome da “prô”, até ela, acreditem, resolve dar as caras e cobrar o nome do filho na Lista. Rola, por vezes, desde sutis ameaças até a mais escancarada agressão. O blefe corre solto: “caso rodem meu filho, vou tirá-lo da escola”. Como se o pobrezinho fosse vítima senão do próprio desleixo e da falta de vigilância familiar. É duvidar, lá está o guri no ano seguinte, acompanhado da mãe, como se nada tivesse acontecido... A Lista tem sido a própria síntese da decadência e do fracasso escolares. Urge repensá-la, vê-la como a ínfima parte de um perigoso iceberg que coloca em risco gerações inteiras de naus a espera de um norte. Cabe, principalmente, a nós adultos (pais, professores, gestores, estudiosos...) apontarmos o caminho. Ah, antes que esqueça: parabéns ao que tiveram (ou tiverem) o nome inscrito na Lista. Quanto aos demais... 

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domingo, 16 de novembro de 2014

BUMERANGUE


BUMERANGUE
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Como um bumerangue mal arremessado que, ao retornar em direção a quem o lançou, atinge a jugular e ceifa a vida, assim tem sido comigo, contigo e com cada um de nós. A mesma sociedade que, diuturnamente, se queixa de ser “vítima” da violência – hoje não mais apenas urbana –, das mazelas nascidas da corrupção, da governança incompetente, quando não criminosa e irresponsável, do tráfico que a olhos vistos compromete o futuro de gerações inteiras e faz do viciado um completo imbecil, aniquilado do ponto de vista ético, moral, cognitivo e produtivo, esta mesma sociedade não passa, na verdade, de algoz dela mesma. As mesmas classes média e alta que tecem discursos inflamados contra a guerra do tráfico são as maiores consumidoras de maconha, ecstasy e cocaína, por exemplo. Muito comum é vermos o “filhinho de papai” – não raras vezes, o mesmo que ainda há pouco desrespeitava as regras da escola e mandava os pais tomarem no ... – infestar, em meio à roda de zumbis mentecaptos, o ambiente de praças e residências com o fétido cheiro da morte exalado pelo baseado. Ora, o que são as “aventuras” de tais adolescentes senão a face da mesma moeda que alimenta o crime organizado, as facções dentro dos presídios e o poder “paralelo” instalado, tal qual taenia, nas entranhas do Estado? Por que escandalizar-se com as cracolândias e não com as festas raves regadas a muito álcool, sexo e drogas? Por que escandalizar-se com a violência corporificada no vocabulário chulo ou no porte de arma do adolescente que guarda a boca de fumo e não com o uso irresponsável das redes sociais para ofender, difamar ou ameaçar? Por que escandalizar-se com as milhares de vítimas do trânsito e não com a direção perigosa, em alta velocidade e embaçada pelo torpor do álcool e dos entorpecentes? Quanta hipocrisia. Julgamos apenas pelo “fim” e não pelos “meios”, pela “aparência” e não pela “essência”. Assim, se a embriaguez não é descoberta e nem tampouco gera acidentes, está tudo bem. Caso o filho ou a filha, pouco mais do que uma criança, seja promíscuo, tudo certo, desde que se cerque de cuidados para evitar uma gravidez indesejada. Engravidando, contudo, é “só” abortar, desde que sob o manto da discrição e do anonimato. Observar que a prole chega em casa com objetos alheios ou com olhos a denunciarem o uso de drogas, tudo bem, mas que não venha ninguém reclamar. A sociedade que temos é a que merecemos. Colhemos, quase sempre, o que semeamos. Fazer da urna latrina e desejar que saia dela bons gestores ou representantes, é um engodo. Tratar o corpo como um receptáculo do consumismo doentio e querer uma longa vida com saúde física e mental é, no mínimo, uma grande ingenuidade. Imaginar um ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável sem abrir mão dos penduricalhos nascidos do Capitalismo, por sua vez, não passa de um enorme paradoxo. O “destino” parece algo inexorável. Assim como um bumerangue, a vida, muitas vezes, tem um caráter retributivo, refletindo nossas escolhas. A sociedade, em última instância, é nossa própria imagem e semelhança. 

domingo, 9 de novembro de 2014

CONVITE À PERMISSIVIDADE


CONVITE À PERMISSIVIDADE
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                O Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEED), através de uma de suas Comissões, acenou com a possibilidade de emitir um documento, em princípio sob a forma de Parecer, que traz, dentre outras coisas, a vedação às instituições de ensino, públicas e privadas, de suspenderem ou transferirem compulsoriamente alunos com problemas disciplinares. A malfadada iniciativa do Conselho conseguiu algumas proezas. A primeira delas foi a de colocar do mesmo lado da mesa os sindicatos patronal (SINEPE/RS) e de professores (SINPRO/RS), o que para muitos parecia impossível. Além disso, a minuta engendrada nas entranhas do referido Colegiado suscitou a indignação, para não dizer a ira, de quase todos os segmentos que compõem o próprio Conselho, reação esta que lançou dúvidas sobre a própria legitimidade da iniciativa do CEED. Verdadeiro tiro no pé. A Audiência Pública ocorrida na Assembleia Legislativa corroborou o que já se sabia. A maioria acredita que retirar da escola o direito de suspender ou transferir compulsoriamente o aluno indisciplinado, em casos comprovadamente necessários e justificáveis, fere não apenas a autonomia constitucional das instituições de ensino (privadas), mas reforça o pérfido hedonismo que há muito vem sangrando a ética e os mais elementares princípios de convivência social. Apesar das eventuais boas intenções (dizem que o inferno está cheio delas...) por detrás da iniciativa personificada na minuta em questão, urge posicionar-se contrário à “fórmula mágica” encontrada por alguns conselheiros frente à necessidade de se garantir o direito a todos os educandos – mesmo aqueles que demonstram não quererem – de assento nos bancos escolares. Esquecem eles, contudo, que as escolas, em princípio, são as primeiras a desejarem, por exemplo, não apenas a permanência, mas, sobretudo, o sucesso do educando. Não por acaso, todo o empenho dos professores e diversos Setores que compõem a escola no intuito de contribuírem para o crescimento cognitivo e humano do aluno. Além do mais, transferência para outras instituições de ensino, no caso das escolas privadas, representa, dentre outros prejuízos, uma diminuição no fluxo de caixa. Portanto, não é uma medida nem simpática, nem tampouco bem-vinda. Todavia, em casos pontuais – vale lembrar, que as transferências compulsórias representam um ínfimo percentual no universo de alunos – é, sem dúvida, uma “saída” (literal) necessária. As medidas extremas, e a transferência compulsória é uma delas, vêm sendo aplicadas naqueles casos onde a indisciplina do aluno é reiterada, onde se observam práticas e posturas inadmissíveis e de elevada gravidade, onde a omissão, condescendência e permissividade da família põem a perder todo esforço da escola no sentido de “resgatar” o aluno indisciplinado e onde a permanência do educando significa uma ameaça ao sagrado direito da maioria a um ambiente ordeiro, sadio e pedagogicamente adequado, por exemplo.  A escola, por vezes, comete abusos? É provável que sim. Aí entra, numa última instância, o Judiciário para reparar eventuais danos causados ao aluno e sua família. A contrariedade, quase unânime (neste caso, não é sinônimo de burrice...), à minuta do CEED não deixa dúvidas quanto à pretensão da maioria em não tergiversar ante a escalada do relativismo doentio que olvida os mais nobres e necessários valores historicamente construídos, valores estes indispensáveis à construção de uma sociedade melhor e mais fraterna. 

