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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

NENA, DODA E ROSA


NENA, DODA E ROSA
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Eram três. Inseparáveis. Não eram poucos a afirmarem serem elas uma só. Nasceram juntas, lá para as bandas do limite entre os dois estados mais meridionais do país, contudo pertenciam a épocas distintas. Siamesas só na formalidade cartorial, pois que na vida eram terra e mar, noite e dia. Nena parecia jamais ter crescido, pois que eterna e teimosamente guria. Conservava, ainda, os cachos daqueles tempos. Doda, por sua vez, transpirava uma espécie de adolescência duradoura, mal escondendo a sexualidade à flor da pele. Rosa, por fim, pousava de madura, em que pese os incontáveis “escorregões” a aproximá-la das outras duas. Univitelinas, mas – por vezes – diametralmente opostas. Nuances da feminilidade num único corpo. Incompreensível para alguns, para elas não. Compreensível, natural e necessário. Um só invólucro para tempos e experiências tão distantes. Amálgama de sentimentos, memórias e desejos. Alguns deles pueris, outros nem tanto. Alguns deles ingênuos, outros carregados de malícia. Pecaminosos ou não, aos olhos de outrem, porém todos sinceros. Cinco, quinze ou cinquenta. Pouco importava a cronologia humana. Sentiam-se senhoras do tempo, por ele não se deixando subjugar. Enquanto Nena ainda brincava com a boneca de pano e, diante da chuva, lançava nacos de sabão sobre o telhado da casa, Doda se deleitava com a leitura dos livros desbotados e de capa dura, recheados de príncipes e princesas, fadas e duendes, mocinhos e bandidos. Rosa, por sua vez, muito comumente ficava a se perguntar o porquê de todas aquelas atas, ofícios, pareceres e resoluções. Às vezes, admitia, sentia uma ponta de ciúmes e inveja da Nena e da Doda. A maioridade tinha lá suas vantagens, é verdade. Quais? Não sabia ao certo. Por sinal, as certezas há algum tempo deixaram de ser amigas. Veja só, mais uma vez se via a lamentar. Nena e Doda, se por um lado gozavam da seiva jovial, por outro, desconheciam muitos dos amores vividos, do enlace dos corpos e das carícias trocadas. Afinal, a vida é assim mesmo, cheia de idas e vindas. Feito as ondas do mar. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

MENDICÂNCIA PEDAGÓGICA


MENDICÂNCIA PEDAGÓGICA
Prof. Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

               

