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sábado, 21 de dezembro de 2013

O BOM VELHINHO


O BOM VELHINHO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Mais um Natal. É sempre a mesma história. Bom velhinho p’rá cá, bom velhinho p’rá lá... Apesar de compreensível a tradição de tamanha deferência, dito costume merece algumas considerações. Quem é, afinal, o tal do velhinho senão aquele ou aquela que, ainda ontem, ralhávamos, criticávamos, quando não desprezávamos? Terrível mania que temos em engrandecer quem está distante e diminuir quem se queda ao nosso lado. Quem é o bom velhinho senão nosso pai, mãe, irmão, irmã, companheiro ou esposa? O polo norte está bem mais perto do que imaginamos, logo ali. As renas, a puxarem o trenó, surgem na mesma medida que nos permitimos sonhar. Presentes, temo-los para todos. Basta disposição para partilha. Quanto mais distribuímos amor, mais o temos. Abraços, beijos, palavras doces então... Uma mesa farta de delícias, daquelas que jamais enfaram ou terminam no fundo de uma latrina. Pode haver melhor sorriso do que aquele que nos quer bem e de quem se deixa amar? Natal é momento de “reunir”, o que dá ideia de “unir de novo” e, para fazê-lo, pressupõe-se laços anteriores. Laços, quem sabe, fragilizados pela infidelidade, pela mentira, pelo excesso de trabalho e dita falta de tempo, pelo não dito, pela desconfiança, pelo materialismo exacerbado... Nada que o perdão não seja capaz de dar um jeitinho. Afinal, ele traz consigo o bálsamo que cura a alma, tanto de quem perdoa como de quem se sente, verdadeiramente, perdoado.  O saco do bom velhinho pode ser a reinvenção da caixa de Pandora. Nele, em abundância, se encontra toda sorte de dádivas e valores, prontas para serem liberalmente distribuídas, sem qualquer espécie de avareza. Como pagamento, nada que o dinheiro, a fama ou os holofotes desta Babel de pés de barro possam pagar. Não há, na verdade, contraprestação. A bondade, a longanimidade, o amor, a paz e tantos outros frutos do espírito dispensam – não que os desprezem – retorno ou reciprocidade. Daí ser eterno e incondicional o sorriso do bom velhinho. Sorrir lhe faz bem. Amar lhe faz bem. Perdoar lhe faz bem. Bom Natal e não deixe de dar um abraço em quem você ama! 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A CABANA


A CABANA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br





                Encomendara ao pintor desconhecido, daqueles que batem de porta em porta oferecendo seus trabalhos, uma tela tendo como temática uma cabana. Só se dera por conta do equívoco quando da entrega da encomenda. Decepção total. Não que a pintura, por si, deixasse a desejar quanto à estética, cuidado com os traços ou jogo de cores. Até que era bonita. Porém, em nada correspondia à expectativa. Cada um tem sua própria cabana. Esta é personalíssima, única, construída – sob medida – conforme a alma de cada um. A cabana dela era simples, a tal modo a se confundir com o entorno. Uma espécie de mimetismo natural, onde a morada aparecia como uma espécie de prolongamento da mata, dos galhos da figueira, do braço de rio. Uma cabana acolhedora, com as poucas paredes tomadas de cestos, arcos, pássaros perfeitamente esculpidos na madeira. No centro, a fogueira permanentemente acesa a exalar o inconfundível cheiro da lenha. Enquanto esta ia sendo consumida lentamente pelo filete de chama multicolorido a dançar de um lado para outro, sobre a chapa do fogão de barro ficava a cozer algumas batatas postas de véspera. A cabana dela desconhecia o frio. Acolhedora feito o ventre, ali dentro todo forasteiro era bem-vindo. Como pagamento, só o espírito desarmado e o sorriso largo. Afinal, pode haver maior riqueza do que uma boa companhia? Lá fora, o coral de sapos-martelo, grilos, lobos-guará e uma infinidade de seres da floresta. A iluminá-los, o pisca-pisca dos vagalumes e a romântica claridade da lua. No interior da cabana, a bebida cuidadosamente preparada e, por vezes, dividida. Bom mesmo era sorvê-la no grupo de amigos, com a taça passando de mão em mão, fazendo lembrar o verdadeiro sentido da ceia: a partilha. Contudo, mesmo quando sozinha na cabana, jamais se sentira solitária. O minuano a soprar no inverno ou o ar quente a prenunciar a chuva traziam consigo uma indescritível sensação de paz. As forças da natureza, ali eram bem quistas. Não as temia. Ao contrário, parecia confabular com elas. A cabana era seu porto seguro. Estava presa a ela. Ainda pequena, já a imaginava. Comum era vê-la rabiscar no caderninho os traços do lugar que a acompanharia por toda vida. Um espaço de descanso, meditação, tomada de decisões. Ela e a cabana se confundiam numa relação umbilical. Ninguém melhor do que a cabana para conhecê-la. Segredos, medos, projetos... Cumplicidade total, irrestrita, fiel. Tamanho significado, de fato, só poderia caber no coração, jamais num pedaço de papel. Quanto ao pintor desconhecido, seguisse talvez a vender por aí suas telas. Clientes, quem sabe, destituídos de uma cabana que pudessem chamar de sua. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O EXAME


O EXAME
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Seria a primeira vez, e tomara que última, que passaria por aquela situação, todo aquele constrangimento. Histórias não faltavam, de tal forma que o sofrimento só aumentava. Sem falar, é claro, nas piadinhas e indiretas fazendo alargar, ainda mais, a ferida. Nos últimos quinze dias, só pensava naquilo. Algo lhe dizia que o exame era como que o divisor de águas da própria vida. Antes e depois. Só em pensar no tal do dedo, arrepiava. Não fosse macho, desandaria a chorar. Procurara na lista de urologistas um nome que pudesse, quem sabe, indicar algumas características do sujeito. A primeira estratégia era fácil, eliminar as doutoras. Só de imaginar de ficar de quatro para uma mulher... Ora bolas, alguma dignidade ainda lhe restava. Excluídas as do sexo oposto, a tarefa de escolher o médico “certo”, do seu “tamanho”, ia se tornando mais complicada e arriscada. Qualquer vacilo, estaria em maus lençóis. Passava e repassava nome a nome na lista dos médicos conveniados. Cuidado parecido com o que tinha na escolha dos números da mega-sena. Torcia para que na escolha do dito cujo tivesse mais sorte, do contrário estaria frito. Eram muitos nomes. Quais os critérios a serem usados? Pela antiguidade do CRM? Arriscado, vai que pegasse um médico com técnicas ultrapassadas, querendo fazer o troço pegar no tranco, sem nada de diálogo ou preliminares? Quem sabe, ainda, um velho míope ou com mal de Parkinson... Já pensou, aquela tremedeira toda depois de iniciado o procedimento? Por outro lado, os recém-formados também eram perigosos. Inexperiência, falta de prática ou coisa que o valha. Pior, um gurizote com aquele sorriso no canto da boca a desdenhar da diferença de idade em relação ao paciente. Definitivamente não! Nem oito, nem oitenta. A hora pedia equilíbrio, ponderação. Meia idade, portanto. Qual? Merda, o que poderia ser considerado meia idade? Nunca pensara o quanto era difícil escolher um médico. Chutou: quarenta e cinco! Alguma vez na vida teria de acertar um número que fosse. Saudades do Padre Nácio, antigo pároco, astrólogo e numerólogo, que conhecera nos tempos de colégio. Escolhida a idade, o próximo passo era o nome. Todos os que terminassem ou pudessem receber uma flexão em “ão”, por exemplo, eram automaticamente eliminados. Paulo, Roberto, Marcos, Pedro... Nem pensar. Não lhe enganavam. Até podia ouvir a voz da consciência – ou do órgão prestes a ser invadido – dizendo: “Paulão, Robertão, Marcão, Pedrão...”. Eram nomes fortes demais para seu gosto. Preferia nomes mais suaves, tipo assim... Leopoldo, Décio, Juvenal. Nomes que não admitissem aumentativos. O que era uma lista enorme, foi se reduzindo. Agora, não passava duns trezentos ou quatrocentos nomes. A próxima peneira era a do sobrenome. Os de origem alemã, italiana, russa, polonesa foram ficando pelo caminho. Muito rudes. Além de serem dados ao vinho, chope, vodka, salame e polenta. Não! Precisava, isto sim, era de alguém mais “zen”, alternativo, leve. Quem sabe alguém capaz de fazer o tão temido toque por meio do espaço, sem o auxílio das mãos, impulsionado pela energia do cosmos. De repente, um insight. Rapidamente procurou por Allan Kardec, Chico Xavier, Nostradamus... Sem sucesso. O negócio era seguir a busca entre nomes comuns. Concentração total. Sequer piscava. Foi afunilando, afunilando, afunilando, até que chegou ao nome de um urologista de nome oriental: Fuji Miinho. Tudo parecia conspirar a seu favor. Finalmente! Homem, meia idade – ao menos é o que parecia indicar o CRM –, oriental e, para coroar, aquele nome tão delicado. Até parecia já ver o sujeito. Um japonesinho de um metro e sessenta, mãos pequenas, cabelinho preto escorrido sobre o rostinho delicado. O médico de seus sonhos. Batata. Não tinha erro, era ligar e marcar. Dito e feito, na mesma hora pegou o telefone e agendara a consulta para o dia seguinte. Incrível. Tirara a sorte grande! Soubera de gente que levara quinze, trinta, sessenta dias para conseguir uma consulta. Dia seguinte! Mal podia acreditar. À noite, optara pela castidade, tomara um banho demorado, usara o sabonete não sei quantas vezes na região a ser examinada. Afinal, tinha que fazer sua parte, dar sua cota de sacrifício. Dormira como uma criança naquela noite. Levantara cedo, tomara mais um banho para garantir e até fizera uso de talco infantil para, digamos assim, facilitar as coisas para o senhor, como era mesmo o nome?,  Fuji Miinho... O local em nada parecia indicar a existência de uma clínica. Tocara a campainha. Um sujeito enorme, quase dois metros de altura, com a cara tomada de sardas e um par de olhos levemente puxados – resquício de uma longínqua herança oriental, quando da separação entre os continentes –, com os braços que mais faziam lembrar duas toras de madeira, com os dedos... Ao reparar nos dedos do desgraçado, um frio percorreu-lhe toda espinha, de alto a baixo. Eram descomunais. Pareciam destroncados, tamanho eram as juntas. Não podia ser... Já não atinava no que aquele brutamontes perguntava. Suava frio. O corpo inteiro tremia. O jaleco, um tanto que amarelado, não deixava dúvidas. Ali, feito a inscrição na lápide do defunto, restava estampado, apenas o sobrenome do sujeito: Miinho. Melhor, Dr. Miinho.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A BALA