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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

SIMPLESMENTE, PROFESSOR...


SIMPLESMENTE, PROFESSOR...
Gilvan Teixeira
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                Sei que o Dia do Professor já passou. Homenagem extemporânea, quem sabe. Acho que não, afinal qual é o dia em que o professor não deva ser lembrado? Afinal, há quem leve, inclusive, a imagem do professor ou da professora para a mesa, para a praia e, se duvidar, para cama... Existem os que preferem, obviamente, levar – neste último caso – não apenas a imagem. Ainda ontem estava assistindo alguns vídeos no youtube, quando me deparei com a animação abaixo:



Perceberam? Não é nosso próprio retrato, imagem e semelhança? Não são poucos os que sonham em ser um professor “ideal”, numa sociedade ideal, dentro de uma escola ideal, ocupada com o aluno ideal... Tais como as nuvens brancas a produzirem lindos e adoráveis gatinhos, cãezinhos e bebezinhos rechonchudos. Caberia, assim, ao educador – da mesma forma que à alinhada cegonha – apenas a tarefa de “finalizar” o trabalho. Uma barbada! Apesar de simpática, a ideia de tamanha perfeição passa de largo frente à dura realidade. Pessoas de carne e osso carregam em sua essência as imperfeições do “barro” original. Habitam escolas que, não raras vezes, têm na falta da pintura, no quadro-verde danificado e nos banheiros emporcalhados seus menores problemas. Tais como as nuvens escuras, escolas inseridas num contexto de violência, insalubridade, vulnerabilidade, desrespeito e falta de esperança. Assim como a cegonha desajeitada, cansada e maltrapilha, o professor faz das tripas coração para sobreviver em meio a tantas adversidades. Apesar dos salários aviltantes e do parco reconhecimento social, teima em acreditar em dias melhores. Diariamente, recebe em suas mãos jacarezinhos, bodinhos, quando não  enguias e tubarões. Crianças, adolescentes e adultos muitas vezes feridos na alma e desassistidos na vida. Alunos e alunas limitados menos por eventuais deficiências do que pela histórica e irresponsável incompetência do Poder Público. Ainda assim, o professor segue adiante. Busca forças, sabe-se lá onde. Gasta o tempo e o dinheiro que não tem, em busca da própria “formação”. Não desiste, ainda que – durante uma vida inteira – nade contrário à maré. Vê beleza onde ninguém mais vê. Vislumbra luz onde outros veem tão-somente nada mais do que escuridão. Daí ser alguém muito especial. Feliz Dia do Professor!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

RODA DE SABERES


RODA DE SABERES
Gilvan Teixeira
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                Pode haver melhor forma de refletir e discutir história do que através da poesia? Pode existir melhor maneira de dialogar com o “outro” e consigo mesmo do que através do verso? A prosa e a rima desarmam e seduzem. Diferentemente do canto das sereias que apenas encanta e, por fim, tira do homem a seiva da vida, a poesia convence, pois que fala ao coração. Mesmo a dor, quando peneirada por entre as estrofes e refrões, é amainada, tornando-se quase uma companheira, apesar de incômoda. Refletir sobre o passado, embalado pelo atabaque, é como navegar por entre as ondas do grande mar. Saborear a letra que brota dos cordéis e dos livros é como deliciar-se em meio aos manjares apimentados do Pelourinho, é como lambuzar-se com as cocadas açucaradas anunciadas nas ladeiras cercadas por casinhas coloridas. A ginga sensual da negra no meio do salão é um convite à dança. Feito a presa hipnotizada pelo movimento da serpente, o espectador entrega-se por completo, um tanto que embriagado pelo prazer instigado por aquelas curvas mal escondidas sob o vestido rendado. Histórias vão sendo contadas através dos pequenos nacos de papel pescados dentro do cesto. Uma espécie de costura coletiva, onde o que se tece é um lindo mosaico multicolorido. Palavras que vão dando sentido às coisas, resgatando não apenas memórias, mas vidas. Sofrimentos e paixões de outrora ressurgem com força através das letras que vão constituindo as palavras. Verbos que vão constituindo as pessoas. O que são estas senão produto da própria palavra? A literatura adverte e subverte. Ela transforma, daí ser, por alguns, odiada, menosprezada e perseguida. Quando comungada, então... Poucos não são os que tentam eternizar o navio tumbeiro, em especial a escuridão que embota o olhar. Soubessem eles que aquela gente trazia era na alma as vogais e consoantes que vão dando forma e sentido à existência. Grilhões aprisionam tão-somente o corpo, jamais as ideias. A oralidade, feito o sopro que insufla a chama, preserva o passado, dignifica o presente e anuncia dias melhores. Enquanto o pandeiro e o agogô vão dando o ritmo, a roda de cadeiras vai girando. É sair um, logo atrás vem outro. Roda democrática, que não obriga, mas convence. Roda de saberes distintos, de vivências únicas, de experiências singulares. Unidade que na roda não se dissipa, mas se fortalece, sem que isso represente a tirania de um sobre o outro. Até porque “um” inexiste sem o “outro”. É este último (ou será “primeiro”?) que embeleza e ressignifica o “eu”. A poesia transborda na roda. Diverte e alimenta. Sacia e acalenta. Aquece e encanta. Seduz e humaniza... É a poesia, mesmo a mais singela e discreta, que nos faz diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais. Aproxima e apaixona. Ensina, não por meio da dor... Até a vara de marmelo, quando não mais do que literatura, provoca risos. Açoita e põe a correr a dor, ou, então, dá a esta última, novo sabor. Viva a poesia. Poesia é vida. 

Veja também:
http://educacao.cachoeirinha.rs.gov.br/index.php/26-noticias/outras-noticias/391-roda-de-saberes.html

http://www.institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=e2646871a545a1061d0695e71051c8a9