                Ser professor é tarefa árdua. Ser professor de escola pública, mais ainda. Ser professor de escola pública estadual do Rio Grande do Sul é quase uma tragédia, quando não caso de polícia. O que estão fazendo com os educadores? A situação é para lá de desesperadora. Salários aviltantes (abaixo dos já parcos valores garantidos em lei), condições de trabalho aquém do razoável, jornadas de trabalho extenuantes, estruturas físicas das escolas deterioradas, alunos desestimulados, pais cada vez mais omissos... As exceções só comprovam a regra. Frente ao dantesco quadro, o que se vê é um governo absoluta e perigosamente perdido. Discursos e promessas não faltam. A práxis, contudo, é escassa. Incompetência, inoperância e ineficácia se misturam nesse triste caldeirão da desesperança. O professorado acaba por ser penalizado várias vezes. O é quando se depara com os valores pífios trazidos no contracheque, quando tem sua imagem maculada frente à dita “opinião pública”, sendo taxado de “chorão” e avesso ao trabalho. É penalizado, ainda, quando precisa assumir a responsabilidade pelo cumprimento de um calendário repleto de horas e dias letivos, sem a mínima garantia de qualidade. Fica o professor entre a cruz e o punhal. A estratégia dos “donos do poder”, ao que parece, tem surtido efeito. Desmobilizou a classe. Paralisar ou ter que trabalhar nos meses costumeiramente tidos como de férias? Criou-se no educador a síndrome da vítima. Esta, ironicamente, ao mesmo tempo em que sofre nas mãos do algoz, sente-se culpada. O servidor, ao mesmo tempo em que é “violentado” pelo Estado, sente-se culpado em desejar gozar momentos de prazer e alegria nos meses de verão. Pérfida e diabólica ironia. Há muito, neste país – e de forma muito particular neste Rio Grande – tem se criado e recrudescido uma espécie de autocomiseração por parte dos professores. Hora nos menosprezamos, hora nos menosprezam. Ser mediocrizado – e os valores pagos atestam de maneira inequívoca o desprezo pela classe – soa como “natural”, aceitável e plausível. Grande engodo. Por que não dispensar tratamento pecuniário similar (e vergonhoso!) a juízes, desembargadores, procuradores, médicos... Funções e rubricas orçamentárias diferentes? Sim, é verdade. Ainda assim, injustificável a oceânica diferença salarial em desfavor do magistério. A recomposição salarial dos professores é urgente e necessária. Sem ela, resta comprometida e impossível a busca da qualidade no ensino. Ninguém dá o que não tem. Como trabalhar conceitos como o da dignidade sem vivenciá-los? A situação do educador gaúcho é vexatória, degradante e desumana. Atenta contra a dignidade da pessoa humana e, portanto, contra diversos diplomas legais, nacionais ou não. Representa um tapa no futuro e lança por terra muitos dos sonhos e utopias. A mendicância pedagógica marginaliza não apenas o professor, mas todos os que dele dependem. Marginaliza a família do educador (sim, senhores governantes, o professor tem família!), assim como põe à margem, também, a comunidade escolar como um todo. Não por acaso, o ensino público vai de mal a pior. Pouco e mal se aprende. A flagrante mediocridade intelectual dos educandos é, por certo, resultante – em grande parte – da mendicância que assola o professor. É passada a hora de uma verdadeira, profunda e emergencial transformação no ensino destes páreos, mudança esta que passa, necessária e obrigatoriamente, pela real valorização profissional do magistério.   

ÍNDIO VELHO


ÍNDIO VELHO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Falam alguns de um índio velho lá para as bandas de Caçapava. Dizem que é um figuraço, daqueles que só se encontra uma vez na vida. Costuma acolher a visita com a cuia estendida, pronta para a mateada. Os que o conhecem, descrevem o homem como um grande par de orelhas. É só ouvidos. Deixa quem o procura bem à vontade. Apenas escuta, ao menos de início. Ainda esses dias – segundo dizem – um sobrinho vindo da capital, um piazote mal saído das fraldas, estudante de Direito, sentara ao lado do velho e começou a falar sobre um tal de “garantismo”. A conversa girava em torno do assassinato de uma senhora, mãe de não sei quantos filhos, aposentada. Depois de morta, noticiavam, teria sido esquartejada. O ex-companheiro, réu confesso, teria alegado ciúmes para tamanho disparate. Enquanto falava, o sobrinho parecia não fazer questão de esconder certa complacência em relação ao criminoso. O índio velho só escutava. Dizia o rapaz que ao acusado deveria ser oportunizado o contraditório, a ampla defesa e a possibilidade de responder ao processo em liberdade, afinal era primário e tinha residência fixa. O tio, desacostumado ao palavrório acadêmico, ia sorvendo o chimarrão. Vez em quando, levantava os olhos por debaixo da aba do chapéu. Para o índio velho, fazer justiça era fazer o certo. Errou, que pagasse pelo erro. Por que tanto rodeio? Para que tanto estudo, pensava (mas não dizia...), se não era para resolver a questão? Sentia pena era da falecida. Pudesse, depositaria sobre o túmulo uma flor. Quando soube, pelo próprio sobrinho, que o bandido estava solto sob o beneplácito da Justiça, não entendeu. Até a erva pareceu amargar de uma hora para outra. Como assim? Noutros tempos, ai dele se olhasse atravessado para o pai ou desobedecesse a mãe. A vara corria solta. Jamais passara por sua cabeça a ideia de tirar a vida de alguém, menos ainda de perdoar quem o fizesse. O sobrinho ia, a cada espaço de tempo, usando novos conceitos e jargões jurídicos. Atrevera-se até usar latim. O índio velho não sabia se ria ou se dava uma camaçada de pau no guri. Não conhecesse o sobrinho, diria que este o estava ofendendo ou caçoando. Aos poucos o tio ia compreendendo o porquê da “distância” dos tribunais. Jamais pisara num. Não fazia questão, pois toda aquela gente vestida naquelas togas negras mais cheirava a enterro. Parecia-lhe outro mundo. Talvez por isso, não conseguia entender a “lógica” de quem anunciava a Justiça. Como fazer-lhe crer, homem vivido que era, que o certo era errado e o errado era o certo? Matar era errado. Punir o erro era o certo. Pronto. Simples assim, pensava o tio. Fora isso, era conversa fora. Enquanto o índio velho pensava, com os braços sobre a bombacha, o bacharelando tomava um laço da bomba. Virava daqui, virava dali, nada de fazê-la chiar. Via-se que o rapaz não levava jeito. Respeitoso, o tio fazia de conta nada reparar. Aos poucos, o sol, que até então os esquentava, ia se retirando. O índio velho, agradecido por mais um dia, parecia resignado. Não fosse a demora do sobrinho em devolver-lhe a cuia, sentia-se feliz. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

