Translate

quinta-feira, 30 de maio de 2013

APARÊNCIAS


APARÊNCIAS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                “Nossa”(?) Casa Legislativa, ao que tudo indica, segue produzindo singulares pérolas. Ouvi dizer que um nobre vereador pretende propor alteração no nome de uma conhecida escola pública municipal, sob o argumento de que a atual denominação remete para os tempos da Ditadura Militar (1964-1985). Ora, tal iniciativa denuncia, primeiro, a forte inclinação de nossa Câmara para discussões fúteis, que nem de perto atendem às reais demandas deste Município. Segundo, suscita algumas dúvidas: o porquê da iniciativa? Quem demandou? A comunidade foi consultada? Terceiro, ainda que consultada, como se deu o processo de discussão junto à coletividade? Democrática, ou nos moldes por vezes aplicados por organizações que se intitulam representativas, mas que, no fundo, não passam de históricos cabides de emprego e apadrinhamento, além de verdadeiros trampolins político-partidários? Apesar de “legal”, a eventual mudança no nome da dita escola requer algumas reflexões. Foi denominada por Lei municipal, com fundamento no Art. 67, inciso IV, da Lei Orgânica. Assim, sob o ponto de vista pura e simplesmente formal, é possível sim a alteração através de uma nova Lei. Contudo, ao que tudo indica, a pretendida alteração atende, sobretudo, a caprichos pessoais ou, no máximo, de pequenos grupos “revisionistas”, como se tal manobra fosse capaz de mudar o passado e impedir suas consequências. Vã e imbecil filosofia! Surtisse algum resultado prático, seria o primeiro a defender tal espécie de medida. Aplicaria o “remédio”, por óbvio, a todas as outras escolas, ruas, praças, ginásios e avenidas que remetam a personagens que, no passado, estivessem associados a alguma espécie de atrocidade, arbítrio ou coisa que o valha. Assim, nomes como o de Flores da Cunha, Getúlio Vargas e Kennedy, por exemplo, seriam execrados deste Município, pois que é para lá de sabido que eles e mais uma penca de outros “vultos” da história tiveram seus nomes ligados à perseguição política, censura, assassinatos, guerras (civis e externas), entre outros. Por que então, apenas e tão-somente, banir o nome do General? Atire a primeira pedra aquele vereador que pertença a algum partido que não tenha o rabo preso! Atire a primeira pedra aquele vereador que pertença a algum partido que não tenha se “prostituído” e deitado no mesmo leito dos “adversários”, jogando por terra o discurso da ética e da bandeira partidária. Atire a primeira pedra o vereador que tenha ousado cortar na própria carne, abrindo mão de vantagens e privilégios que passam de longe da esmagadora maioria dos munícipes. Atire a primeira pedra o vereador que jamais mudou de partido ou que tenha pública e abertamente condenado seus pares pelos flagrantes e frequentes atrasos nas já breves sessões da Casa. Acredito que Jesus seguirá escrevendo na areia... Sugiro, portanto, aos nobres vereadores: divaguem menos e trabalhem mais! Problemas não faltam neste Município. Segurança, saúde, infraestrutura, mobilidade urbana, distribuição de renda, geração de emprego, lazer, EDUCAÇÃO. Tá bom, fiquemos apenas neste último e grave problema. Por que não discutir com a comunidade (pais, alunos, professores, Poder Público, sindicato, associações de bairro, Conselhos de Direitos, etc.) os porquês de nossas crianças e adolescentes não estarem aprendendo? Os porquês do baixo rendimento, repetência, evasão... Os porquês da falta de valorização dos profissionais da educação? Os porquês das disparidades entre a renda da maioria dos contribuintes e dos nobres vereadores. Os porquês da precariedade dos serviços públicos e suas consequências no processo ensino-aprendizagem. Quiçá, aproveitar, ainda, para explicar à comunidade os porquês de bom número de vereadores não retornarem aos bancos escolares para aprimorarem seus conhecimentos, aumentarem a escolaridade e aprenderem a se expressar sem tamanhas ofensas ao bom português. Feito varejeiras em torno da merda, muitos parlamentares sobrevoam a “área” – por vezes, com sobrevoos rasantes e piruetas cheias de plasticidade – sem, contudo, assentar os pés no problema. Não é tempo de discursos e projetos vazios. A sociedade, formada por pessoas de carne e osso, exige ações efetivas por parte do Estado (Executivo, Judiciário e LEGISLATIVO). Ações capazes de darem respostas concretas e eficazes às sérias e preocupantes demandas existentes. O fantasioso Estado democrático de Direito está ruindo. Pipocam, cada vez mais, manifestações nascidas dos mais diversos lugares. Movimentos – bem ou mal organizados, bem ou mal intencionados – que, em comum, colocam em dúvida a real necessidade do Estado. O LEGISLATIVO que aí está não serve. É caro, tomado de vícios éticos e dissociado dos grandes clamores sociais. Assim como os demais Poderes, precisa ser “refundado”. Precisa ser, não apenas de “direito”, mas de “fato”, a Casa do Povo. 