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

CAXIAS DO SUL, A TERRA DA UVA E DA MULTA


CAXIAS DO SUL, A TERRA DA UVA E DA MULTA
Gilvan Teixeira
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                É ir à Terra da Uva para receber de “brinde” uma, duas ou mais multas por “excesso de velocidade”. Pudera, a confusão (proposital?) de informações tonteia até mesmo o mais atento dos motoristas. Sessenta quilômetros aqui, enquanto dali quinhentos metros oitenta,  pouco mais adiante o que vale são os setenta... Uma tremenda babel. A indústria da multa no Rio Grande do Sul, de forma especial na estrada que leva à Caxias do Sul – via Farroupilha – vem engordando os cofres do governo e esgotando a paciência do contribuinte. Os radares móveis mais fazem lembrar as “pegadinhas” de programas humorísticos. Não fosse trágico e caro, seria cômico. É de tirar do sério as artimanhas dos patrulheiros da Polícia Rodoviária Estadual para, às escondidas, atocharem multas nos motoristas. O cunho pedagógico cede lugar à vil e insana prática arrecadatória do Estado. É a multa como um fim em si mesmo. Escondidos por detrás de placas (muitas delas gastas menos pela ação do tempo do que pela omissão do ente público) ou enfiados em meio ao mato alimentado pela incompetência dos órgãos responsáveis pela conservação das rodovias, os agentes do Estado ficam à espreita, feito raposas à espera da presa. Fazem lembrar as víboras a destilarem o veneno diante dos “ratões” que pagam a conta. Segurança e sinalização na estrada que é bom, nada. Guard rail a reforçar a segurança nas curvas da serra que é bom, nada. Viaturas a coibirem os assaltos à noite nas estradas que é bom, nada. As maquininhas usadas pelos patrulheiros mais fazem lembrar caça-níqueis, alimentando a gula de um Estado mastodôntico e ineficaz. A mesma agilidade que sobra na arte vampiresca de sugar os cobres do cidadão, falta na prestação dos serviços públicos. Uma espécie de círculo vicioso, ou seria circo onde o palhaço somos nós? Servidores públicos a serviço de quem? Ora, o que de fato fomenta a tragédia no trânsito, senão, principalmente, a impunidade do mesmo Estado que multa? Os homicidas, movidos quase sempre pelo álcool ou pela droga, que fazem do veículo uma arma, zombam das penas eventualmente aplicadas e, quase sempre, não cumpridas. Os “magrinhos” seguem seus rachas nas principais vias públicas sob o olhar complacente de quem deveria coibi-los. Todos sabem, menos os órgãos fiscalizadores e repressores. Enquanto isso, pais e mães de família, trabalhadores e trabalhadoras, a maioria jamais envolvida em qualquer espécie de acidente, são surrupiados em nome de uma fantasiosa política de “prevenção”. Rodar pelas estradas de nosso (nosso?) Rio Grande tem sido uma triste caixa de surpresa. É retornar para casa e aguardar o carteiro com aquela maldita “notificação” para ser assinada. Isso quando os “presentes” do DETRAN não vêm em penca. Quanto ao “recurso”, é para lá de sabido, que – salvo raras exceções – não passa de mera ficção jurídica, pois que na prática raramente o interessado vê seu pedido deferido. Resta ao coitado abrir mão da próxima Festa da Uva e, se possível, manter distância dos parreirais de Caxias. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

ANTIPETISMO: SAÍDA PARA CRISE?


ANTIPETISMO: SAÍDA PARA CRISE?
Gilvan Teixeira
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                Findo o primeiro turno das eleições deste ano (2014), restou clara uma espécie de “antipetismo” por grande parte do eleitorado. Votantes que, embora nem um pouco convencidos acerca dos candidatos a serem escolhidos, tinham uma só certeza: não votar no Partido dos Trabalhadores. Tamanha ojeriza e repúdio ao PT, obviamente não é de graça. Os vícios que outrora configuravam o principal alvo dos discursos inflamados dos “companheiros”, há algum tempo – a coincidir com os sucessivos mandatos sob a liderança do PT – vêm corroendo as administrações petistas em todas as esferas. Corrupção, malversação de recursos públicos, apadrinhamento, confusão entre público e privado, loteamento do Estado e das empresas públicas pelos “amigos do rei”, são apenas alguns tristes e vergonhosos exemplos dos condenáveis pecados praticados pelo partido que até pouco tempo atrás se arvorava como sinônimo de honestidade, ética e “nova forma” de governar. A política petista – política esta, vale lembrar apoiada e respaldada por muitos outros partidos, como o próprio PMDB, que aqui no Rio Grande do Sul tem em Sartori seu candidato ao governo estadual – vem se mostrando nefasta. A carga tributária insana, somada à precariedade dos serviços públicos, faz do Brasil um dos maiores paradoxos da Terra. Apesar de ser uma potência econômica, o país segue no rol dos países com pior distribuição de renda, onde a maioria permanece alijada das mínimas condições de saúde, segurança, educação e saneamento básico, por exemplo. O discurso paradisíaco, recheado de cifras estratosféricas, contrasta com a realidade fria do dia-a-dia. Os números, produto muitas vezes do marketing pago a preço de ouro, se mostram incapazes de arrefecer o mau cheiro que nasce do “chorume” de Brasília. O que se vê, de fato, é, por exemplo, a classe trabalhadora vendo seu poder de compra achincalhado pela extorsão tributária via imposto de renda, aposentados vitimados pelo pérfido fator previdenciário, empresários encurralados por taxas de juros abusivas, mães a verem seus filhos e filhas se perderem em meio à violência e ao tráfico, crianças e jovens enfiadas em escolas sucateadas que pouco ensinam, sistemas prisionais aquém das masmorras medievais... Exemplos não faltam para testificarem a falência do Estado no Brasil. Culpa de quem? Arrolar o PT com único responsável por tamanha tragédia é, no mínimo, ingênuo. A falha na gestão é histórica, antecedendo e perpassando não apenas o Partido dos Trabalhadores, mas quase todas as agremiações que povoam o confuso e risível quadro partidário nacional. A “sopa” de letras e siglas existentes comprova a imaturidade política de nossa gente. A pocilga político-partidária em que se transformou o Brasil é motivo não apenas de chacota, mas de preocupação com os rumos deste país. O antipetismo, apesar de compreensível, é injustificável, pois não passa de um reducionismo simplório e quase irresponsável. O “furo” é muito mais embaixo. O que faz água são as estruturas da República, corroídas que estão pelos ratos das mais diversas cores partidárias. Partidos são feitos de pessoas. Estas é que são honestas ou não, honradas ou não, éticas ou não. Os partidos, em tese, deveriam representar ideologias distintas e, por conseguinte, vir ao encontro de determinados segmentos da sociedade. Contudo, no Brasil, objetivando abarcar o maior número possível de eleitores, os partidos perdem em originalidade. A chegada e a permanência no “poder” passam a ser um fim em si mesmo e, para isso, amancebam-se e se prostituem. Daí soar como “natural” – não como “ideal” – o voto na “pessoa” e não no “partido”. Talvez aqui esteja a saída para o atávico imbróglio político-partidário nacional. Bem-vinda seja a dialética que daí nasce. Cabe ao eleitor escolher o candidato com as melhores credenciais e que represente seus interesses. Cabe ao eleito, por sua vez, tensionar sua agremiação para que faça jus à respectiva “bandeira”. Cabe, por fim, ao partido zelar pela “fidelidade” de seus representantes e cumprimento de seus princípios, depurando – sempre que necessário – seus “quadros”, tendo por norte a ética e a coerência programática. 

domingo, 5 de outubro de 2014

EXCEÇÃO OU REGRA?