RELATIVO


RELATIVO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Tudo é relativo? Comum é ouvirmos opiniões – quase sempre pouco fundamentadas – afirmando que sim. Será? Ainda esses dias, estávamos conversando, eu e algumas colegas de trabalho, sobre pessoas que buscam fazer o que é certo, em conformidade com a ética. Não são poucas é verdade, porém raramente viram notícia. Tem sido comum, isto sim, ocuparem as páginas de jornais, revistas, redes sociais e programas de televisão fatos pouco elogiáveis, quando não completamente condenáveis. Mais vale, ao que parece, um enorme traseiro a dançar vulgarmente sob a batida ensurdecedora dos alto-falantes do que boas ideias. Mais rápido do que a luz, as “curtidas” no face se propagam quando da postagem de fotos comprometedoras e fofocas bisonhas. Mais do que nunca, a pobreza de espírito tem encontrado campo fértil para frutificar. Por vezes, o pretenso anonimato fomenta a calúnia, a difamação e a injúria. A liberdade de expressão, errônea e irresponsavelmente, tem sido confundida com a falta de limites. Pipocam ações judiciais em busca do dano sofrido na mesma proporção que surgem novas ferramentas virtuais a favorecerem as práticas delituosas. Comungam do mesmo leito, os sentimentos de impunidade e liberalidade. Dia após dia, o agir ético soa forasteiro, deslocado, estrangeiro. Um misto de impotência, revolta e tristeza. O relativismo vazio e doentio tem lançado na sarjeta os valores éticos construídos pela humanidade ao longo da história. Valores que não se confundem com a moral. Esta é volátil e difere, com muita frequência, de região para região. A ética, contudo, é estrutural e estruturante. Os valores que aqui se defende deveriam estar no alicerce atemporal de todas as culturas. Honestidade, lealdade, responsabilidade, solidariedade, compromisso com a verdade, alteridade... Valores que transcendem os limites do tempo, do idioma, da crença, do matiz político ou ideológico. Sem eles, toda e qualquer civilização está fadada ao fracasso, à guerra fratricida, à submissão. Como e quem (de)forma nossas crianças e jovens? É triste e desesperador vê-las caminhando em direção ao precipício, onde grassam as drogas, o egocentrismo exacerbado, a indiferença em relação à sorte alheia, a carência de vínculos duradouros e o apego exagerado ao “ter”. Uma geração, por vezes, sem rumo. Quem dará a ela o norte? Os pais ou, então, “terceiros”? A mídia? O mercado? Ao contrário de quem ama, o “mundo” está a prometer só prazer e satisfação. Oferece diante dos olhos de nossos filhos um belo “contrato”, repleto de sonhos e fantasias. Esconde, contudo, por detrás das minúsculas letras e notas de rodapé, as amargas e fatais contraindicações. Amar é acolher, elogiar, apoiar, mas também exigir. É dizer “sim”, mas também “não”. É auscultar o coração e decifrar o olhar. Amar é orientar, proteger e defender, sem, contudo, aquiescer com o erro ou com este condescender. O amor exige posicionamento. É comprometer-se. Amar e relativizar, apesar da aparente semelhança sonora, pouco têm em comum. O amor não transige com a falta de ética e tampouco dialoga com a “cultura de morte”. O amor não é relativo!



terça-feira, 17 de setembro de 2013

CRITÉRIOS, PARA QUEM?