domingo, 26 de maio de 2013

Blog do Leandro Araújo: Entrevista: JOVENS E A RESPONSABILIDADE DIGITAL

Blog do Leandro Araújo: Entrevista: JOVENS E A RESPONSABILIDADE DIGITAL: Em 2011 dei esta entrevista para um programa na Band. Nela, declarei que o quarto do adolescente não é lugar para um computador ligado à in...
Meu amigo Leandro. Além de um grande "paizão", um grande educador! Vale a pena assistir...

quinta-feira, 23 de maio de 2013

TEKOHA


TEKOHA[1]
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Alma sem corpo. Errante, a andar a esmo de nenhum lugar para lugar algum. Assim somos nós. Povo sem terra. A verdadeira terra, tomada de simbolismos e significados. Não a terra vazia, amorfa, inerte, sem vida. A terra que nos falta é a do tipo sagrada, da mesma sonhada e perseguida por povos de outrora. Terra de leite, mel e erva-mate. Pródiga, farta, materna. Não a terra cercada por arames, muros e outras espécies de limites infames. Falta-nos a terra sem dono, mas ela própria senhora de nossos destinos. Terra de sonhos. Bons sonhos... do tipo sonhado por todos... Sonhos de igualdade entre os diferentes. Terra que traz as pegadas de nossos entes pretéritos e os sinais por eles gravados. Memórias que brotam, passeiam feito borboletas, cigarras, beija-flores e pardais... Dançam embaladas pelo vento. Mesmo o minuano parece não demonstrar a menor intenção de amainar o fogo nascido do afeto que permeia as relações. O calor que abrasa as almas. A chama a dançar feito o pensamento. Este, livre, solto, maroto... Mais parece criança envolvida em meio às peraltices e brincadeiras de roda. Nem de perto se parece com o “nosso” amontoado de concreto. É cimento para todo lado! Cubículos e poleiros. Não fossem as fachadas multicoloridas e, por vezes, envidraçadas, logo denunciariam sua verdadeira essência: arapucas. Aprisionam o físico e letargiam os sentidos. Enchem os bolsos de alguns poucos, enquanto esvaziam a caixa de Pandora. No lugar da mitologia, uma perniciosa e enganadora ideologia. Nesta última, não resta sequer a esperança. Escasseia-se o romantismo, sobejam muriçocas. Pudera! Usurpamos, defraudamos, extorquimos, abusamos... Não bastasse, imbecilizados pela arrogância e prepotência, ainda atribuímos a outrem a (ir)responsabilidade que nos pertence. Na linha de tempo, nosso egoísmo umbilical e doentio troca de nome: revolução, progresso, pós-modernidade... A essência permanece. Os frutos revelam a seiva que os alimenta. Por mais bem apresentados que pareçam, seguem perigosos, nefastos e prejudiciais. Pena que – ao contrário, por exemplo, dos insetos, jumentos e ratos – não nos damos conta do perigo. Quiçá, seja o preço de nossa decantada inteligência.