EXCEÇÃO OU REGRA?
Gilvan Teixeira
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                A merecida homenagem ao aluno, que devolveu os cinquenta reais encontrados no pátio do Instituto de Educação São Francisco, suscita algumas certezas e desencadeia muitas dúvidas. É certo, por exemplo, que existe gente honesta. A dúvida, paradoxalmente associada à certeza anterior, diz respeito ao número de pessoas que podem ser arroladas como ilibadas. Até porque é comum, mesmo entre aqueles que se mantêm vigilantes quanto às inúmeras tentações da carne, deslizes, ainda que pequenos. Contudo, mesmo sendo todos pecadores – alguns tidos como mais, outros menos –, é inegável o sentimento de conforto e esperança quando nos deparamos com atitudes como a do aluno. Por que não ficou com o dinheiro? Poderia engambelar a consciência sob o conhecido argumento de que “achado não é roubado”. Optou por devolver o valor encontrado. Quebrou a perversa lógica de encontrar explicações para o inexplicável, e justificativas para o injustificável. Superou a vergonhosa tendência de trilhar o senso comum de que agir como a maioria, ainda que o referido agir seja eticamente repreensível, abona os eventuais deslizes cometidos. Assim como o aluno, muitos são os que não titubeariam em fazer o que é certo. Outros tantos, ainda, mesmo que titubeantes, após uma “crise” de consciência, também fariam o que é certo. O problema são aqueles que, sendo ou não abalados pelo dilema interior da consciência, optam pelo caminho errado. Trata-se de um liame, por vezes, muito tênue, mas que faz toda a diferença, pois que distingue o honesto do desonesto, o bom do mau, o probo do improbo. A família, sem dúvida, tem indelével papel no desenrolar da história. O exemplo dos pais, o zelo pela verdade, a disciplina exigida à prole são determinantes na formação do caráter dos filhos e filhas. Inegociáveis são, por exemplo, o respeito, a responsabilidade, o cumprimento às regras estabelecidas – desde que obviamente justas – e a honestidade. Virtudes não surgem do nada, mas brotam das relações que se estabelecem no cotidiano do lar. Os desejados frutos são semeados, amadurecidos e, quase sempre, colhidos, no seio familiar. Virtudes são construídas em meio ao afeto, à autoridade, ao perdão e a todos os demais frutos que nascem do amor. Este pressupõe condescendência e cumplicidade, mas apenas quando eticamente pertinentes. Amar exige compreensão e diálogo, desde que jamais confundidas com anuência aos desvios de conduta. Amar é cuidar, vigiar e insurgir-se contra as terríveis pragas do mundo moderno, por vezes escondidas sob o manto de modismos que, no fundo, corroem as estruturas da família e colocam em risco não apenas o presente, mas o futuro de nossas crianças e adolescentes. Os “zumbis” a povoarem as praças e “cracolândias”, por exemplo, ainda ontem não passavam de crianças sob os cuidados (descuidos!) dos pais. O medo ou a fraqueza de dizer “não” ao rebento, de colocar e exigir limites aos excessos da criança, serviram – mesmo que inconscientemente – de combustível  a alimentar o triste mundo do crime e do tráfico. Gerações inteiras de desgarrados e fracassados. Pais verdadeiramente presentes geram bons frutos. Parabéns ao aluno e aos amados pais que fizeram dele um exemplo a ser admirado e, principalmente, seguido.  

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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

BASE NACIONAL COMUM: UMA SAÍDA DEMOCRÁTICA PARA O ENSINO?


BASE NACIONAL COMUM: UMA SAÍDA DEMOCRÁTICA PARA O ENSINO?
Gilvan Teixeira
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                Corre a notícia acerca da intenção do Ministério da Educação (MEC) em construir uma Base Nacional Comum para a Educação Básica. A ideia, em que pese nada ter de nova, suscita uma série de dúvidas e desconfianças. Tal iniciativa não engessaria o trabalho docente? Não colocaria em risco a autonomia das escolas? Não olvidaria as idiossincrasias regionais deste país continental? Os argumentos contrários e favoráveis à implantação de uma Base Nacional Comum surgem, ambos, na mesma velocidade. Alguns mais, outros menos convincentes. A intenção do ente federal parece boa, pois favorece a construção de uma espinha dorsal programática em âmbito nacional, opção esta que vem ao encontro, por exemplo, de outras iniciativas federais como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Arruma-se, até certo ponto, a “casa”, ao menos sob o ponto de vista formal. Todas as escolas do país, públicas ou não, passariam a contar com uma espécie de “listagem” comum de conteúdos mínimos a serem trabalhados nas respectivas séries/anos da Educação Básica. Acabaria com esta “Babel” que conhecemos, onde inexiste qualquer coerência ou homogeneidade no que tange aos conteúdos trabalhados pelas instituições de ensino, situação esta que, diga-se de passagem, traz sérios prejuízos aos educandos, especialmente aqueles que, por algum motivo, transitam de uma escola para outra, de uma cidade para outra ou, ainda, de um estado federativo para outro. Quanto às diferenças regionais, por óbvio existentes, a saída parece ter sido pensada pelo MEC. A Base Nacional Comum representaria cerca de dois terços do total de conteúdos a serem trabalhados, sendo que o restante seria utilizado para inserção de conteúdos tipicamente regionais ou locais, iniciativa este que garantiria o respeito às diferenças existentes neste país de invejável dimensão territorial. Por outro lado, a implantação de uma Base Nacional Comum nem de perto é garantia de melhoria da qualidade do ensino ofertado neste país. A simples “previsão” de um rol de conteúdos mínimos a serem estudados não é sinônimo de efetiva aprendizagem. É para lá de sabido – em que pese a histórica omissão, incompetência e irresponsabilidade do Poder Público, por exemplo – que um “ensino” de qualidade passa, sobretudo, por efetivos investimentos na infraestrutura física das escolas, na formação profissional do corpo docente, na valorização salarial do magistério e na competente gestão escolar. Optar pela mera implantação de uma Base Nacional Comum, sem levar em conta os demais fatores, é inócuo e absolutamente estéril. Infelizmente, não são poucas as iniciativas governamentais concebidas em gabinetes e completamente distanciadas da vontade da maioria ou mesmo dos segmentos diretamente envolvidos com o assunto em questão. O Estado brasileiro, apesar de mastodôntico, parece acéfalo. Absurdamente caro, porém incapaz de responder ao mínimo daquilo que se espera dele. Assim, não causam estranheza as desconfianças acerca das intenções do Ministério da Educação. O tema, contudo, merece uma profunda reflexão, pois diz respeito ao mais importante pilar constitutivo do desenvolvimento econômico e social. 

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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A GLOBALIZAÇÃO E OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS


A GLOBALIZAÇÃO E OS MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS
Prof. Gilvan Teixeira
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                Historicamente, sempre houve a migração do homem de um lugar para outro. Já na Pré-História, tudo leva a crer que grupos humanos deslocavam-se à procura de alimentos ou, então, impelidos por outras questões de sobrevivência. A Idade Antiga, por sua vez, é rica em exemplos de grandes fluxos migratórios. O Êxodo bíblico e a ocupação (“invasão”) bárbara sobre o Império Romano ilustram a assertiva. Na virada da Idade Média para a Moderna, tivemos o chamado “desencravamento” planetário, onde uma grande leva de europeus singrou o Atlântico em direção ao chamado Novo Mundo. No século XIX, tivemos – no caso do Rio Grande do Sul – uma intensa onda migratória, principalmente de alemães e italianos. Conclui-se, portanto, que as migrações de toda ordem antecedem a Globalização.

                Quanto às migrações internacionais, podemos falar em “imigração” (chamada, ainda de movimento de “atração” ou de “afluxo”) e “emigração” (“repulsão” ou “refluxo”). Enquanto a primeira diz respeito à entrada de pessoas no país, a última representa o movimento inverso, ou seja, o de saída de pessoas do país em direção a outro. Resta claro, portanto, que ambos os movimentos representam dois lados de uma mesma moeda. Um inexiste sem o outro. Dentre as principais causas dos fluxos migratórios internacionais, podemos citar os conflitos armados, os desastres ambientais e, principalmente, as questões de ordem socioeconômica. A busca por melhores condições de vida tem sido a grande força propulsora para o deslocamento de pessoas, seja no âmbito interno, seja, ainda, na esfera internacional. As consequências advindas dos movimentos migratórios internacionais são inúmeras. Uma delas, a mais óbvia, diga-se de passagem, é a alteração no número de pessoas dos países envolvidos. Outra é a sobrecarga, por vezes, em relação aos serviços públicos. Não por acaso, tem sido acentuada a resistência, principalmente por parte dos países desenvolvidos no que tange à acolhida dos imigrantes. Estes, quase sempre, são vistos como um verdadeiro problema, portanto mal quistos e indesejados.