A BALA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                O Natal se aproxima. Mais um. Existem motivos para comemorar? Para muitos sim, por vezes embasbacados pelas lantejoulas do mercado. Contudo, para um significativo número de famílias, a data só faz aumentar a dor, a tristeza, a saudade, a decepção e a profunda sensação de impunidade. Quisera existissem balas “perdidas”. Para quem? Não para o pai, para a mãe, para o filho ou para o irmão... Bala certeira isto sim, capaz de ceifar a vida e a esperança. Poderoso e funesto calibre a rasgar a alma dos entes que ficam. Dor incurável, indescritível, irrecuperável. Sofrimento que a incapacidade, omissão e letargia do Estado só faz aumentar. Ironicamente, a data traz consigo o indulto natalino. Perdão para quem? A quem caberia mesmo “perdoar”? Indulto que revolta e faz sangrar a ferida de quem é vítima. O mesmo Estado que contribui – com sua fragilidade institucional e permissividade jurídica – para a violência, é o Estado que “perdoa”. Baseado em quê? Alega critérios que, é sabido, são desencontrados e nada convincentes. Bandidos e criminosos de toda sorte, de roldão, ganham as ruas. Voltam, quase sempre, a delinquir. Ao Estado, resta o escárnio e a merecida imagem de fraco. O gigantismo e a obesidade – alimentados pela extorsão tributária institucionalizada sobre o contribuinte – não se travestem em força. Ao contrário. Feito espantalho, o ente público se põe imóvel, ao sabor do vento. Não por acaso, feito corvos, magistrados enfiados em suas vestes escuras, não apenas comem o milho, como o estocam em quantidade, enquanto os pobres mortais, hipnotizados pela ideia de um Eldorado inexistente, se contorcem famintos em meio ao estrume da saúde, (in)segurança e ensino precárias. Aos corvos, juntam-se os abutres – classe política acostumada à carniça resultante das partilhas e jogos de interesse –, e outras aves de rapina. Espreitam o ambiente, quase sempre favorável, à espera do melhor momento para encherem as cuecas, as meias e algibeiras. Ao que parece, a bala que mata o inocente não os assusta. Vivem noutro mundo, o dos carros blindados e jatos particulares. Têm o corpo são, apesar de toda nojeira que representam. Desconhecem filas. Quanto às fichas, só conhecem as da jogatina nos paraísos fiscais, pagas com dinheiro público. A bala, ao que parece, é seletiva. Mata trabalhadores, pobres, desabrigados, velhos, jovens, mulheres... Pudesse, democratizaria a bala. Estenderia seu poder de fogo, também, aos bem “apessoados”, togados e engravatados. Já que se auto intitulam “do povo”, nada mais coerente que sofrerem das mesmas chagas. Talvez, aí sim, o país mude. Quem sabe, então, tenhamos um bom motivo para comemorarmos o Natal.


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

DEPOIS DOS QUARENTA


DEPOIS DOS QUARENTA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Mais uma primavera. Passada a barreira dos quarenta, a gente meio que se perde na idade. Acho que são quarenta e cinco. Sou de sessenta e oito. Tirem suas próprias conclusões. Sabem como é, a idade avança de maneira inversamente proporcional à capacidade da memória em gravar datas, nomes, trajetos... Há exceções, claro. Não sou uma delas. Dizem que me encontro na “idade do lobo”. Tolice. Dele, não tenho a astúcia, a destreza, a capacidade de caça... Por que então a analogia? Talvez, na melhor das hipóteses, possa me equiparar a um lobo solitário, faminto, capenga e sem dentes. Para piorar, com o paladar e olfato comprometidos pela idade. Um lobo a causar mais dó do que medo. Mais asco do que admiração. Lobo, só de nome. É assim, neste estado, que cheguei aos quarenta e cinco (?). Mais para lá do que para cá. A luz a chamar-me no final do túnel, só não a vejo por conta da miopia. Para meu consolo, inúmeras têm sido as manifestações de carinho pela passagem de meu aniversário. Parentes, amigos, colegas, ex-alunos... Preferível hoje que depois. Amanhã, quem sabe, serei pouco mais do que uma lembrança, ainda que boa, entre tantas outras. Somos, no fundo, “substituíveis”, pois efêmeros e transitórios. Daí ser vã toda arrogância e prepotência. Corre-se o risco de garantirmos sequer a boa lembrança a nosso respeito. Nossa casa é um bom termômetro, talvez o melhor. Como minha esposa e meus filhos de mim lembrarão ali adiante, depois de passar o fosso que nos separa do além? Espero ter semeado e seguir semeando – até quando? – coisas boas. Por vezes, não tenho dúvidas, vacilo enquanto pai e companheiro. Equivoco-me, ainda, enquanto professor, amigo, colega de trabalho. Ainda assim, ao que parece, toleram-me. Tamanha paciência e condescendência frente às minhas fraquezas, só faz crescer minha admiração pelo ser humano. Como cobrar deste mais do que eu mesmo sou capaz de dar?  Como projetar nele o que jamais fui, sem deixar de ser coerente ou verdadeiro? Por isso, ao chegar aos quarenta e tantos anos, pouco tenho a reclamar. Devo, isto sim, é agradecer pelas imensuráveis dádivas recebidas, a começar pelos meus pais, irmãos, esposa, filhos, amigos, ex-alunos, colegas... Miríades e miríades de crianças, jovens, homens e mulheres de todas as etnias, crenças e idades que, ao passarem pela minha vida, mesmo que de maneira rápida e aparentemente discreta, deixaram marcas. Sou, em parte, reflexo de cada um e de cada uma. Verdadeiro amálgama, inegável dialética forjadora deste lobo capenga e sem dentes, porém feliz! Muito obrigado pelas mensagens de carinho pela passagem do meu aniversário. 