CRITÉRIOS, PARA QUEM?
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Para que e para quem servem os critérios? A primeira indagação – em se tratando de vaga nas escolas de Educação Infantil mantidas pelo Poder Público –, apesar de complexa, remete para a necessidade do Estado em garantir, primeiramente, aos mais pobres o acesso ao ensino obrigatório na primeira etapa da Educação Básica. Frente à oferta de vagas aquém da demanda, o ente público acaba por criar mecanismos “seletivos”, priorizando e privilegiando as classes de menor poder aquisitivo. Tal iniciativa fere, talvez, um importante princípio constitucional, o da igualdade, ainda mais em se tratando de um direito básico subjetivo, qual seja o da educação. O ideal, portanto, seria que o Estado desse conta de toda demanda da Educação Infantil. Contudo, ainda assim, surgiriam alguns problemas: qual a real demanda? Quais os investimentos necessários a serem previstos e disponibilizados no orçamento? Como conciliar tais investimentos sem comprometer o “fechamento” das contas públicas e a consequente responsabilização do gestor? O fato é que não se vive o mundo “ideal”, mas “real”. A pomposidade dos gabinetes e o luxo dos banheiros de juízes e promotores pouco têm em comum com o dia-a-dia da maioria dos mortais. O descompasso entre a realidade que se tem e aquela que se espera, muitas vezes joga por terra os critérios estabelecidos pelo Executivo quando da distribuição das vagas nas instituições públicas que ofertam a Educação Infantil. É cada vez maior o número de crianças que entram pela “porta dos fundos”, sem atenderem aos critérios pré-estabelecidos e respeitados pela maioria. É nesse contexto que entra em cena a indústria das liminares. As decisões prolatadas pelos magistrados, se por um lado atendem a uma pretensão muitas vezes justa e razoável, por outro reforça a cultura do jus sperniandi, onde quem “pode mais, chora menos”. Assim, não tem sido incomum somente as pessoas mais esclarecidas e afortunadas conseguirem um lugar ao sol, sob o manto da Justiça. Frente à tamanha incoerência, o Judiciário tem respondido por meio de alguns chavões para lá de desgastados, como aquele que diz que a Justiça só acorre a quem dela se socorre.  Portanto, não é para todos. É tão ou mais seletiva do que os critérios por ela condenados. Ora, se a raiz do problema está – por exemplo – nas leis, Portarias e Editais, sejam tais documentos legais atacados em sua gênese. Proíba-se, então, a publicação de regramentos que, mesmo em tese, afrontem direitos coletivos ou individuais. O que soa como inadmissível é, no meio da “partida”, mudar ou olvidar as regras do jogo. Na prática, penaliza todos aqueles que seguiram à risca o previamente estipulado. As liminares, comumente, representam um “fura-fila”, o velho “jeitinho” de se fazer as coisas. Mais do que uma pretensa “solução” tupiniquim, cheira a malandragem e, via de regra, ofendem o bom senso e a inteligência. Assim, os critérios – se válidos na origem – devem prevalecer. Aplicá-los “apenas” à maioria (olha só que contradição!) e desprezá-los em relação a alguns poucos, significa criar e reforçar privilégios, situação esta inaceitável. Os critérios devem servir para democratizar, ao máximo e dentro do possível, as escolhas, não para penalizar os que a eles se submetem. A segunda indagação: para quem servem mesmo os critérios? Apenas para os mais pobres e desavisados? Para todos? O próprio Judiciário não usa de critérios quando de muitas de suas decisões? Até que não se alcance o mundo “ideal” (nele, vale lembrar, o Judiciário seria dispensável...), precisamos resolver as questões do mundo “real”. Eis o desafio! Ao que parece, portanto, o estabelecimento de critérios (idade, renda, endereço, etc.) para a garantia de vaga na Educação Infantil das escolas públicas é, por assim dizer, um “mal necessário” e tomara provisório.