                Quanto às migrações internas, podemos destacar o Êxodo Rural (saída do campo em direção à cidade), os Movimentos Sazonais (ou Transumância) e, finalmente, o chamado Movimento Pendular. Quanto ao Êxodo Rural, ao menos no Brasil, hoje perdeu força comparado ao passado. Ao contrário do período que se estendeu, principalmente, entre as décadas de 1930 e 1980, quando o país transformou-se em “urbano”, aos poucos tais migrações vêm se amainando. Já não têm sido tão comuns. O que se vê, hoje, é uma espécie de Êxodo às avessas, onde tem sido comum a “fuga” em direção às zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos, fenômeno este motivado pelos altos preços das áreas urbanas, pela violência, pelo trânsito caótico e pela vida comprovadamente estressante em meio à “selva” de concreto em que se transformaram as principais cidades do país. Quanto aos Movimentos Sazonais, podem ser facilmente exemplificados através daquilo que se vê no Nordeste brasileiro. O sertanejo, no período de seca no Sertão, migra em direção à Zona da Mata, seja fugindo da estiagem, seja ainda na busca de trabalho junto às fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Quando retorna o período de chuvas no Sertão, o que coincide com o fim da colheita da cana, o sertanejo volta para o local de origem. Finalmente, o Movimento Pendular é aquele onde o sujeito sai, diariamente, de sua cidade em direção à outra para trabalhar, retornando ao término do dia. Tal fenômeno é comum junto às chamadas “regiões metropolitanas”, onde o processo de conurbação é mais acentuado. 

domingo, 24 de agosto de 2014

A POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA


A POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA
Prof. Gilvan Teixeira
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                Dentre as principais definições para População Economicamente Ativa (PEA), podemos destacar aquela que afirma ser o conjunto de pessoas de um determinado lugar inserido no mercado de trabalho ou em busca de alguma ocupação remunerada. Assim, podemos incluir na PEA, por exemplo, todos aqueles que, apesar de ainda não empregados, buscam alguma atividade que receba, em troca, pagamento de terceiros. Vale lembrar, contudo, que normalmente, é adotado como limites etários mínimo e máximo para inclusão na PEA, 15 e 65 anos respectivamente. Por outro lado, quem não deve ser incluído na PEA? Aposentados, inválidos, donas de casa, estudantes e crianças, por exemplo. Na prática, entretanto, parece não ser tão simples assim. Até porque, no Brasil, percebe-se um grande esforço de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pessoas estas que até pouco tempo eram tidas por “inválidas” do ponto de vista econômico. O que dizer, ainda, dos aposentados que retornam ao mercado de trabalho e solicitam a “desaposentadoria”? Peculiaridades, enfim, que marcam o cotidiano não apenas do nosso, mas quem sabe de inúmeros outros países.

                A PEA tende a ser proporcionalmente maior nos países desenvolvidos, onde predomina uma população adulta, ao contrário da maioria dos países do Sul. Vale lembrar, ainda, que a diferença entre a PEA e a população dita “ocupada” (aquela efetivamente inserida no mercado, portanto aí não incluídos os desempregados) tende a ser menor naqueles países onde a qualidade de vida é melhor ou então naquelas economias marcadas pelo flagrante crescimento. Assim, por exemplo, o Brasil – apesar de ser um país do Sul – vem conseguindo bons resultados quanto à PEA. Esta, sem dúvida, apresenta variáveis e, muito comumente, fica à mercê dos percalços e crises econômicas nacionais e internacionais.

                Outro conceito importante visto em aula é o da População em Idade Ativa (PIA). Apesar da relação existente com a PEA, ambas não se confundem. A PEA tende a ser menor do que a PIA, afinal é comum observarmos pessoas em idade para o trabalho (15-65 anos) fora do mercado, ou por opção pessoal, ou por força de contingências de toda ordem como, por exemplo, limitações físicas, neurológicas, inexistência de oportunidades, profundas crises econômicas e humanitárias, dentre outras.


                Finalmente, vale salientar que um dos grandes desafios hodiernos, especialmente para aqueles países que pretendem alavancar o desenvolvimento social e econômico, como o Brasil, é a formação de uma PEA qualificada, principalmente junto aqueles setores da economia onde o grau de pesquisa e de tecnologia é mais acentuado. O sucesso para tamanha empreitada passa, necessária e obrigatoriamente, pela educação de qualidade, pela existência de uma escola (Ensinos básico e superior) voltada à formação ética, intelectual e pragmática, associada à vida e às demandas que dela nascem.   

O ESTADO E A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA


O ESTADO E A DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Prof. Gilvan Teixeira
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                A distribuição de renda é, sem dúvida, um importante – senão o principal – fator para o desenvolvimento social de um país. Não por acaso, é considerada a característica marcante a definir se um Estado insere-se no rol dos países do Norte (mundo desenvolvido) ou do Sul (mundo subdesenvolvido). Tem ela relação direta com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), índice este que permite medirmos, claro que não de maneira absoluta, a qualidade de vida de um país. O Brasil, apesar de ser uma das maiores economias da Terra, segue na vergonhosa lista dos países de pior distribuição das riquezas, onde uma pequena parcela da população detém uma grande “fatia” daquilo que o país produz, enquanto a esmagadora maioria de nossa gente segue à margem dos serviços básicos de qualidade: saúde, segurança, educação, transporte, saneamento, moradia, lazer... Fere-se, no Brasil, não apenas aos direitos constitucionais, mas à dignidade da pessoa humana, tudo sob o olhar omisso de um Estado que, historicamente, tem se mostrado subserviente aos interesses das elites.

                A história do Brasil está marcada pela incapacidade do Estado em propiciar uma justa, permanente e significativa distribuição da renda nacional. A independência frente a Portugal, em 1822, foi, sobretudo, “formal”, afinal as pérfidas estruturas socioeconômicas a privilegiarem apenas alguns poucos seguiram sendo a tônica durante o governo monárquico (1822-1889). A escravidão, o latifúndio, a pífia participação política, o coronelismo, a confusão entre público e privado continuaram preponderando. O advento da República (1889) foi incapaz de subverter as referidas estruturas, prova disso foi a vexatória política do “café-com-leite” que alijava da participação política, no cenário nacional, quase todos os entes da frágil “federação”. Éramos, à época, o país do voto de cabresto, da marginalização da mulher e da inexistência de qualquer legislação que salvaguardasse, de maneira efetiva, os direitos trabalhistas. Mesmo os avanços trazidos pelos governos posteriores (especialmente, Getúlio e Juscelino) – como a universalização do voto, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e as conquistas no campo econômico, foram insuficientes para alavancar uma profunda melhoria na qualidade de vida da maioria da população. A Ditadura Militar (1964-85), como era de se esperar, pouco ou nada contribuiu para tirar o Brasil do rol de países subdesenvolvidos, situação agravada, ainda, pelo cerceamento dos direitos mais elementares.