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

DISCURSO DE FORMATURA


DISCURSO DE FORMATURA[1]
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Boa noite! Saúdo a mesa e, ao fazê-lo, saúdo a todos aqui presentes. Findo não apenas “mais um”, mas “o” ano letivo. O tempo não se repete, da mesma forma que um ano jamais foi, é ou será como outro. Os formandos de hoje são únicos, singulares, especiais... Longe de ser piegas, confesso já sentir saudade de cada um de vocês. Ao partirem, levarão não um, mas vários “pedaços” deste velho professor. Talvez por isso, certo desconforto na alma. Espécie de melancolia, meio que um vazio existencial, quiçá só comparável ao sentimento de “perda” da mãe ao lançar o próprio filho ao mundo. Ficará bem? Quem cuidará dele? Quem o alimentará, vestirá, acalentará? Pouco adianta lembrá-la ser o filho homem já feito, com barba na cara e tudo! Mãe é mãe, assim como professor é professor. Para onde irão nossos formandos? Qual o futuro preparado pelo destino, se é que este existe? Trilharão o caminho acadêmico, do trabalho ou de ambos? Enveredarão para o campo das “exatas” ou das “humanas”? Optarão pela graduação ou curso técnico? Tudo isso importa, porém é pouco comparado à maior dúvida: serão felizes? Saberão fazer uso das ferramentas por nós dadas? Serão capazes de discernirem entre o que é bom e o que não é?  Estarão aptos a enfrentarem os riscos da “selva” reservados pela vida? Lembrarão dos nossos ensinamentos? Farão frutificar os valores por nós disseminados? Cada um de vocês é produto de muito investimento, não apenas econômico ou temporal, mas, sobretudo, afetivo. Investimento este caro, afinal nasce junto ao que há de mais precioso: o coração. Daí a ligação umbilical professor-aluno, relação esta forjada no tempo, aprofundada em cada pergunta, resposta ou até mesmo no próprio silêncio. Pai que ama, conhece. Desnecessário é lembrar o quanto o professor os conhece. Este é “aplicado”. Aquele, “malandro”. Este é “introvertido”. Aquele, “expansivo”. Cada qual com suas qualidades, o que os torna únicos. Diferentes entre si, mas amados, mesmo – e, talvez, principalmente – os mais “rebeldes”. O ano está chegando ao ocaso. Lembrarão os formandos – daqui a dez, vinte ou trinta anos – deste professor? Difícil dizer. Contudo, assim como a mãe jamais esquece o filho nascido do ventre, serão vocês eternamente lembrados por este singelo aprendiz. Pouco tenho a reclamar comparado ao que preciso agradecer. Obrigado pela paciência, carinho, acolhida, amizade. Obrigado, ainda, pela condescendência frente às minhas inúmeras falhas. Obrigado aos colegas de profissão pelo belo trabalho ao longo da jornada. Obrigado aos pais e responsáveis de cada um dos formandos, pois a vitória destes é, também, de vocês. Louvo a Deus pela vida de cada um e de cada uma, desejando muita paz, saúde e prosperidade. Muito obrigado!

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[1] Texto em homenagem às Turmas 31, 32 e 33 de 2013. 

DIA DO "TROCA" !


DIA DO “TROCA”!
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Meu Deus, o que fora aquilo? Mais parecia pesadelo. Nunca vira “mulheres” tão feias. Desfiguradas pelo excesso de batom e blush, eram de arrepiar. Nem a pior das sogras, por mais mal amada que fosse, se compararia “aquilo”. Desesperador. Mais pareciam personagens daqueles filmes de terror. Por melhor que fosse a intenção daquelas figuras, com todas aquelas poses por elas tidas como sensuais, era o verdadeiro quadro da dor. Simplesmente horríveis. Uma pior do que a outra. Rebolavam daqui e dali, olhavam de soslaio, faziam caretas, “zoinhos” e “beicinhos”, tudo para chamarem atenção. Não por acaso, não foram poucos os olhares direcionados para a sacada do Prédio Dois, onde se formou uma espécie de “gaiola das loucas”, com um grupo de disparatados “travestis” de ocasião. Guris vestidos de gurias e vice-versa. Verdadeiro deus-nos-acuda. Ao som de “I Am What I Am”, alguns formandos fizeram do espaço uma discoteca improvisada, sob o olhar atônito dos mais novos. Duvidasse, naquele momento, até o corpo – ou o que sobrara dele! – do velho Monsenhor teria se revolvido. Ao contrário de uma que outra beata desconhecedora do “espírito” daquele momento, a maioria demonstrara aprovação. Até mesmo alguns professores, disfarçadamente, pareciam seduzidos pela música a embalar os movimentos da gurizada do Terceirão. Pezinho p’rá cá, pezinho p’rá lá, no íntimo, queriam gozar daquela liberdade. Os alunos haviam caprichado no look. Os guris enfiados naquelas saias, vestidos e bustiês, enquanto as gurias lançavam mão da “indumentária” masculina. Enquanto elas representavam jogadores de futebol ou “magrinhos” com as calças caídas próximas aos joelhos, os guris – em quase sua totalidade – trouxeram o que há de mais escandaloso dos bordéis e meretrícios do centro da cidade. A criatividade correra solta naquela manhã. Inesquecível. Algo para ficar na memória da escola encravada na Zona Norte da capital gaudéria. Uma leva de alunos e alunas que deixarão saudade. Histórias que foram sendo forjadas, também, em meio às salas de aula, à cantina, ao pátio, aos ginásios, aos corredores e, para alguns é verdade, à Disciplina... Mesmo estes últimos, por certo, cresceram e nos fizeram crescer. Afinal, ser “humano” é ser “devir”, eternamente “incompleto” e “complexo”, mas essencialmente “pronto”, pois imagem e semelhança do Criador. Basta estar vivo para poder ser amado, deixar-se amar e, de preferência, também amar. Pode haver melhor espaço do que a escola, além da família, para o exercício do amor, da gratidão e do respeito? Na escola criamos, recriamos e somos recriados. Formamos e somos formados. Ensinamos e aprendemos. É ela espaço privilegiado de humanização, de resgate ou até mesmo de “fundação” do sentido da vida. Exceto o olhar dos bons pais, nada se iguala ao cuidar do mestre que educa com carinho. O que será de nossos queridos formandos? Somente o tempo dirá. Entretanto, tempo como o que se foi ou que é, acreditem, jamais será. Por isso, aproveitem! O dia do “troca” mais do que simbólico ou ritualístico, é o extravasamento de uma alegria contida, alegria esta que, nós professores, queremos compartilhar. Parabéns a todos os formandos do Instituto de Educação São Francisco.   

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sábado, 16 de novembro de 2013