segunda-feira, 16 de setembro de 2013

SEMANA FARROUPILHA


SEMANA FARROUPILHA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Semana Farroupilha. Mais um momento para reflexão acerca do passado, mas, sobretudo, do presente. Ao que parece, não fomos capazes de aprender com o tempo. Assim não fosse, os ideais farrapos – quase sempre não ultrapassando o limite do discurso – pertenceriam tão-somente à história. Contudo, a igualdade e a liberdade, por exemplo, seguem pertencendo ao campo das utopias. Nosso querido Rio Grande caminha à margem do verdadeiro desenvolvimento, aquele capaz de distribuir renda e promover a felicidade e o bem coletivo. Até a esperança gauderia parece combalida frente à incompetência atávica dos “estancieiros” encrustados no poder – detentores de feudos em forma de secretarias, gabinetes, autarquias, agências reguladoras, etc. – em construírem alternativas capazes de alavancarem os serviços públicos. Por estas bandas do Sul, se gasta muito tempo, recursos e energia com as intermináveis campanhas eleitorais. As estratégias e planejamentos voltados ao interesse público são preteridas em favor dos conchavos partidários. A sigla destes páreos tem dado lugar à confusa e intragável sopa de letrinhas. PT, PTB, PSB, PMDB, PDT, DEM, PSDB, PPS, PR, PFL, PPS, PP, PCB, PSD... Haja guaiaca para sustentar toda essa gente e aplacar a gana voluptuosa pelas patacas do contribuinte. A preocupação com o preço do charque cedeu lugar à labuta diuturna na busca das moedas para a ração básica do vivente. Não bastassem os abusos do mercado, nós gaúchos precisamos alimentar, ainda, o mastodôntico Estado, pesado e ineficaz. Os tributos, feito o corvo de Prometeu, nos comem por uma perna, passando pelo fígado e acabando na/com nossa paciência. Quanta semelhança com o passado. A corrupção corre solta, de mãos dadas com a impunidade. Enquanto o Judiciário brinca de cabra cega, o sentimento de justiça e segurança se esvai. A verborreia togada causa asco, quando não passa em branco para o “grosso” acostumado ao trabalho duro para sustentar a prole. A corja engravatada e de paletó alinhado que, vez por outra, comparece às sessões legislativas, soa como estrangeiro aos olhos do pobre “índio”. O luxo e ostentação de palácios, tribunais, câmaras e assembleias ofendem a gauchada, esta acostumada à rudeza da vida. Não por acaso, não os tem por seus tais espaços. Por que então defendê-los quando de eventual “ameaça” vinda das ruas, da turba enraivecida?  O asseio pretendido pelos “estancieiros” não encanta. Desencanta, ultraja e maltrata. Verdadeiro fermento capaz de levedar o sentimento, ainda que sob a forma de uma quase invisível fagulha, de levante em nome de uma dignidade perdida, ou quiçá jamais conquistada. Sirva a Semana Farroupilha de instante, mais um, de contemplação, não a do tipo meramente romântica ou quixotesca, mas contemplação crítica, propositiva e revolucionária. Transformemos nossa apatia em façanha e que esta, por sua vez, sirva de modelo a toda a terra.  

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A DITADURA E A ESQUERDA NO BRASIL