                A famigerada “Abertura” e a volta à aparente (fictícia, por vezes...) democracia, na prática, tem representado a permanência de muitos dos antigos grupos (elites) no poder. Alguns nomes e famílias vêm se perpetuando nos postos-chave decisórios, status quo que segue alimentando a injusta distribuição de riquezas neste país. O uso da máquina pública (Estado) para obtenção de vantagens pessoais (ou de grupos) permanece, maculando a imagem do Brasil junto à população e à comunidade internacional. Somos conhecidos como o país da corrupção, da vantagem indevida, do “jeitinho”, do aniquilamento da ética e do mais profundo e atávico “analfabetismo político”. Por outro lado, é preciso que se diga que, algumas ações vêm sendo feitas no sentido de “transferir” renda para a população menos favorecida. São algumas políticas de Estado (portanto, ao contrário das de “governo”, têm o caráter duradouro e permanente) que buscam mitigar as desigualdades sociais. Inserem-se nelas as chamadas “políticas afirmativas” (sistema de “quotas” nas universidades, inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, geração de renda, etc.), iniciativas estas, comumente, eivadas de críticas por parte daqueles que veem em tais “políticas” não mais do que medidas de cunho “eleitoreiro”.  

sábado, 12 de julho de 2014

A CARA DO MORTO


A CARA DO MORTO
Gilvan Teixeira
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                Mais um Conselho de Classe. Vira e mexe, é quase sempre a mesma história. Discute-se a “cara” do morto e não sua causa mortis. Desloca-se o foco da discussão para o vértice do iceberg (a ínfima pontinha que emerge do oceano) e não para o imenso e complexo bloco escondido sob as águas geladas e profundas. Por quê? Talvez por ser mais fácil e menos incômoda a observação. Qual é o sentido de discutir aquilo que é óbvio? Ora, que o morto está ali, estirado sobre o ataúde, todos sabem. Vã é a tentativa de melhorar a cara do finado. Apor um asterisco aqui ou acolá, objetivando diminuir o número de reprovados em favor dos “evadidos”, é como passar blush no “presunto”, não resolve o problema e pouco serve para mascará-lo. O corpo segue gelado, o cheiro típico permanece e, para piorar, aquelas mosquinhas insistentes fazem lembrar tratar-se de um velório. Por que o aluno reprovou ou, usando um (mais um!) eufemismo, “permaneceu”? Por que desistiu e quem o fez? Terá sido o aluno a abandonar a Escola ou esta (nós!) o largou de mão? Quem sabe, ambos? Quais as razões para tamanha fuga? Urge deixarmos de lado o amadorismo e a superficialidade. O esforço hercúleo e louvável de sair em busca de adolescentes e adultos para ocuparem as classes na EJA será em vão, caso não consigamos estancar a hemorragia discente. Qual é o caminho? Acredito inexistir um, já dado e pronto. Precisamos, coletivamente, buscar uma ou mais saídas para o problema. Ela(s) passa(m), obrigatória e necessariamente, primeiro, pelo “querer” de cada profissional, pela disposição individual em pesquisar, repensar, planejar e trabalhar com vistas ao interesse coletivo. Este último, diga-se de passagem, extrapola qualquer espécie de corporativismo funcional doentio e, a priori, deve estar consubstanciado na Proposta Político-Pedagógica, bem como no Regimento Escolar. Todos, em especial os educadores, devem conhecer os documentos norteadores da Instituição. Como é a comunidade no entorno da Escola? Qual o perfil “médio” do público que busca matrícula na EJA? Qual é a “cara” que desejamos dar à EJA? Qual a formação mínima que o educando deve ter ao finalizar o curso? O que defendemos enquanto princípios de convivência? Enfim, inúmeras são as perguntas que a Escola deve elaborar e buscar responder antes de simplesmente sentenciar o “avanço” ou a “permanência” do aluno. Tão irresponsável e perigoso quanto “reprovar” um educando sem ter-lhe garantido a oportunidade de “avançar” é, por outro lado, “aprová-lo” sem justificativa plausível. Tem sido muito comum o discurso que faz do educando um perfeito idiota, como se o mesmo fosse incapaz de aprender e/ou assumir responsabilidades. Cabe à Escola, sim, posicionar-se contrária à indolência e à indisciplina, por exemplo. Uma educação de qualidade passa pela valorização das práticas e iniciativas positivas, entronizando-se valores universais, como o respeito, a ética, a honestidade, o empenho e a responsabilidade. Esforços não devem ser medidos no intuito de resgatar o sujeito, valorizá-lo e incluí-lo. O “fracasso” (reprovação, evasão, etc.) de cada aluno, em regra, deve ser visto, também, como o fracasso da família, do Estado, do diretor, do professor, do orientador, do supervisor... Trata-se de um fracasso coletivo, de uma tragédia sem “culpados”, mas com múltiplas responsabilidades. A Escola – assim como os hospitais e os fóruns, por exemplo – não deve ser espaço para amadorismo. Requer muito trabalho e profissionalismo. Não deve haver lugar para “jeitinhos” e fórmulas mágicas. Exige-se conhecimento, coerência, planejamento, resiliência... Acreditar na EJA é apostar na possibilidade de construirmos uma sociedade melhor. Urge a necessidade de debatê-la, confrontá-la, eviscerá-la. Seja a Educação de Jovens e Adultos terreno fértil para transformações individuais e coletivas. Iniciativas como a do EAD, abrindo-se um leque de possibilidades, são muito bem-vindas, contudo insuficientes se nossas práticas continuarem sendo as mesmas. Assim como Lázaro, quem sabe ressuscitemos até mesmo os aparentemente já “mortos”? Para tanto, mister é que façamos uso do poder do amor e da cumplicidade com a sorte alheia, e não dos “cosméticos” preconizados por alguns.  

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terça-feira, 1 de julho de 2014

AS PEDRAS DE DAVI


AS PEDRAS DE DAVI
Gilvan Teixeira
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                Certa feita, tive o privilégio de ouvir numa reunião de escola alguém falar das pedras de Davi. Quais são as “pedras” que temos escolhido para lançarmos em direção ao “Golias” que, a todo instante, atravessa nossa vida? Têm sido as pedras certas? Têm sido as pedras apropriadas? Temos assistido levas e levas de homens e mulheres, de todas as idades, condições socioeconômicas das mais diversas, instruídos ou não, religiosos ou agnósticos, enfim, miríades e miríades a usarem de pedras que mais parecem bumerangues, onde a grande vítima acaba por ser aquele que as lançou. Enquanto isso, o algoz se fortalece. Ao invés de um, passam a ser dois, três, quatro incontáveis e intermináveis problemas... A seiva que, talvez, já não fosse intensa, esvai-se ainda mais. O inimigo se fortalece. Por que há tantos que lapidam a si mesmos? Apedrejam-se? Voltam-se contra as próprias entranhas? Alimentam tumores do corpo e da alma? Espantam o sono e afugentam os sonhos? Homens e mulheres tristes e entristecedores. Contam nos dedos os momentos de felicidade e fazem vistas grossas à vida que brota a cada instante, em cada canto, em cada sorriso, em cada abraço. Pais que sofrem e fazem sofrer a prole, negando a esta o norte ou fazendo da paternidade uma espécie de roleta russa, onde – salvo os poucos lampejos de sorte – a droga, a indolência, a indisciplina e a morte espreitam e comprometem o futuro. Homens e mulheres que fazem da depressão uma espécie de moda, garganteando a dependência terapêutica e farmacológica. Entregam-se a um mundo de “faz-de-conta”, marcado pelo consumismo doentio e árido de valores perenes. Homens e mulheres que esperam do Estado, dos “outros” (amigos ou não) e dos filhos aquilo que jamais cultivaram. É crível que o lavrador colha o que jamais semeou? Qual é o Golias que desejamos enfrentar? Qual sua real força e tamanho? Quem o alimenta e de que forma? Não será ele, no fundo, a sombra ampliada por nós produzida? Onde reside a maior ameaça, no tamanho do inimigo à nossa frente ou na imagem que dele fazemos? Pedras, há muitas. Tamanhos, formas e cores das mais variadas. Talvez estejamos escolhendo as erradas, as mais (ou menos) acessíveis, as mais (ou menos) pesadas, as pouco resistentes... Urge certa dose de sabedoria para escolhê-las. Por que não ouvir a voz do coração? Por que não dar espaço ao silêncio que instrui? Por que não apostar no amor? Por que não confiar? Por que não dobrar-se sobre os joelhos e chorar? Por que não entregar-se à humildade? O verdadeiro gigante, quem é? Pertence a quem o nosso destino? Qual é o tamanho e o foco de nossos sonhos e desejos? Façamos das pedras poderosas armas, matérias-primas para edificação de estradas que apontem para um ser humano melhor. Pedras a adornarem mosaicos formados de solidariedade, ética, respeito, alteridade... Cumpram elas outro papel que não o de nossa lápide, sob o olhar zombeteiro e triunfal de Golias.  