PARTIDOS E PORNOGRAFIA


PARTIDOS E PORNOGRAFIA
Gilvan Teixeira
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                Desde já, perdão pela analogia. Bem sei que ninguém gosta de ser comparado à classe política que ronda os espaços públicos deste país. Contudo, é inevitável lembrar, quando dos discursos político-partidários, dos filmes pornôs. O que ambos têm em comum? A absoluta e total falta de criatividade. São sempre as mesmas falas. Por vezes, nos filmes pornôs, o que dá uma mudadinha é o cenário, a cama redonda é substituída pela retangular ou, então, o parceiro deixa de ser um homem para ser um cavalo. Nada que altere a “alma artística” da obra. Nos discursos partidários, da mesma forma. Muda a bandeira, a legenda, mas – como diria uma velha propaganda – a “voz” continua a mesma. O discurso ou é centrado na defesa do injustificável ou, no caso da oposição de ocasião, é pautado na crítica cega e hipócrita à gestão adversária. Neste último caso, condena o que ainda ontem fizera ou logo ali adiante o fará. Adora atirar pedra, esquecendo a fragilidade da própria casa. Partidos e filmes pornôs, como se vê, têm muito em comum. É bem verdade que se diga, para que se faça justiça, que os filmes pornôs são mais respeitosos do que os partidos. Estes, sequer respeitam o horário nobre da televisão, ao contrário dos primeiros. Sem falar, é claro, no vocabulário. Enquanto os pornôs são monossilábicos, os partidos políticos ofendem o bom português. Quanto ao elenco, os filmes pornôs não o esconde, o põe desnudo por completo. Nada encobrem, nem mesmo – quem sabe – o que deveriam. Já os partidos, tomados de um cinismo mal disfarçado, parecem brincar de esconde-esconde. Trazem a público apenas parte de seus “quadros”, enquanto a outra parte – formada, muitas vezes, por uma interminável lista de larápios, quadrilheiros, fraudulentos, mentirosos, ímprobos, sonegadores, etc. – fica à sombra, feito ratos a infestarem os porões da República. A impressão causada pelos partidos neste país é inigualável. Os filmes pornôs, comparados às agremiações partidárias, mais parecem arte sacra. Enquanto na pornografia em questão prepondera o prazer mundano, mas aceitável, na prática partidária vigora a perdulária lógica da tirania travestida de democracia. Os filmes pornôs são prazerosos para quem os faz e para quem os assiste. Os discursos político-partidários são, por sua vez, verdadeiro atentado à inteligência e paciência de quem os vê e escuta. Talvez, por isso, “obrigatórios”, pois que do contrário poucos se renderiam à lábia (ou falta dela!) enganosa e frágil, por vezes mal ensaiada, daquela gente. Mais convencem os gemidos “cinematográficos” dos filmes pornôs do que as “belas” palavras dos nobres legisladores, gestores e aspirantes. Sereia por sereia, é preferível o canto das peladas ao das trajadas, pois que o primeiro soa mais real, verdadeiro e humano.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

PINÓQUIO: A MALDIÇÃO DO NARIZ


PINÓQUIO: A MALDIÇÃO DO NARIZ
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br




                Porto Alegre está debaixo d’água. O Sertão nordestino vive a maior estiagem dos últimos cinquenta anos. Os serviços públicos vão de mal a pior, comprovando a conhecida teoria de que nada pode ser tão ruim que não possa piorar. Malversação de recursos públicos, corrupção, criminalidade, ajeitamentos políticos, impunidade, precariedade dos hospitais e postos de saúde, pífia qualidade do ensino (principalmente público), privatização das riquezas nacionais e socialização dos prejuízos da iniciativa privada, corporativismo doentio e irresponsável, falta de celeridade do Judiciário, confusão entre os interesses público e privado, encampação político-eleitoreira dos órgãos e conselhos de controle social, falência do transporte público, superfaturamentos, preponderância da indicação política sobre a competência técnica para ocupação de postos essenciais da Administração Pública, endividamento público, juros abusivos, lucros exorbitantes de alguns poucos grupos econômicos, carga tributária insana e sem a contraprestação mínima exigida, desmanche das rodovias e ferrovias, falta de investimentos em fontes alternativas de energia, flagrante especulação imobiliária... A lista, sabemos todos, não para por aqui. É longa, cara e complexa. Todavia, não é o que noticia a propaganda oficial e nem tampouco pregam os marqueteiros pagos a preço de ouro. Para o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), está tudo bem. Independentemente da bandeira partidária ou do matiz ideológico – se é que este existe –, quem está no poder (e com ele se confunde) parece desconhecer o país. Talvez se refiram a outro Brasil. O discurso de quem é “situação” só se aproxima da ótica do homem médio quando na condição de “oposição”. Ainda assim não convence, pois, via de regra, se mostra incapaz de superar as próprias contradições. Condena aqui o que opera ali adiante. Parece maldição. Faz lembrar o nariz do Pinóquio. É mentir, o nariz cresce. Assim tem sido o Estado brasileiro. Arrota números astronômicos, na casa dos milhões e dos bilhões, incompreensíveis para nós, simples mortais. Tudo para tentar justificar o injustificável. O verdadeiro e crível investimento não é o das planilhas frias dos burocratas que infestam os corredores e gabinetes. Como Tomé, devemos acreditar no que vemos. O que vemos, quase nada tem de bom. Políticas públicas dizem respeito às ações concretas que se materializam em forma de serviços de boa qualidade. O resto é balela, conversa para boi dormir. Talvez, por isso, sejamos tratados como gado, prontos para o matadouro. O Estado arranca nossa pele e suga nosso sangue. Triste e inaceitável sina. Nascemos e morremos de forma quase igual, nos corredores apertados e sujos que nem de perto lembram um hospital, onde a morfina – quando não em falta –, tal qual o arcabouço jurídico, pouco mais faz do que engambelar a dor. O discurso estatal, em todas as esferas e em todos os “Poderes” constituídos, se mostra dissociado do mundo real. Não por acaso, o nariz do boneco de madeira segue crescendo, crescendo, crescendo... Incômoda e desconfortável a situação do Estado. Até mesmo a velha “política do pão e circo” parece falhar. A Copa do Mundo de 2014, por exemplo, tem deixado, cada vez mais, de ser uma “expectativa” para se tornar uma enorme frustração e grande dor de cabeça. O nariz de Pinóquio, ao que parece, cresceu em demasia. As fissuras, dia após dia, crescem. Os movimentos populares, a indignação vindo das ruas, o crescimento da intolerância (não seria da impaciência?) são, muito provavelmente, emblemáticos sinais de que o nariz está com seus dias contados. O Brasil que se quer não é o dos discursos vazios e oportunistas, nem tampouco das cifras a preencherem incontáveis casas. O país que se quer é um Brasil onde o Estado exista para servir e não ser servido, um país onde saúde, educação, segurança, transporte e saneamento básico, por exemplo, venham ao encontro da qualidade que cada um e todos merecemos. Queremos um Estado de verdade, real, capaz de promover a justiça social e de restabelecer a esperança há muito tempo perdida (já a tivemos?). Desejamos um país onde Pinóquio seja tão somente o eterno menino de Gepeto. 

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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A PROVA (2)


A PROVA (2)
Gilvan Teixeira
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                Final de mais um ano letivo. Alunos em polvorosa. Lembram um navio a naufragar. Nele, se vê de tudo, desde aquele a enxergar a tão falada luz ao fundo, como o que, precavidamente, constrói seu próprio bote salva-vidas. Tem, ainda, o grupo dos que transitam entre os extremos. Nem oito e nem oitenta. Tipo o náufrago com água pelo pescoço. Reza para todos os santos por um banquinho de areia, capaz de garantir-lhe algum fôlego. “Ano que vem será diferente”, prometem a si mesmos. Contudo, entra e sai ano, é sempre a mesma coisa. Fossem os santos vingativos (dizem que alguns têm memória curta...), tais alunos estariam em maus lençóis. Novembro é prenúncio não apenas do verão, mas da temida Recuperação de final de ano. Enquanto uma minoria conta os dias para as merecidas férias, coroando um ano letivo recheado de boas notas e conceitos, a maioria conta as “moedinhas”, torcendo para que alguns “centavos” caiam do céu. Dão a vida por um ou, até mesmo, meio “pontinho”. Parecem acreditar que, como num passe de mágica, aprenderão a nadar. Habilidade esta que, muitas vezes, propositada e irresponsavelmente, não fizeram a menor questão de aprender. Todas aquelas horas de treinamento, estudo e preleções pareciam demasiadamente chatas e desnecessárias. Agora, frente ao mar revolto e à distância da praia, os náufragos se ressentem das lições não apreendidas e não feitas. À medida que se avizinha a tragédia, muitos desses alunos demonstram certa crise de consciência. Por que aquela conversa paralela, enquanto o professor se estrebuchava lá na frente? Por que aquela atividade não feita ou entregue intempestivamente? Por que a desobediência às orientações mais elementares? Dizem que quando a morte se aproxima, passa como que um filme na cabeça do moribundo. Pois é... Mais ou menos assim na cabeça do aluno perante o cadafalso. Tarde demais, talvez. Quem sabe, reste um último suspiro. O desespero parece aumentar ao ver o olhar piedoso dos poucos colegas que “tiraram de letra” o ano. Enquanto estes usavam horas de sono e lazer preparando a “arca” que os livrasse do dilúvio típico e desesperador do término de ano, o aluno incauto prodigiosamente esbanjara seu tempo em fogosos prazeres. Chegara, todavia, a hora da ceifa. O que diria o professor? Resolvesse este dar, mais ainda, aos que têm e tirar do que não tem, jazeria o “filho desobediente” no mais profundo inferno astral. Entretanto, como bom pai, o mestre não se cansa de oportunizar mais uma, entre tantas outras, chance. Por alguns, chamada de amor ou de perdão. Para os pedagogos, simplesmente Prova de Recuperação. O nome, convenhamos, pouco importa. O que, de fato, conta, é a intenção. Esta, porém, para que não seja estéril, exige reciprocidade. Assim, queridos alunos, aproveitem cada momento e oportunidade para aprenderem e provarem, principalmente para si mesmos, de que são capazes de superarem as dificuldades, por maiores que sejam. 