A DITADURA E A ESQUERDA NO BRASIL
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A Ditadura Militar no Brasil, que se estendeu entre 1964 e 1985 – na prática, contudo, só voltamos a eleger (errado!) o presidente em 1989 –, esteve marcada pelo significativo crescimento da economia, mas, também, pelo cerceamento de importantes direitos, como o da liberdade de expressão. Tempos difíceis? Para quem? Por certo, para alguns, sim. À época, a participação política restava prejudicada, por exemplo, pelo bipartidarismo. A verdadeira oposição se dava à margem do sistema partidário. A dita “esquerda” no Brasil vivenciou momentos delicados, onde não foram incomuns a perseguição, a tortura e o ostracismo. O discurso combativo ao regime militar vinha ao encontro de importantes segmentos da sociedade. Parte desta, contudo, é bom que se diga, se mostrava simpática ao sistema implantado em 1964. Inexistia unanimidade de parte a parte. O tempo escoou e muitos dos antigos militantes de esquerda – após a chamada “redemocratização” – assumiram postos importantes em todas as esferas de poder, postos estes conquistados ou pelo voto ou pela “proximidade” com os donos do poder. Multiplicaram-se os cargos de confiança e funções gratificadas na mesma proporção que se deterioraram os já precários serviços públicos. Ao que parece, a memória dos equívocos tão condenados pela esquerda durante os “anos de chumbo” ficou perdida em meio às páginas amareladas dos livros de história. O discurso revolucionário de transformação das estruturas socioeconômicas esfarelou-se. Os descaminhos e práticas condenáveis do passado ditatorial seguem de vento em popa. Não menos comuns são a política de apadrinhamento, a compra de votos, as negociatas e os lobbies dos grupos econômicos junto ao Estado como um todo. Independência do Judiciário? Autonomia do Legislativo? Eficácia do Executivo? Apenas balela. O Estado brasileiro do pós-Ditadura guarda mais semelhanças do que diferenças em relação ao passado. Apesar da multiplicidade de bandeiras partidárias, a prática é – salvo honrosas exceções – a mesma de outrora. Jogo de interesses, troca de benesses e muita, muita mesmo, encenação! Os “mocinhos” da Ditadura, muitos deles, se transformaram em vilões. Os vícios horrendos por eles condenados se transformaram em práticas corriqueiras em meio aos corredores de palácios, prefeituras, tribunais, câmaras e assembleias. Vale mais um antigo militante corrupto do que um torturador do DOPS? Imensurável é o dano causado por ambos ao “patrimônio”, principalmente, social e ético do país. Fazem acreditar que “direita”, “esquerda” e “centro” apontam para o mesmo lado, lado este diametralmente oposto ao interesse da maioria. Reforçam a desconfiança em relação ao pretenso Estado Democrático de Direito, exacerbam a apatia política, dilaceram e soterram sonhos e utopias. Crime por deveras hediondo, pois contra o mais precioso e caro bem de um povo: a esperança!


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

CONVERSA PARA BOI DORMIR


CONVERSA PARA BOI DORMIR
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                Não fosse trágico, nosso país seria o paraíso da comédia e das cenas hilariantes. Quem não tem acompanhado, através de uma imprensa muitas vezes sensacionalista, a “indignação” do governo brasileiro face à pretensa espionagem do Tio Sam? Reação, ao que parece, teatral, cênica, conversa para boi dormir. Como se fosse novidade a espionagem, seja ela nas próprias entranhas do país, seja a do tipo alegada pelo nosso (?) governo. Internamente, grampo telefônico, venda de dados pessoais, espionagem industrial são como pé carregado de chuchu. Internacionalmente, não é diferente. Tão antiga quanto o homem. A espionagem antecede o advento do Estado Moderno. Está aí, por exemplo, a Literatura para nos dar algumas amostras das intrigas palacianas. Assim, a espionagem perpassa todas as Idades e tempos da história. Não poupa qualquer civilização, por mais estranha que nos soe a cultura. Por que seria diferente hoje? Ora bolas, o avanço tecnológico, cada vez mais, cria novas ferramentas de bisbilhotagem alheia. Talvez nem precisasse, afinal – feito peixes – morremos pela boca (virtual!), ou seria pelos dedos? Fornecemos, irresponsável mas voluntariamente, para o mundo nosso “perfil” completo. A bandidagem agradece! Nossa nudez, que antes ficava entre quatro paredes, tornou-se pública. Ainda assim, por vezes, seguimos num discurso pudico e hipócrita. Portanto, conversa para boi dormir. O governo brasileiro reclama do quê mesmo? Dá publicidade ao que é banal, apesar de não dito. Tão banal quanto a corrupção, malversação de recursos, violência, precariedade dos serviços públicos, marginalização de enormes parcelas da população, descontrole orçamentário... Haja boi para fazer dormir diante de tamanho barulho. Não por acaso, os marqueteiros do governo, com alguma frequência, mudam o tamanho, a cor ou o nome do boi: Carnaval, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas, Mega Sena da Virada. Uma boiada! O boi da vez é a espionagem americana. No fundo, a tentativa de desviar os holofotes (ou parte deles) para outras questões que não a da incapacidade do Estado brasileiro em cumprir com suas obrigações constitucionais. Estratégia tão antiga quanto o próprio boi. É verdade que, às vezes, a artimanha governamental não funciona e o boi vai para o brejo. Salve-se quem puder. A merda, até então disfarçada pelo cheiro da perfumaria do Estado, fede como nunca. É quando, então, muitos tomam as ruas e praças a procura de ar fresco. Rolam cabeças (a corda costuma arrebentar do lado mais fraco), enquanto sobram discursos e promessas. Apressam-se os porta-vozes do ente público em acharem explicações para o injustificável. Ante o estrondo e o cheiro fétido (que faz lembrar o ar dos corredores de hospitais e presídios) busca-se uma boa história, mesmo que de além-mar ou da parte rica da América (santo de casa não faz milagre!): conversa para boi dormir. 

