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domingo, 28 de abril de 2013

ASCENSORISTA



ASCENSORISTA[1]
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


               
                Terceiro, quinto, oitavo... Último, primeiro, próximo... Desce, sobe... Não fosse a simpatia da mulher, o mantra soaria insuportável. O corpo esguio sobre a banqueta de madeira tornava a viagem rápida, pois que prazerosa. O “bom-dia”, “boa-tarde”, “bom trabalho”, mais do que mero formalismo, tinha o poder de dar vida àquela gente. Grandes e pequenos, magros e gordinhos, chefias e estagiários, todos se sentiam acolhidos. Sempre cabia mais um. O tempo escoava de maneira especial, quase mágica. Poucos segundos, mas suficientes para um bate-papo bem humorado, um comentário sobre o sol ou sobre a chuva, uma queixa envolvendo aposentadoria, contas a pagar ou dor na coluna. O elevador, mesmo que talvez a contragosto de um ou que outro, aproximava as pessoas. Por um instante, mesmo que breve, as tornava iguais. Ricos e pobres, doutores e analfabetos, munícipes e estrangeiros. Cada um a entrar, uma história diferente. Uma origem, uma trajetória, um destino... Quantos sonhos por ali passavam e haveriam de passar? Causos e casos. Mulheres prenhes, anciãos doentes, jovens “sarados”, hipocondríacos, anorexos, casados, separados, mudos, poliglotas. Quantas gerações por ali passaram? Gente importante e anônimos, travestis e enrustidos, expansivos e tímidos. Manias? Muitas. Gostos? Incontáveis. Desejos? Irreveláveis, a maioria. O elevador era a própria síntese da vida. À frente desta ou, ao menos do elevador, a simpática e solícita ascensorista ia para cima e para baixo. Quanta coisa já não vira e ouvira? Queixas, lamúrias, relatos de traidores e de traídos... Casamentos prometidos e matrimônios desfeitos. Faces da mesma moeda. O elevador, feito um desses processadores da cozinha moderna, juntava e misturava sentimentos, experiências e emoções. A mulher que o conduzia, com os pequenos óculos sobre o nariz, por vezes fazia lembrar a garotinha que tenta montar um interminável e complexo quebra-cabeça. Afinal, o que tinha à disposição eram tão-somente pedaços de diálogos outrora iniciados e, quase sempre, ali não finalizados. Retalhos da vida. Cabia à ascensorista, talvez, remontá-los, sem a certeza de, ao fazê-lo, reproduzi-los de maneira fiel. Dúvida cruel. Não fossem os sonhos a canalizá-los, enlouqueceria. Por vezes, mesmo sem dizer, se solidarizava com este ou aquele. Tomava partido, discreta e sorrateiramente. Intencional ou não, o fato é que um que outro “desafeto” acabava por descer no andar errado. Um ou dois andares abaixo. O jeito era pagar os pecados subindo alguns lances de escada. Não por acaso, sobre o corpo da moça do elevador caía um guarda-pó que mais fazia lembrar a batina do pároco. Este ligando o homem ao céu, enquanto ela – a ascensorista – ligando o térreo ao topo do prédio. Acerca do destino dos fiéis, o sacerdote pouco ou nada podia fazer. Já a moça do elevador, que inveja, tinha ao alcance dos dedos o destino de todos.


[1] Uma homenagem às ascensoristas de Cachoeirinha que, pacientemente, transportam nossos corpos e sonhos para lá e para cá. 

terça-feira, 23 de abril de 2013

PIOR !



PIOR!
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Estou ficando velho. Sou de um tempo em que “pior” significava exatamente isto: “pior”. Era pura e simplesmente o antônimo de “melhor”. Simples assim. Apesar de um tanto que maniqueísta, trazia uma enorme dose de tranquilidade à minha geração. Era o tempo em que gozávamos, ao menos aparentemente, de uma boa dose de estabilidade nas relações. A decantada “segurança jurídica” vinha, por vezes, mais da palavra dita ou do fio do bigode do que propriamente da letra – hoje morta – dos dispositivos legais. Deliciávamo-nos em nossas “zonas de conforto”, mesmo que para isso recebêssemos a pecha de tradicionais, reacionários ou corolas. Ao menos era preto no branco. Pouca ou nenhuma margem para dúvidas. A desconfiança, quase sempre, passava de largo. Tempo em que era o pai falar e pronto! As cãs se confundiam à autoridade. Tempo de ximango ou maragato. Homem ou mulher. Governo ou oposição. Trabalhador ou vagabundo.