sábado, 9 de novembro de 2013

BOAS IDEIAS


BOAS IDEIAS
Gilvan Teixeira
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                Boas ideias são como espermatozoides, a maioria não é aproveitada. Poucas são as que fecundam e chegam, digamos... a um destino. Este, na verdade, quase sempre é mais ponto de partida do que de chegada. A boa ideia, quando se materializa, logo passa a exigir outra boa ideia, depois outra e mais outra... Bem aventurados aqueles que conseguem ter boas ideias gêmeas. Os que têm trigêmeas viram lenda. Mais do que isso, convenhamos, é pura ficção. As boas ideias são como estrelas cadentes, quando pensamos em fixar o olhar, onde estão? Somem, como que num passe de mágica. Ficamos nós, meio embasbacados, a nos perguntar: teria sido um sonho? As boas ideias, normalmente, não se deixam fotografar. São meteóricas e, em regra, nada fotogênicas. Feito prenda bonita, é descuidar, ficamos a dançar sozinhos no meio do salão. Daí a importância de sermos ligeiros, do contrário outro as toma pelo braço, como sendo suas, enquanto para nós resta tão-somente aquele sentimento de raiva e de uma inveja mal disfarçada. Boas ideias não devem passar de largo. É vê-las se distanciando, lacemo-las. Talvez corcoveiem, pulem daqui e dali, mas como lindos corcéis multicoloridos – ideias, as temos de todas as cores, tamanhos e jeitos –, logo vão se deixando domar. Sensação indescritível, nós, tão pequenos, montados sobre grandes ideias. Estas, numa demonstração de humildade e de aparente (só aparente!) submissão, troteiam na direção por nós estabelecida. Todavia, é maltratarmos as boas ideias ou nos mostrarmos indiferentes, lá vem o troco! Estrebuchados no chão, passamos a ver o mundo sob a ótica das formigas, minhocas e tatus-bola. As boas ideias exigem tratamento diferenciado, atenção e, por vezes, até certa deferência. Algumas delas esperam compor a mesa junto às mais altas autoridades. Buscam os holofotes e ansiosamente aguardam o descerrar das cortinas. Outras boas ideias preferem o anonimato ou a simplicidade e bucolismo do campo. Estas últimas são práticas e um tanto que desconfiadas. Contudo, é conhecê-las, viram grandes e fiéis amigas. Não que as outras boas ideias – engravatadas e dadas a cerimoniais – não estejam, também, abertas ao convívio franco. Porém, são, quase sempre, excessivamente formais e demasiadamente teóricas. Frequentam círculos onde, muito comumente, a prolixidade e a vaidade correm soltas. Conservam, entretanto, em que pese certa antipatia, a essência das boas ideias. Estas, todas elas, têm lá sua importância. Algumas mais, outras menos. São belas e admiradas, nem que apenas para aqueles que as pariram. Afinal, boas ideias são como espermatozoides. A maioria se perde pelo “caminho da vida”. As que vingam, são como filhos e filhas. Gordinhas, magrinhas, altinhas, baixinhas, estrábicas, peraltas, quietinhas... Amadas por quem as têm.  

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

SESSE OU FOSSE?


SESSE OU FOSSE?
Gilvan Teixeira
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                Quem tem filhos sabe: como esquecer aquela fase onde nosso pimpolho ou pimpolha (ou ambos...) troca o “fosse” pelo “sesse”? “Se amanhã sesse domingo...”, ou “se sesse a mãe, ela deixaria...”. Para alguns pais, boas e engraçadas lembranças. Para outros, situações do presente. Passado ou não, há algo em comum entre os pais de hoje e os de ontem: lá estávamos (ou estamos!) nós, os chatos, a corrigirmos a criança. “Pela milésima vez, não é ‘sesse’, é ‘fosse’”. A pobrezinha para, aparenta entender a lição mas, logo ali, está novamente a trocar as expressões. Um ou outro, é verdade, o faz só para caçoar do marmanjão. A maioria, contudo, é tão-somente coisa da idade. Vá entender gente grande, devem pensar os pequerruchos. Hora são só gargalhadas, hora condenam os pequenos. Hora se dão até ao trabalho de gravarem os escorregões gramaticais. É duvidar, ainda postam nas redes sociais. Contudo, logo ali adiante são capazes de ralharem com o rebento. Ao que parece, não sabemos nós, os adultos, o valor do “sesse”. Tempos bons. O “sesse” diz respeito ao universo infantil, onde as conjugações verbais se dão de forma distinta da nossa. O tempo para criança tem outra dimensão que não esta que adotamos depois de adultos. O tempo da criança é lúdico, multicolorido, sem muito compromisso com a ideia de início, meio e fim. O nosso, ao contrário, o tempo do “fosse”, nos amordaça, entorpece e escraviza. O “sesse” soa como devir. Mais parece a “casa da mãe Joana” (ou seria “coração de mãe”, pois tem espaço para todos?), onde pretérito, presente e futuro – quase nunca nesta ordem... – se misturam, feito maçaroca no cabelo. O “fosse”, por sua vez, é pobre em conjugações. Limita e atrofia os sonhos. Mais parece criação demoníaca de um Capitalismo doentio, vazio e frio. Mais do que triste rima, tais adjetivos são fruto (artificial, apesar – por vezes – da boa aparência) de um maquiavélico e funesto modelo. O “fosse” tem o pé no abismo. Talvez, por isso, mesmo que inconscientemente, o “sesse” represente uma ameaça, pois que o último denota vida, luz e magia. Ah, tem a alegria, a correria, o trava-línguas... Nos finais de semana tem, ainda, a casa da tia. Repararam? Também rima. Não nos enganemos, contudo, pois é de uma outra espécie, distinta da rima do “fosse”. A deste não tem graça, é – quase sempre – só desgraça. A rima do “sesse” faz chorar, mas é de tanto rir. Mijar de rir. Há quanto tempo nós adultos não “mijamos” de tanto rir? Acho que desde quando optamos pelo “fosse”. Sinceramente, se eu “sesse” vocês pensaria sobre o assunto... 

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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O PIOR CEGO