                Urge “ressignificarmos” o espaço em que estamos. Fazermos dele nosso tekoha.  Espaço sagrado, protegido, amado. Espaço onde possamos gerar e ver crescer nossas crianças, livres de estereótipos e preconceitos dissipadores de afetos. Espaço onde viceje o amor, respeito, solidariedade, perdão, responsabilidade... A casa, a escola, a empresa, a rua... Por que não fazer de todo e qualquer espaço um lugar “vital”, verdadeiro tekoha? Espaço de trocas, vivências, experiências, aprendizados...? Espaço de culto, louvor, reconhecimento ao Criador? Espaço de histórias, fictícias ou não, pois no fundo o que encanta é o “contar” e o “ouvir”, a intrínseca relação que daí nasce. Espaço de valorização da genealogia, fortalecimento da família, aproximação das pessoas. Espaço de amizade, saudável cumplicidade, alteridade... Espaço de boa e farta comida, que a todos alimenta, mesmo que estrangeiro. Espaço lúdico, alegre, pródigo em palavras e gestos que promovam a paz, o altruísmo, a autoestima e a confiança em si e no outro. Espaço onde o aprendizado nasça, sobretudo, do “fazer” e do “experienciar”. Espaço onde o livro ocupe o centro da sala, tomado pelas mãos de quem o explora. Espaço de palavras doces, nem por isso menos firmes. Espaço para sinceridade. Espaço para carícia e para o beijo, rápido ou não... Espaço para o afago, para o elogio e para crítica que faz crescer. Precisamos dar vida ao vale de ossos secos em que se transformou, quem sabe, “nossa” (nem tão nossa, pois transitória...) terra e nossa casa. Ressignifiquemos o espaço que hoje ocupamos. Façamos dele nosso verdadeiro tekoha.



[1] Para os guaranis, significa a terra enquanto “espaço vital”. 

sexta-feira, 10 de maio de 2013

QUARENTA SEMANAS




QUARENTA SEMANAS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Parece cabala ou algo parecido. Quarenta traz consigo uma inquietante simbologia. Durante quarenta anos, um conhecido povo da Antiguidade perambulou pelo deserto. Quarenta é também o número de semanas da gestação de uma criança.  Coincidência? Acredito que não. O que é, senão um milagre o complexo processo que dá vida a um ser? Período de sonhos, dúvidas, medos, expectativas, ansiedades... Assim como a travessia no deserto. Acima de tudo, período de esperança, em que pese as intempéries, a aspereza do caminho ou a escassez de recursos. Teimosa esperança. Crença na vida. Fé. Difícil entender e, mais ainda, mensurar o amor de mãe. Como explicar tamanha abnegação? Abre ela, muitas vezes, mão de padrões de beleza, de vaidades, do lazer, tudo em nome de um “devir”. A mãe vê o que outros não veem. O que para maioria é deficiência, limitação e problema, para mãe é apenas “diferença”, potencial e missão. Ela ama até mesmo quem não se permite ser amado. Ama o que erra e o que engana, mesmo que o condene. Amor de mãe é incompreensível. Quem mais é capaz, sem titubear, de abrir mão da própria vida em prol de outrem? Deixar de comer em favor de quem tem fome? Rasgar o próprio ventre sem mostrar qualquer arrependimento? Semear durante anos, décadas, sem a certeza da colheita? Abdicar dos prazeres da carne e, ainda assim, sorrir? Pode haver sorriso mais lindo do que o dela? Para a mãe, sim: o do próprio fruto! Quem mais é capaz de chorar uma noite inteira a pensar no filho que se foi ou naquele que não chega e, apesar disso, trazer ao raiar do dia o semblante sem denunciar a tristeza da véspera? Somente a mãe é capaz de acolher a todos, encher a casa aos domingos, cozer, lavar, secar, dobrar, passar e, depois de tudo isso, sentir saudades dos seus tão logo estes se vão. Daí esta singela homenagem às mães, a começar pela minha: Geci, Rosana, Irena, Alma, Clarice, Liane, Cátia, Aline, Carmem, Nair, Élsia, Angelita ... Mães de todas as idades, etnias, ideologias, crenças, nacionalidades, condições socioeconômicas... Mães sadias e enfermas. Mães empresárias, empregadas, aposentadas. Mães extrovertidas ou não. Vegetarianas, alternativas, adeptas das massas, carnes e sopas de todos os tipos. Mães urbanas e rurais. Cultas e analfabetas. Mães que sofrem, que covardemente apanham, que denunciam... Delegadas, presidiárias, médicas, interditadas, odontólogas, desdentadas... Parabéns a todas as mães !!! 