domingo, 1 de setembro de 2013

Discurso do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica na Rio+20 - Legendad...

CONAN (OU SERÁ CONAE?), O BÁRBARO


CONAN (OU SERÁ CONAE?), O BÁRBARO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Saudade dos tempos de herói. Como esquecer daquelas batalhas homéricas, das lutas corpo a corpo tendo à mão a espada forjada pela tradição dos antepassados? Poucas não foram as histórias onde, por um triz, sobrevivera. Só em menor número do que os inimigos mortos. Sem dó e nem piedade. Parecia sentir, ainda, o cheiro do sangue em meio às intermináveis pradarias. Não lhe saía da memória os olhos esbugalhados do infeliz atravessado pela navalha. Era temido, de norte a sul, do ocidente ao lado que nasce o Sol. Conan, o Bárbaro. Tema de filmes, trilhas sonoras. Povoara a imaginação libidinosa de mulheres, servira de modelo aos homens. Músculos e mais músculos. Derrubava, naqueles tempos, dois touros de uma só vez. Certa feita, rasgara a boca de um leão. Coisa de causar inveja a Sansão e Golias. O que era Hércules comparado a ele? Quanta saudade daqueles tempos... Agora, quem diria, todos passavam de largo diante dele. Ser desprezível, anônimo, comum. Enfiado ali, no terceiro andar daquele prédio de Cachoeirinha City, era nada mais do que um singelo servidor público a esperar a minguada aposentadoria. O olhar agudo e assustador de outrora há muito cedera lugar às lentes a lhe corrigir a miopia. Sem autógrafos, sem reconhecimento. Sequer um aceno de cabeça. Quanto às mulheres, ou chamavam-lhe de “tio”, ou cediam a ele o lugar no elevador. Deprimente. Conan? Quem? Esquecido em meio à poeira do passado. Os poucos que o conheciam, o chamavam, isto sim, era de Conae. Por quê? Ninguém sabia ao certo. A origem do nome, nem ele próprio sabia. Nome não, alcunha! Alguns diziam que era produto de um surto psicótico que o infeliz tivera após um esgotamento nervoso. Ao que parece, teria sido em decorrência de uma conferência ocorrida há alguns anos, onde coubera a ele parte da sistematização dos ditos “eixos”. Não podia nem ouvir falar neles. Causavam-lhe arrepios. Segundo diziam, o coitado, por dias a fio, não parava de balbuciar “três, três, três...”, enquanto batia a cabeça contra a mesa. Era querer vê-lo nervoso, bastava convidá-lo a visitar Sapiranga, Santa Maria, Taquara... São Sebastião do Caí, então... Durante muito tempo, não dizia coisa com coisa. Chegara ao ponto de quase se lançar pela janela. Não fosse os conselhos da Índia – que, nas horas vagas, vendia pães –, teria passado desta para melhor. Algumas lendas foram se formando em torno do pobre homem. Os mais maldosos teriam, inclusive, espalhado a falsa notícia de que Conae assassinara suas colegas de trabalho e escondido os corpos sob o sanitário. Pura invencionice. Era incapaz de fazer mal a uma mosca. Vivia só. Ele e a saudade dos tempos de herói.