O PIOR CEGO
Gilvan Teixeira
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                Ainda guri, já ouvia o velho ditado: “o pior cego é aquele que não quer enxergar”. Lá se vão mais de quarenta anos, porém reforço a convicção de que o dito popular segue valendo. Talvez, mais do que nunca. Por vezes, fica a sensação de que vivemos numa terra de “cegos”. Tem sido muito comum nos depararmos com pais tomados de uma cegueira senão total, quase que completa. Apesar do discurso recheado de uma aparente autoridade e ascendência sobre o filho, este último reina absoluto dentro de casa. É ele quem, de fato, dita as regras. Sua palavra soa como verdade, em que pese todos os indícios a denunciarem exatamente o contrário. As vontades e manias do guri – por vezes, quase um homem – prevalecem, sob o risco de a família entrar em “conflito”. Triste e perigoso engodo. A demora de tais pais em detectarem e enfrentarem a falta de limites do rebento, muito provavelmente redundará, isto sim, numa tragédia familiar. Prato cheio para a delinquência, uso e/ou tráfico de drogas, mentiras reiteradas, irresponsabilidade, falta de compromisso, preguiça doentia, entre tantos outros dissabores. A escola, por certo, paga caro pela omissão e condescendência dos pais “cegos”. Contudo, o maior preço a ser pago é pela própria família. Caberá a esta, afinal, conviver por muitos anos, décadas e mais décadas, com os “pesadelos” por ela mesma criados e alimentados. Pesadelos que fazem chorar e sofrer. Pesadelos que levam à morte física, mental e espiritual. Pesadelos que, quase sempre, extrapolam os limites da própria casa, respingando em muitas outras famílias, com ou sem grau de parentesco. Pesadelos que aniquilam com a ideia de “lar”, pois que a tranquilidade, o diálogo, o carinho, a estabilidade, a paz, a felicidade duradoura e, acreditem, até mesmo a esperança, cedem lugar à desconfiança, à mentira, ao pranto, à enfermidade do corpo e da alma, ao medo, à violência... Pesadelos que comprometem e, não raras vezes, põem a perder as relações, mesmo aquelas mais profundas. É triste e preocupante observar, por exemplo, pais desautorizando decisões das instituições de ensino, mesmo que flagrantemente justas e juridicamente perfeitas. É vergonhosa a postura irresponsável de pais que se tornam reféns dos caprichos e baldas de crianças e adolescentes. Não sabem, ao que parece, os pais “cegos”, que ao serem omissos e coniventes frente à falta de respeito do filho pela hierarquia personificada na pessoa do professor, nada mais fazem do que abrirem mão da própria autoridade. Pais que pensam, agem e, não raras vezes, vestem como crianças e adolescentes. Tamanha aberração tem gerado imensuráveis prejuízos à teia social. Filhos e filhas paridos sem a existência dos modelos e referências indispensáveis. Naus sem bússola. A inexistência de um “norte” claro, firme e convincente tem engendrado seres vazios do ponto de vista ético e moral. Pais “cegos” temem em dizer não, mesmo quando necessário. Pais “cegos” criam uma redoma em torno do filho, onde, parecem acreditar, não há lugar para a dor e frustração. Formam o guri para o “mundo”, não o que desejamos, mas um mundo “paralelo”, onde o hedonismo, o materialismo exacerbado, o individualismo e a torpeza prosperam. Ironicamente, o mesmo mundo que eles, os pais “cegos”, paradoxalmente condenam em seus discursos bem elaborados. Cabe à escola, também, tensionar para que o olhar míope ou até mesmo tomado pela catarata retome a acuidade visual. Para isso, mister que haja coragem, disposição e convicção por parte das instituições de ensino. Tamanha e complexa “operação cirúrgica” requer paciência, resiliência, ética, competência, estudo, planejamento, coerência, capacidade para ouvir e auscultar inclusive o “não-dito”. Requer, sobretudo, amor.  

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

SALADA DE FRUTAS


SALADA DE FRUTAS
Prof. Gilvan
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                Apesar de estranho, o título acima vem ao encontro da tentativa de reunir neste texto todos os temas apresentados pelos grupos do Terceiro Ano do Ensino Médio do Instituto de Educação São Francisco, durante o mês de outubro de 2013. Desafio complexo, contudo factível. O primeiro tema diz respeito à cidadania. Os educandos foram unânimes ao reconhecerem que ser cidadão pressupõe efetiva participação social, onde direitos e deveres caminham juntos. Chamaram atenção para a visão que se tinha sobre o termo na Grécia Antiga, onde o que se via era o exercício da cidadania limitado a um grupo muito reduzido de pessoas. No que tange ao Brasil, os alunos fizeram memória do período da Ditadura Militar (1964-1985), onde o Estado cerceou muitos dos direitos básicos, adotando práticas autoritárias. Foi abordado, ainda, acerca da atual Constituição brasileira, chamada de “Cidadã”, enfatizando-se a distância entre a previsão legal e a realidade vivenciada por enormes parcelas da população. Outro tema trabalhado pelos grupos diz respeito à cidade. Foi dito que ao longo da história as cidades foram crescendo e se tornando cada vez mais complexas, especialmente a partir da Revolução Industrial. Lembraram a importância do planejamento frente à expansão dos centros urbanos, observando a enorme distância entre o que se vê nos países desenvolvidos e nos subdesenvolvidos. Ao contrário dos primeiros, no Sul – salvo exceções – faltam investimentos no transporte, saúde, educação, saneamento básico, entre outros. Trataram, também, acerca das chamadas “cidades globais”, além de diferenciarem as grandes metrópoles, subdividindo-as em alfa, beta e gama. Reforçaram o conceito de Rede Urbana, ou seja, a complexa “teia” de relação entre as áreas mais urbanizadas. Quanto ao Brasil, destacaram a cidade de São Paulo, onde questões históricas, políticas e econômicas contribuíram para fazer daquela metrópole uma referência não apenas nacional, mas mundial. Os grupos trouxeram à tona, ainda, o sério problema da moradia no Brasil, problema este agravado pelo baixo poder aquisitivo e pela especulação imobiliária, intensificando o clima de tensão e contribuindo para a eclosão de movimentos que, mesmo à margem da lei, buscam redimensionar áreas urbanas e rurais, quase sempre sem as mínimas condições de assentamento. Finalmente, os grupos deram destaque para a capital gaúcha, onde fizeram menção aos chamados “gargalos” que têm assolado Porto Alegre, problemas como saneamento, saúde, transporte, educação e segurança. Deixaram claro que o Poder Público tem deixado a desejar em relação aos serviços prestados à coletividade, acirrando o sentimento de insatisfação e desconfiança da população. Para coroar as falas dos alunos, alguns grupos ficaram responsáveis por ilustrarem algumas das questões trabalhadas em aula através de gráficos. Estes surgiram a partir de enquetes feitas junto aos eleitores, reforçando a impressão já retratada ao longo das apresentações.  


                Fica o agradecimento a todos os grupos pelo esforço e dedicação. Sugiro que estudem bastante e deem atenção especial aos termos em negrito. Havendo dúvidas, contatar, preferencialmente, por e-mail. 

sábado, 26 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

AMOR E SEXO


AMOR E SEXO
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                Diz a lenda que Amor e Sexo nasceram juntos. Gêmeos, portanto. Univitelinos, segundo reza a história. Daí tamanhas semelhanças, a ponto de, por muitos, serem confundidos. Persiste a dúvida: quem nasceu primeiro? Os românticos preferem acreditar ter sido o Amor. A maioria, entretanto, diz ter sido o Sexo. Até porque, é inegável, este último é mais “ligeiro” do que o Amor. Os irmãos apenas riem da celeuma criada pelos homens. Para eles, ao que parece, o que menos importa é a cronologia humana. Entre os irmãos, tamanhas vaidades passam de largo. Admitem, isto sim, serem diferentes. Deliberadamente, inventam, por vezes, confundirem os mortais. Hora vestem-se da mesma forma, hora trocam de roupas entre si, para desespero total dos que tentam identificá-los. “É o Amor!”. Não, era o outro. “É o Sexo”. Errado, se tratava do Amor. Bem-feito para os homens, quem mandou tivessem a mania de compará-los. Salvo os poetas, todos os demais teimavam em atribuir aos irmãos características e atributos distintos. Dizem: “o Amor é assim e o Sexo é assado...”. Por que a insistência em separá-los em “caixinhas” estanques? Umbilicalmente ligados, os irmãos gostavam, isto sim, é de andarem juntos. Um quebrava o galho do outro. Não foram poucos os momentos em que o Sexo precisava fazer-se presente e na hora “h” falhara... Quando tudo parecia perdido, lá estava o Amor para substituir o irmão. Perfeito. Todos saíam satisfeitos. Às vezes, era o inverso. É verdade que, um que outro desconfiava da artimanha dos manos. Esperava o Amor, vinha o Sexo. Esperava este último e quem dava as caras era o primeiro. Experienciaram alguns apuros. A título de safar-se, existiram momentos em que o Amor teve que vestir a camisinha do irmão, sob o risco de perder a companhia. Todavia, os instantes mais tensos foram aqueles em que o Sexo precisou se passar pelo Amor. Este tinha lá seus trejeitos, difíceis de serem imitados pelo irmão. Bastava, às vezes, um olhar mais acurado para desmascarar o Sexo. Este era mais debochado, inoportuno, expansivo, direto. O Amor, por sua vez, era – exceto quando tomava umas que outras – mais introspectivo, discreto, paciente, meticuloso, ponderado do que o irmão. Apesar das diferenças apontadas, no fundo, Amor e Sexo nutriam uma salutar inveja recíproca. O Amor bem que queria ter a espontaneidade e a “ginga” do irmão. Este, por sua vez, muitas foram as vezes que sentiu falta da prudência do Amor. Devido à pressa, entrara em becos e buracos errados, sujos e perigosos. A própria existência já vira ameaçada! O mais curioso é que, acredite, o Sexo parecia não aprender. O tempo passara e ele continuava um cabeça-dura. O Amor não. Este dava mostras de que aprendia com os erros. Verdade que se diga, sofria dias a fio. Depois passava. O Sexo era mais sanguíneo. Explodia, praguejava, mas logo-logo se acalmava. Era como se nada tivesse acontecido. Raramente guardava mágoa. Virava a página e pronto! O Amor, ao contrário, levava algum tempo para digerir os problemas. A serenidade se mostrava incapaz de disfarçar a tristeza e a decepção. Amor e Sexo. Dois irmãos que aprenderam a viver e a conviver. Não conseguiam vislumbrar outro mundo senão aquele onde, feito siameses, se completavam. Enquanto isso, inócua e tolamente, os homens seguiam discutindo: quem nascera antes, Amor ou Sexo?  