Veja também:
http://www.institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=bab02de7e4e96a44437aa80776aaeec9

ATLAS



ATLAS
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Condenado por Zeus a sustentar o globo por toda eternidade, Atlas – personagem da mitologia grega – faz lembrar a classe média brasileira. Há algum tempo, vem sendo vergonhosamente extorquida pelo Estado. Este último, como forma de custear os famigerados “programas sociais”, muitos deles flagrantemente eleitoreiros, tem impingido à classe média verdadeiro martírio. Indubitavelmente, tem sido ela a faixa da população que mais perdeu espaço e importância, especialmente do ponto de vista econômico. Os tentáculos da Receita Federal a chicoteiam e a dilaceram. A classe média deste país tem arcado com a maior parte do elevado custo do mastodôntico Estado brasileiro. Um Estado excessivamente pesado, corrupto, ineficiente e incompetente. Um Estado que, historicamente, vem sendo acometido por uma letargia nascida, em grande parte, do jogo político que, por um lado, garante privilégios para alguns poucos, enquanto, por outro, lança a maioria da população às traças, sem a devida e necessária prestação dos serviços públicos. Educação, saúde, saneamento, transporte, segurança... Nenhum, absolutamente nenhum, serviço público vem sendo prestado a contento. Assim, a classe média acaba por ser penalizada duplamente. Paga, a duras penas, escola privada, previdência complementar, segurança terceirizada, plano de saúde, pedágio, etc., para que possa sobreviver nesta selva chamada Brasil. Paga por serviços que deveriam ser prestados pelo ente público. Verdadeiro estelionato institucionalizado, sob o olhar omisso daqueles Poderes que, em tese, deveriam contrabalancear e fiscalizar o Executivo. Farinha do mesmo saco. Diga-se de passagem, um saco tomado de gatunos, muitos deles beneficiados por privilegiados planos de carreira e benesses vitalícios. Enquanto isso, a classe média segue pagando a pesada e, cada vez mais, insuportável conta. Aumenta-se, ano após ano, a arrecadação, na mesma medida que aumenta o caos das escolas, estradas, hospitais e presídios, por exemplo. Criminosa e tirana equação. Sobram comerciais – pagos a preço de ouro –, faltam ações capazes de transformarem os discursos de campanha em práticas efetivas. O Brasil mais parece um eterno e cômico – não fosse trágico – arremedo. Copiamos dos países desenvolvidos apenas o invólucro, jamais o conteúdo. Importamos apenas imagens, olvidamos o mais importante. Ganham apenas alguns poucos: bancos e grandes empresas, que, por meio de vultosos lobbies corrompem pessoas e comprometem estruturas. As “agências reguladoras” – surgidas sob a égide da decantada eficiência – não passam de cabides de emprego e de moeda de troca em benefício de interesses escusos. O cheiro fétido que brota dos corredores do Planalto (síntese do asqueroso Estado brasileiro), vez por outra, é escamoteado por iniciativas que só aparentemente agraciam os mais pobres. Doam-se migalhas como forma de não dividir o bolo. A tática, apesar de angariar os votos dos maiores bolsões de miséria, é incapaz de ocultar as homéricas contradições sociais. Tática que não arrefece o sentimento de injustiça e de quase ódio. Sentimento que encontra eco e terreno fértil no vexatório estado em que se encontra a classe média brasileira.  