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segunda-feira, 30 de junho de 2014

CARTA À CÂMARA


CARTA À CÂMARA


            Nós, alunos do Sexto Ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade semipresencial (EAD), da EMEF Fidel Zanchetta, saudamos, na pessoa do Presidente desta Casa, a todos aqui presentes. A presente Carta é fruto do Projeto “Saúde Pública: conhecer para exercer”, iniciativa esta interdisciplinar e desenvolvida ao longo do primeiro semestre de 2014. A ideia central do Projeto é a questão da saúde pública em Cachoeirinha e, de forma muito especial, na Vila Fátima e arredores. Queríamos, juntos, entender quais os principais problemas e dificuldades enfrentados por nós e nossas famílias no que diz respeito à saúde. Mais do que isso. Desejávamos que nossa indignação chegasse aos “ouvidos” do Poder Público. Esperamos – e lutaremos por isso – que nosso “grito” traga melhorias na qualidade de vida deste município.

            Ao longo do semestre, fomos instigados a lançarmos um olhar crítico acerca da saúde pública em Cachoeirinha, de forma especial nas regiões onde residimos. Observamos e registramos, através de relatórios escritos e fotografias, a situação de nossos postos de saúde (ou a falta deles...), do descarte do lixo, da precariedade de nossas poucas praças, dos problemas relacionados ao esgoto e escoamento da água das chuvas, da falta de limpeza e manutenção de nossas bocas de lobo, da iluminação pública deficiente, do medo que impera nas ruas em decorrência da flagrante insegurança, entre tantos outros problemas. Aparentemente, e só aparentemente, algumas das situações analisadas estão descoladas da questão da saúde. Ora, chegamos à conclusão que saúde pública só existe de forma plena quando inúmeras outras demandas são atendidas com qualidade. Concluímos, ainda, que os sérios e históricos problemas por nós enfrentados nascem, em grande parte, da forma de se fazer política. Esta última precisa ser séria, comprometida com o interesse coletivo, pautada na ética e voltada à melhoria da qualidade de vida de nossa gente. Somos nós, alunos, que damos sentido à Escola. Somos nós, eleitores, que damos sentido aos partidos políticos. Somos nós, cidadãos, que damos sentido a todos os Poderes do Estado.

            Finalizamos a presente Carta, primeiramente, agradecendo à Vereadora Rosane Lipert, por ter, prontamente, se colocado à disposição em lê-la em Plenário. Segundo, pedimos a esta Casa que invista, ainda mais, na criação de canais permanentes e democráticos de comunicação junto à comunidade, em especial junto aqueles que, apesar de numericamente superiores, compõem, não raras vezes, as chamadas “minorias”. Não apenas nos ouçam, mas estejam atentos às nossas demandas, tensionando os demais poderes desta cidade, em especial o Executivo, para que tais necessidades sejam, de fato, coisa de um passado vergonhoso, porém distante. Nosso muito obrigado!

segunda-feira, 23 de junho de 2014

MARCAS DA COPA


MARCAS DA COPA
Gilvan Teixeira
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                Esta Copa trará, como provavelmente as anteriores, inúmeras marcas na minha (nossa?) vida. Qual é o real legado da competição? A Copa pouco ou nada acrescenta na qualidade de vida de nosso povo. Mostra-se incapaz de melhorar a saúde, o ensino, a segurança, o saneamento. Exceto, é claro, um “puxadinho” aqui ou acolá, quase sempre voltado ao atendimento dos forasteiros. Coisa para “inglês” (às vezes, literalmente...) ver. O tão falado “padrão FIFA”, infelizmente, soa como fogo de palha. Fugaz e caro. Muito caro. Economicamente, quem ganhou, ganha e – de fato – ganhará com a Copa? Poucos, sem dúvida. O discurso estatal, reforçado por alguns veículos de comunicação – sob o controle de uma elite historicamente distanciada dos interesses da maioria –, apontando os benesses da “invasão” estrangeira não convence. A relação custo-benefício parece desastrosa para nossa gente que, na prática, é quem paga a conta de tamanha farra. Inegavelmente, a Copa anestesia, entorpece os sentidos, em especial aqueles voltados à construção de uma visão crítica. Não de todos, obviamente. Existe uma elite que, sem dúvida, se mostra insensível aos gols e dribles nos gramados das arenas Brasil a fora. Uma elite sorrateira que, estratégica e perfidamente, decide pelo reajuste de tarifas, assinatura de contratos escusos nascidos de licitações suspeitas, alianças político-partidárias espúrias e aprovação de leis questionáveis, por exemplo. A Copa, de per si, não é um problema. Afinal, é mais uma – entre tantas – competição. Envolve poderosos interesses econômicos e políticos de empresários, clubes e confederações. Move uma incontável quantidade de dinheiro, por vezes não contabilizado, lícito ou não, moeda sem pátria e sem bandeira, afinal o capital conhece muito bem o verdadeiro sentido da globalização. Culpar a Copa, seus organizadores e apoiadores pelos atávicos descalabros do “lado debaixo do Equador” soa como ingênuo, senão injusto. É como lançar sobre o vizinho a responsabilidade da enorme e histórica sujeira de nossa própria casa. O torneio aqui no Brasil é, isto sim, inoportuno. Mais parece um escárnio frente à enorme fragilidade e precariedade dos (des)serviços públicos. O sentimento que fica é o mesmo que aflige o filho que nada tem e vê seu pai tratar o estranho a pão de ló. Os pomposos estádios – alguns deles construídos no meio do nada, fadados a virarem caríssimos elefantes brancos sem nenhuma serventia – destoam das ruínas em que se transformaram nossos hospitais, escolas, rodovias e presídios. Assim, qual é o real “legado” da Copa para nosso país? Nenhum que justifique o seu custo. O que representará para esta e as futuras gerações? Nada que pareça razoável e, de fato, significativo. Emoções à parte, a Copa enriqueceu e enriquecerá alguns poucos. Os dividendos tangíveis pertencerão, sobretudo, às empreiteiras, financiamento “paralelo” de campanhas políticas e obtenção de vantagens individuais. O interesse coletivo fica, na melhor das hipóteses, em segundo plano. Contudo, existe um outro legado, intangível. Este é individual, personalíssimo e não necessita de qualquer investimento público ou privado de monta. A Copa tem representado uma ótima oportunidade para reunir as pessoas que amamos e queremos bem. Momento para torcer juntos, partilhar o pão, a pipoca, o pinhão... É grito para todo lado, “linchamento” verbal do juiz, explosão de alegria e indignação. O quarto, a sala, a cozinha, cada peça da casa serve de “arena” privilegiada para nossa algazarra, com a vantagem de dispensar o agiota do ingresso ou do estacionamento. Assim, Copa não precisa ser, necessariamente, sinônimo de alienação, omissão ou condescendência diante das mazelas verde-amarelas. Sirva ela de “ponto de encontro”, de “força centrípeta”, de “fio condutor” para estreitarmos os laços de afeto e (por que não?) aguçar a reflexão acerca do país que temos e aquele que desejamos. O país das “chuteiras”, mas também da saúde, da educação, da arte, da segurança, da igualdade de oportunidades, da seriedade, do trabalho bem remunerado, da justiça social, da ética, do respeito à diversidade. Sobretudo, o país não de uma esperança quimérica, mas de uma esperança alicerçada na ação coletiva e na cumplicidade com a sorte alheia.  
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terça-feira, 17 de junho de 2014

FÉ: IGNORÂNCIA DE QUEM?