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

EAD na EJA


EAD na EJA
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                Mais do que um amontoado de letrinhas, a EAD na EJA suscita uma série de reflexões. A Educação a Distância tem se proliferado pelos quatro cantos do país. Como quase tudo, tem lá seus “prós” e “contras”. Por um lado, a EAD na Educação de Jovens e Adultos representa a oportunidade para muitos de concluírem uma ou mais etapas do ensino sem os contratempos do modo “presencial”. Bom, talvez, para aqueles trabalhadores expostos a cargas extenuantes de exercício laboral ou mães envolvidas com seus recém-nascidos, por exemplo. Bom talvez, para aqueles poucos autodidatas, capazes de – em que pese inexistir acompanhamento sistemático do educador – darem conta das ciências e conhecimentos construídos ao longo da história. Por outro lado, a EAD na EJA pode representar, mesmo que tácita e não reconhecidamente, uma espécie de pérfida e inaceitável “higienização” do ambiente escolar, onde se varre para baixo do tapete ou do Mouse Pad alunos considerados indesejados. Uma estratégia aparentemente interessante de mitigar problemas como indisciplina, violência, infrequência e evasão, tão comuns nos ambientes escolares. O asseio dos laboratórios de informática permite ao professor que evite sujar as mãos com o pó de giz, além de, quem sabe, aliviar a “tensão” decorrente do contato direto e diário com o educando. Este, muito comumente, é visto como um “problema” e não como um “desafio”. Melhor, portanto, lança-lo para além dos muros da escola. Questões legais, burocráticas e formais como percentual mínimo de frequência são facilmente resolvidas mediante o recolhimento de alguns “trabalhinhos” devidamente arquivados na pasta do aluno. A presença física deste último, portanto, é dispensável. Cria-se, talvez, com a EAD na EJA um ambiente tido como ideal. Para quem? No fundo, inexiste escola ideal, assim como também não existem alunos, professores, pais e gestores ideais. Assim, mister é que se pense numa instituição de ensino para pessoas não tão perfeitas. Baixinhas, altinhas, gordinhas, magrinhas, ingênuas, maliciosas, honestas, pouco confiáveis, ascetas, viciadas, politizadas, alienadas, atletas, sedentárias, polidas, pouco amáveis... Enfim, pessoas. Estas, nem sempre ou quase nunca se encaixam nos nossos “esquemas”. Ainda assim, insubstituíveis, pois são elas que dão sentido ao “eu” e a tudo o que, direta ou indiretamente, orbita em torno do “nós”, inclusive a escola. Educação de verdade e de qualidade não deve prescindir da presença do educando. A “distância” põe em risco o vínculo, matéria-prima fundamental no processo ensino-aprendizagem. Cabe à escola, portanto, servir de força centrípeta para o convívio, mesmo que às vezes conflituoso. Sejam as diferenças bem-vindas, assim como os pontos de vista e as idiossincrasias de todas as espécies. Escola sem alunos soa como palco de artistas sem plateia, gestante sem feto, oceano sem sal. Os educandos estão para a escola, assim como o orvalho para flor. Complementam-se. A EAD na EJA deve ser vista com cuidado, não simplista e radicalmente enjeitada ou descartada. Pode ser útil, desde que aplicada e voltada para públicos específicos. Deve ser a exceção, não a regra. Critérios claros e sensatos devem ser construídos, sem perder de vista a qualidade do ensino ofertado. Deve prevalecer o interesse da coletividade, pois é por causa dela que a escola deve pulsar. A EAD na EJA deve ampliar e não cercear o sagrado direito de acesso e permanência do educando nos assentos da escola.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

PEDRAS TAMBÉM CHORAM


PEDRAS TAMBÉM CHORAM
Gilvan Teixeira
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                Acostumado à aspereza da vida, não pensava que choraria. Ao menos, daquela forma. Copiosamente. Teria o barulho do chuveiro elétrico disfarçado os suspiros e grunhidos vindos da alma? Temia que não. Afinal, tantos anos de farda e serviços prestados aos aparelhos repressores do Estado contribuíram para forjar uma espécie de máscara. Rude, mas pelo visto superficial. Não era tão forte assim. O box do banheiro servira talvez de escudo, não contra arruaceiros, baderneiros, torcedores tomados pelo fanatismo doentio. A única turba naquele instante era das mais profundas emoções e sentimentos que brotavam do peito. Este doía a ponto de temer pelo pior. Não se surpreenderia caso quedasse fulminado por um ataque cardíaco. Beirava os cinquenta, dormia e alimentava-se mal. Terreno propício às enfermidades do corpo. A proximidade da aposentadoria não fora suficiente para dar-lhe tranquilidade nem tampouco confiança no porvir. Dia após dia, noite após noite, pensava na família, em especial no filho mais novo. O mesmo que agora se tornara a fonte de todo aquela dor. As lágrimas corriam torrencialmente, confundindo-se com a água que caía por sobre a cabeça. Vez por outra, a imagem da esposa afogada no interminável choro só fazia aumentar o mal-estar. Onde errara? A fatídica pergunta o atormentava. Não conseguia, por maior que fosse o esforço, enxergar a luz no final do túnel. Tudo parecia perdido. Feito corvos, pensamentos nada otimistas, rasantes, sobrevoavam a cabeça do militar. Teriam sido cinco, dez, quinze minutos? Prolongara o banho mais do que de costume. Tentara mentalizar o trajeto entre o banheiro e o quarto de casal. O que diria se encontrasse alguém pelo caminho? Estava confuso. Optara pelo silêncio. Antes este do que palavras pela metade, quase sem nexo. Torcia para não cruzar com a mulher ou com os filhos, especialmente o mais novo. Sentia-se traído. O tiro saíra pela culatra. Tudo às avessas. Prendera larápios, abordara prostitutas, enfrentara homicidas, tiroteara com quadrilheiros... Afeito ao mundo do crime e da contravenção, sem com eles deleitar-se. O convívio com o submundo não fora suficiente para que se deixasse levar pelo canto da sereia. O dinheiro aparentemente fácil jamais o atraíra. O pouco que tinha era fruto dos longos anos de trabalho. A lisura de caráter sempre fora seu maior patrimônio, sua maior herança. Agora vinha o guri para jogar por terra tudo o que ensinara. Maldita hora que comprara aquele computador. O filho varava a noite dedilhando o teclado, metido nas redes sociais. Nelas, se transformava. Tentava parecer o que, no fundo, jamais fora. Afinal, de onde tirava aquele vocabulário chulo? Aquelas abreviaturas um tanto que sem sentido? Não serviu, por certo, a casa de escola para tamanho desmando. Triste ironia. Pai militar e o filho lhe apronta. O corredor parecia não ter fim. Nunca o quarto lhe parecera tão distante. A mulher já estava sobre a cama, virada para o lado contrário ao da porta. Talvez dormisse. Mais provável que não. O edredom floreado denunciava o soluçar da companheira. Não sabia como acalentá-la. Não se dá o que não se tem. Não tinha paz, como oferecê-la? Aceitaria a esposa mais sofrimento e dor? Não suportaria. O policial optara por apenas deitar, sorrateiramente. Ele fingia pensar que ela dormia. A mulher, por sua vez, fingia acreditar que ele pensava estar ela dormindo. Confusão de ideias. Entrara para baixo das cobertas. Entre eles, o silêncio. Não demorou, o choro voltou. Fazia lembrar o Vesúvio a inundar Pompeia. Impossível controlar. Ambos se entreolharam em meio às sombras do quarto. As silhuetas iam ganhando vida à medida que as lagrimas dos dois se encontravam. Nenhuma palavra. Pudera! O abraço mútuo se mostrara suficiente para aplacar a dor de ambos. Reacenderam eles não apenas o amor, mas também a esperança.  