Veja também:
http://www.institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=daa35366a22764f5d9b758983c1e9a1e

quarta-feira, 8 de maio de 2013

BOA-FÉ



BOA-FÉ
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Há muito venho sendo desprezada. Noutros tempos, era eu chegar e pronto! Sem cartão de visita, sem procuração, sem escritura pública ou coisa que o valha. Quase todos me conheciam, exceto os recém-saídos das entranhas de mulher. Minha palavra era tida por sacra, sem qualquer margem para dúvida ou desconfiança. Sentava-me à mesa com generais e praças, senhores e servos, ricos e miseráveis, ximangos e maragatos, monarquistas e republicanos, doutores e iletrados. Sobre a varanda, no interior da sala-de-estar ou no mais íntimo da alcova, eu era respeitada. No Parlamento, no gabinete, no escritório, na sala de aula era tratada como dama, querida e sempre bem-vinda. No Fórum, aos papéis era reservado lugar secundário, pois que a mim cabia ocupar o pedestal. No recôndito do lar, nada era decidido sem minha presença. Era onipresente, ao contrário de hoje... Ah, hoje... Agora sou uma “quase-nada”. Preterida pela formalidade do papel ou pela assinatura digital, tenho sido relegada. Zombam de mim, hora tida por ingênua, hora por tola. Feito alienígena, pareço de outro planeta. Sinto-me abandonada. Afastaram-me das audiências e passo de largo até mesmo das mais pueris reuniões de família. Juízes, delegados, prefeitos, professores, padres, pastores, empresários, operários, mendigos, presidiários... Todos me traem e espezinham. Virei letra morta de livros antigos, de folhas amareladas e carcomidas pela traça. Crianças, nem elas me respeitam. Pudera, como poderiam? Sequer me conhecem! Os pais, meus antigos guardiões, ocultam minha identidade e escondem meu passado. É como se jamais tivesse existido, menos ainda reinado. Salvo um  ou  outro  – por vezes, ironicamente, taxado de louco –, todos  dão de ombros quando passo. Ignoram-me. Nada valho. Lançaram-me na vala comum das expressões vazias: amor, fidelidade, honestidade, ética... Fui superada, dilacerada pelo relativismo exacerbado e perverso dos mortais. Lembram de mim, como de uma concubina qualquer. Sem compromisso! Só me possuem quando convém. Na academia, mesmo entre os bacharéis e futuros operadores do Direito, sou não mais do que um verbete, às vezes em latim, às vezes no vernáculo. Num e noutro, apenas mais uma entre muitas palavras desconhecidas de fato. O trono outrora por mim ocupado, hoje é tomado pela desfaçatez, engodo e perfídia. Foi-se o tempo em que nas ruelas e praças sacavam o chapéu para as senhoritas e mulheres casadas, tempo em que os cavalheiros curvavam-se em sinal de respeito e deferência, tempo em que eu frequentava desde os palacetes aos mais humildes mocambos. Hoje, os tempos são outros. Multiplicaram-se as avenidas e arranha-céus na mesma velocidade dos punguistas. As silhuetas esguias deram lugar aos corpos obesos e lerdos, enquanto o vocabulário rebuscado cedeu lugar a um punhado de monossílabos. As longas caminhadas entre os quarteirões não passam de lembranças. As cadeiras giratórias da pós-modernidade embalam traseiros enormes e embotam os mais elementares valores da vida. Enquanto isso, sigo lançada a um canto sob a forma de mídia, quando não trancafiada num arquivo-morto. Sobra farelo de bolacha e manchas de Coca-Cola em torno da mesa, falta conhecimento a meu respeito. Poucos me desposam. Chamo-me boa-fé. 

Veja também:
http://www.institutosaofrancisco.com.br/site/artigos_visualizar.php?artigo_autenticacao_=1bbe98757fc14ac43c4ace4ddad277f5