                Hoje os tempos, ao que parece, são outros. As pretensas certezas deram lugar a um relativismo vazio. A palavra perdeu seu encantamento, enquanto as relações mais fazem lembrar um vale de ossos secos. O tempo, hoje, é o da entronização não da criança, mas de seus caprichos e vontades. Tempo em que os adultos se veem subjugados por seus pupilos. Tempo em que as ideologias – sob o efeito de um progressivo mimetismo – sucumbiram em nome de uma falsa governabilidade. Tempo em que o “fala sério!” nada mais é do que uma expressão desafiadora, irônica e debochada. Pessoas e relações são negociáveis, enquanto os contatos, feito a temperatura gélida dos cadáveres, são frios e inconstantes. Mudam na mesma velocidade dos dedos sobre as teclas dos tablets, notebooks e Ifones. Todos, hoje, dizem “amar”: o larápio, o assassino, o déspota, o adúltero, o pedófilo. Banalizou-se de tal forma a expressão, que hoje nada diz. Quando muito é capaz de render alguns mimos ou algumas carícias fugazes. Sem compromisso, sem envolvimento, sem expectativas... Vive-se tão-somente o presente.

                Estou ficando velho. Sinto saudade da vida simples. Faz-me falta o arroz e o feijão. O cheiro da lenha queimada, as palmas do carteiro com a missiva esperada, as histórias contadas ao cair da noite, o pulo do gafanhoto, o pisca-pisca dos vagalumes. Saudade de quem partiu. Não sei se é a idade ou, quem sabe, a morte que se avizinha. Talvez, ainda, os efeitos do enrijecimento das articulações ou da flacidez das emoções. Coisas da velhice. A tolerância, quiçá, se fora com o tempo. Com ela, a facilidade do convívio com as diferenças. Caduquice! Não pertenço, talvez, a este mundo. Sou de outro tempo, o da poesia e da boemia. Pareço conjugar o verbo no pretérito. Para alguns, sandice. Para outros tantos, pieguice. No fundo, só saudade, profunda e agridoce saudade. Estou ficando velho!

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segunda-feira, 8 de abril de 2013

SEQUESTRO



SEQUESTRO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), oficializada em 20 de dezembro de 1996, trouxe importantes e positivas mudanças no que tange ao ensino neste país. Tensionou o Poder Público e a sociedade civil na busca de uma educação, de fato, universal e comprometida com a qualidade.  Alavancou novos paradigmas. Ao menos em tese, pois, infelizmente, na prática, a educação neste país – principalmente pública – segue muito aquém do aceitável. Recursos em quantidade insuficiente e mal aplicados, prédios sucateados, professores mal pagos, metodologias equivocadas, são apenas alguns dos fatores que acabam por produzir os pífios resultados por nós conhecidos. Não bastasse o flagrante descumprimento por parte do Poder Público (em todas as esferas: federal, estadual e municipal) no que tange ao texto constitucional, texto este que exige uma educação de qualidade, agora vem o Estado a nos obrigar a matricular nossas crianças na Educação Infantil a partir dos quatro anos de idade. Quatro anos!!! Não bastasse tamanha insanidade, impõe aos pequenos (quatro anos!!!) uma carga horária estúpida de não menos do que duzentos dias letivos e oitocentas horas. Obriga, ainda, a uma frequência não inferior a sessenta por cento da carga estipulada. Irresponsável tal exigência. Primeiro porque arranca das famílias, de forma compulsória e violenta, nossos filhos e filhas e os enfia nos estabelecimentos sucateados, onde o que menos viceja é segurança e qualidade no atendimento. Ora, o mesmo Estado que criou tamanha anomalia é o Estado que sequer dá conta dos demais níveis: Ensinos Fundamental e Médio. Apesar de “universalizados” – em especial o Fundamental – os referidos níveis, sabidamente, não se mostram capazes de formarem os educandos nem sob o ponto de vista cognitivo, nem tampouco sob os pontos de vista afetivo ou laboral, por exemplo. O Brasil como um todo tem formado levas e mais levas de sujeitos despreparados para a vida. As avaliações – mesmo aquelas levadas a cabo por instituições governamentais – revelam dados preocupantes e assustadores. Não por acaso, vem crescendo o número de famílias que defendem o direito de, elas próprias, arcarem com o papel reservado, inicialmente, à escola. Mesmo que a guisa da lei, a opção acima revela a total descrença em relação ao modelo – equivocado e fracassado – de ensino neste país. Entra ano e sai ano, entra governo e sai governo, a educação vai de mal a pior. Portanto, a alteração da LDB, passando a antecipar a obrigatoriedade da matrícula da criança a partir dos quatro anos, e não mais aos seis, causa estranheza. Corre-se o risco da perda da infância. Esta passa a ser “institucionalizada” por um ente historicamente incompetente, omisso, falho, quando não corrupto e destituído de qualquer sinal de ética. Sequestra-se a criança. Verdadeiro atentado a um direito natural das famílias. Ora, a Educação Infantil (de zero a seis anos incompletos) deve ter, isto sim, um caráter de “oferta” do Poder Público às famílias que, por algum motivo, não possam ou não queiram estar com a criança. Assim, a prole de quem precisa trabalhar ou então aquelas crianças em estado de vulnerabilidade, por exemplo, têm um local onde permanecer. Contudo, soa como tirano olvidar aquelas famílias que não precisam e não desejam colocar seus mancebos em instituições voltadas ao atendimento da Educação Infantil. Urge uma reflexão profunda acerca do assunto, sob o risco de perdas e sequelas irreversíveis para a infância e para as relações familiares como um todo.