FÉ: IGNORÂNCIA DE QUEM?
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br
                                                                       
                                                                                                                          


                Lembro, quando ainda pequeno, ficava a imaginar tamanha dificuldade de se professar a fé em tempos idos. Ouvia, durante a “escola dominical”, as narrativas bíblicas do Antigo e Novo Testamentos: A firmeza de Sadraque, Mesaque e Abednego frente ao temido Nabucodonosor, a convicção inabalável de Daniel, mesmo quando lançado – a mando do rei Dario – na cova tomada de leões, a esperança de Pedro, ainda que encarcerado, nos tempos de Herodes... Exemplos não faltam de homens e mulheres que, em nome da fé, arriscaram e, por vezes, perderam a vida acreditando, no fundo, ganhá-la. Tempos difíceis aqueles, sem dúvida. Passados centenas, milhares de anos, a impressão que fica é que involuímos. Escassearam os impérios territoriais de outrora e, com eles, os temidos “vultos” a governarem os povos com mãos de ferro. Avançamos, sem dúvida, no que tange ao reconhecimento e garantia de direitos que, antes, eram privilégio de uma ínfima minoria. A decantada democracia alastrou-se, em especial no chamado mundo ocidental. A dita modernidade e, mais ainda a controversa pós-modernidade, aguçou a liberdade de expressão e de pensamento, trazendo em seu bojo, por exemplo, uma forte ojeriza em relação à homofobia e ao sexismo. Vivemos hoje na chamada “sociedade do conhecimento”, onde o tempo é “líquido” e as relações cada vez mais horizontalizadas. Uma época onde a robótica, a nanotecnologia e a informática caminham a passos largos. Uma sociedade que se diz pautada na ciência e na razão, mas que ironicamente apela diuturnamente para a emoção. Afinal, é esta a mola propulsora do consumismo, pilar central do famigerado Capitalismo. Na verdade, inúmeros outros são os paradoxos criados e alimentados pela modernidade encastelada, por exemplo, e muito comumente, no meio acadêmico. Este apregoa a liberdade, mas satiriza e ridiculariza os que optam por acreditarem nesta ou naquela divindade. Defende a razão, mas deixa escapar a razoabilidade mínima ao menosprezar opiniões dissidentes. Levanta a bandeira da democracia, mas achaca escolhas que não aquelas condizentes com o meio pretensamente letrado da universidade. Fé e razão, necessariamente se contrapõem? Soa como sensato opor a fé à inteligência? Por vezes, silogismos mal intencionados têm feito crer que profissão religiosa seja sinônimo de alienação e atrofia intelectual. Ululante engodo. Exilar a fé em nome da razão representa enorme risco à humanidade. Associar ateísmo a elevado grau de inteligência e discernimento ou, então, fé à obscuridade e caducidade intelectual não passa de simplismo preconceituoso. Ignóbil tendência denuncia, isto sim, o profundo descompasso hoje existente entre o homem e sua espiritualidade. Defender a ideia de um homem puramente racional e agnóstico ofende a sensibilidade e empobrece as relações. A liberdade de crença, mais do que um preceito constitucional é um importante pilar constitutivo da dignidade da pessoa humana. Cerceá-la ou demonizá-la (o que não deixa de ser mais uma entre tantas ironias do meio acadêmico) em nada contribui para o enriquecimento da reflexão, da discussão e da pesquisa, esta última matéria-prima da própria ciência. 
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quarta-feira, 28 de maio de 2014

A UNIÃO EUROPEIA


A UNIÃO EUROPEIA
Gilvan Teixeira
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                Tudo bem? Saudades de ti. Vamos para mais uma semana na Plataforma? Chegamos até aqui, portanto já és um vencedor... Bom, nos últimos encontros nossa discussão tem girado em torno da Europa, não é mesmo? A presente Atividade (Semana 14) busca lançar algumas reflexões sobre a União Europeia (UE) e, na medida do possível, compará-la ao Mercosul.

                A União Europeia, surgida a partir do antigo Mercado Comum Europeu, foi instituída oficialmente em 1993. É composta por quase três dezenas de países, sendo Bruxelas (Bélgica) sua capital administrativa. A União Europeia funciona a partir de instituições supranacionais independentes, onde a negociação prévia entre seus Estados-membros faz-se indispensável para o bom andamento do referido bloco, até porque os interesses econômicos, políticos, culturais, etc., envolvidos nem sempre são convergentes. A União Europeia instituiu não apenas um “mercado” comum na região, mas estabeleceu, entre outras coisas, uma legislação aplicável aos países partícipes. Dentre as marcas registradas da UE, é possível citar o fim de muitas das barreiras alfandegárias, o livre trânsito de pessoas (cidadãos da UE) por todos os países do bloco, sem a necessidade de passaportes. A ideia é que, cada vez mais, a União Europeia assegure a livre circulação de pessoas, bens, capitais (dinheiro) e serviços. Quanto à moeda do bloco (o euro é a moeda única da União Europeia), foi criada em 1999 a chamada Zona do Euro, ou seja, um grupo de quase vinte países que optou pela substituição das antigas moedas nacionais em nome de uma moeda única.

                O surgimento da União Europeia, ao que tudo indica, fortaleceu a economia e competitividade da Europa frente à hegemonia econômica dos Estados Unidos. Assim, hoje, apesar da UE representar apenas 7,3% da população mundial, gera um Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 20% do PIB da Terra. Vale lembrar, contudo, que nem tudo é “alegria” na UE. Assim, não são incomuns movimentos contrários ao bloco, iniciativas estas que denunciam o avanço do desemprego, a perda no poder de compra, a descaracterização das culturas locais, entre outros. Grupos anarquistas, xenófobos e nacionalistas, por exemplo, vêm ganhando espaço na mídia, nas ruas e nas mais diversas instâncias governamentais.

                O surgimento da União Europeia não surpreende. É, na verdade, a confirmação de uma tendência do atual processo de Globalização. A atual Ordem Mundial (que substituiu aquela outra, bipolar, do período da chamada Guerra Fria) pressupõe a formação de blocos econômicos, como a UE e o Mercosul. Este último, do qual faz parte o Brasil, pouco avançou no que diz respeito à real integração entre os países signatários. As barreiras alfandegárias (a maioria delas...), o trânsito de pessoas, a adoção de uma legislação comum aos países, etc., ainda seguem com entraves aparentemente intransponíveis.