Veja ainda:
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quinta-feira, 4 de abril de 2013

VAI UMA CERVEJA AÍ?



VAI UMA CERVEJA AÍ?
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Não me tomem por um apologista do álcool e nem tampouco por um ferrenho defensor dos hábitos etílicos. É apenas uma reflexão. No máximo, um desabafo (indetectável pelo bafômetro). Talvez um protesto! Mais uma vez nosso Legislativo – repleto de mentes brilhantes e discursos impecáveis – se puxou. Querem acabar com o álcool na cidade! É isso mesmo. Perguntam se eu bebi? Não. Soubessem eles, os nobres vereadores, que estão cavando a própria cova, jamais cogitariam em tamanha afronta. Afinal é o álcool (assim como o futebol, as novelas, o carnaval e o facebook) que sustenta os seus mandatos. Não fosse assim, quem estaria disposto a bancar – ano após ano, mandato após mandato – levas e levas de homens e mulheres improdutivos, por vezes despreparados ética e intelectualmente? Quem toleraria a indecifrável “sopa de letrinhas” das siglas partidárias, envoltas na já conhecida promiscuidade política? Quem aceitaria canalizar os (alegados) parcos recursos públicos para perpetuar os benesses de inúmeros CCs e FGs que pouco mais fazem do que tremularem as bandeirolas ao longo da Avenida em período de campanha eleitoral? Não fosse o efeito do álcool no cérebro do contribuinte, muitas licitações duvidosas seriam tiradas a limpo. Graças ao álcool, a precariedade dos serviços públicos e o vergonhoso descaso do Estado pela vida das pessoas são relevados. A cerveja, o vinho, o licor, a cachaça, a caipirinha são todos eles poderosos agentes contrarrevolucionários. A eventual fúria que provocam é fogo de palha. Incapazes de moverem a história. No máximo, embalam as poesias e cantigas dos boêmios. Mais fácil um cavalo (nesta cidade não tem camelos) passar pelo fundo de uma agulha do que ver um bêbado revolucionário. Por que mesmo acabar ou diminuir com o consumo do álcool? É ele quem mata? É ele quem rouba? É ele quem atropela? É ele quem sonega? É ele quem tripudia? Não. A escassez ética, o relativismo doentio, a improbidade administrativa, o peculato, a malversação de recursos públicos, bem como um rol interminável de crimes e delitos praticados não apenas por agentes públicos, mas pelo mais simples mortal, nascem não do álcool, mas das relações cada vez mais carcomidas pela sede de poder, mesmo que disfarçada, onde o Parlamento mais do que um símbolo, é um triste e asqueroso exemplo. Relações que prosperam, feito moscas no esterco, alimentadas pela impunidade, falta de celeridade, incompetência e absoluta indiferença quanto à sorte da população, especialmente a mais pobre. Impérios e ditaduras devem ao álcool sua longevidade. Ele embriaga o corpo e arrefece a dor. Ópio do povo, dizia Marx. Lembram? Provavelmente não, pois neste Município educação – assim como segurança, saúde, saneamento, transporte, etecetera e tal – é tão rara e precária quanto o são as ações positivas e práticas nascidas de nosso Legislativo. Verdadeiro Saara. Para aguentar, só bebendo! Vai uma cerveja (sem álcool) aí?