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

ÍNDIO VELHO (2)


INDIO VELHO (2)
Gilvan Teixeira
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                O índio, remanescente da tribo guarani, parecia indiferente ao avanço da idade. Aliás, para ele o tempo escoava de maneira distinta do juruá. Jamais usara, por exemplo, relógio. Exceto a sucessão das estações e as mudanças de lua, o índio velho não atentava para o calendário. Janeiro, julho, dezembro... Pouco lhe diziam os meses do ano ou os dias da semana. Todo dia era de trabalho e de descanso. Todo dia era sagrado, portanto, dia de gratidão. Ao longo da vida, muito mais agradecera do que pedira. Por que seria diferente? Afinal, tinha tudo: o que comer, o que vestir, onde inclinar a cabeça. O índio velho, sentado sobre a cadeira de vime, sorvia o mate quente enquanto o olhar parecia distante, talvez acompanhando as lembranças de tempos idos. Não tinha do que se arrepender. Jamais prejudicara, intencionalmente, alguém. Não matara, não furtara, não roubara, não cobiçara o que é de outrem, não se apropriara de bem alheio (nem privado e nem, tampouco, público)... Acreditava o índio não fazer nada mais além do que era de sua obrigação. Aprendera com os antepassados assim. Vez por outra, fixava o olhar num que outro ponto, como que a observar meticulosamente um determinado objeto. Não muito adiante, uma criança parecia exigir do adulto, talvez seu pai, um brinquedo. Frustrado em sua intenção, o pirralho mais parecia um cavalo xucro, pinoteando daqui e dali. Diante da cena, o índio velho só abanou a cabeça, talvez em sinal de desaprovação ou, quem sabe, de desesperança quanto às futuras gerações. Tomou-lhe conta certo rubor, envergonhado que estava por ver a carroça posta frente aos bois. Ao ver o adulto refém dos caprichos da criança, sentiu uma espécie de ânsia, um mal estar a invadir o estômago. Não entendia e menos ainda aceitava a ditadura do piá. Outro dia ainda, um sobrinho vindo das bandas da capital, noticiara que não se podia mais dar uma palmada sequer no guri ou guria levados. O índio pensou, pensou... Não disse nada. Engoliu em seco a incredulidade. Fora criado em meio às leis advindas dos costumes, de pai para filho. Cabia ao último obedecer e respeitar o primeiro. Simples assim. A obediência e a hierarquia jamais foram fonte de rancor entre seu povo. Ao contrário. Era um tempo em que a tribo paria crianças sadias e felizes, emocionalmente equilibradas, respeitosas, disciplinadas, atentas, ágeis, comprometidas com o grupo, solidárias. Crianças que corriam, brincavam, “morriam” aqui para reaparecerem logo ali adiante. Apesar de uma que outra rusga, típica da idade, desconheciam a violência e ardilosa traição. Bastava um olhar do adulto e pronto! Os pequenos se aquietavam. O índio velho tinha dificuldade de compreender o que chamavam de “modernidade”. Como entender o profundo vazio das crianças de hoje? Têm, muitas vezes, tudo o que o dinheiro possa comprar, porém mais parecem um vale de ossos secos. Têm dificuldade para sentarem, escutarem, se concentrarem. A obesidade é não apenas do corpo, mas da alma. O índio velho nascera num tempo em que prática e palavra caminhavam juntas. Hoje, ficava espantado ao ver muitos juízes, pastores, advogados, psicólogos, médicos, psicopedagogos, professores gerando filhos desgarrados, desalinhados, desatentos, hipocondríacos, viciados, mentirosos, arrogantes, violentos, maldosos, desleixados, preguiçosos... Uma espécie de infanticídio espiritual. Centenas, milhares, milhões de crianças “natimortas”. Pele, osso e Coca-Cola. Pouco mais do que isso. O índio velho, com o olhar ainda absorto diante da cena da criança raivosa, não dizia nada. Limitava-se a lamentar. Sobre ele, uma revoada de caturritas a desaparecerem no horizonte. 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

O SETOR TERCIÁRIO


O SETOR TERCIÁRIO
Prof. Gilvan Teixeira
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                Ao longo da história da humanidade, os setores da economia ganharam maior ou menor destaque, conforme a época e o lugar. Assim, por exemplo, na Pré-História, a caça e a pesca (atividades extrativistas do Setor Primário) mereceram destaque. Já na Antiguidade, a agropecuária (também pertencente ao Primário) ganhou relevância, da mesma forma que na Idade Média. Com a Modernidade (entre os séculos XV e XVIII), o comércio (Setor Terciário) passou a ter enorme importância, daí falar-se em Revolução Comercial. A Idade Contemporânea trouxe consigo a chamada Revolução Industrial, inicialmente na Inglaterra e, mais tarde, em outras regiões do planeta. Com a contemporaneidade, o Setor Secundário, portanto, passou a ocupar lugar de destaque na economia. Hoje, em especial nos países desenvolvidos (Norte), o Setor Terciário, representado principalmente pelos “serviços”, tem ganhado espaço. Exemplo disso é o turismo, seja ele “natural” (quando a própria natureza garante, por assim dizer, os atrativos turísticos) ou “produzido” (quando a ação humana é a principal responsável pelos referidos atrativos). No Brasil, assim como na maioria dos países “emergentes” – como os do BRICS – o setor de serviços também vem sendo um dos mais importantes na composição do PIB (Produto Interno Bruto). O turismo em nosso país tem inegável importância econômica e social, por exemplo. Contudo, em que pese tamanha relevância, inúmeros são os problemas e gargalos que prejudicam tal atividade econômica. Um deles é a infraestrutura. Rodovias, portos, aeroportos, saneamento básico, segurança pública são alguns entre tantos pontos muito aquém do razoável, pontos estes que, sem dúvida, servem de limitadores e inibidores para a vinda e trânsito de turistas em nossas terras. Somado a isso, existem problemas conjunturais ligados ao câmbio (valorização ou desvalorização do real frente ao dólar), às crises internacionais, entre outros, que contribuem negativamente para o turismo no Brasil. Ainda assim, o Setor Terciário – como o turismo, por exemplo – tem sido responsável pela geração de empregos, trabalho e renda.
                Vimos em nossas aulas que inúmeros e inegáveis são os avanços no campo das relações trabalhistas. Muitos dos direitos hoje existentes são frutos de um longo e penoso processo, oriundos, portanto, das lutas das classes trabalhadoras. Apesar disso, verifica-se no Brasil, ainda, o trabalho escravo. Segundo dados oficiais, são mais de quarenta mil trabalhadores nessa situação. Apesar das diferenças entre o trabalho escravo hodierno e o de épocas pretéritas, algo existe de comum entre eles: o desrespeito a um princípio hoje indiscutível, o da dignidade da pessoa humana. As leis abolicionistas do século XIX não se mostraram capazes de romper com a discriminação, de qualquer espécie, nem tampouco de promover a igualdade social. Não por acaso, a exploração ignóbil e abjeta da mão de obra humana segue sendo uma triste realidade neste país.



sábado, 5 de outubro de 2013

TERCEIRÃO


TERCEIRÃO
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                Mais uma Gincana que termina. Por um lado, alívio, pois só quem está envolvido com a organização da mesma sabe a carga de responsabilidade que ela representa. Por outro lado, alegria. Há muitos anos não via uma Gincana onde todas as turmas de formandos tenham se mostrado tão solidárias e cúmplices da felicidade alheia. Rusgas? Nenhuma que tenha chegado ao meu conhecimento. Ofensas, provocações, maus agouros? Nada, absolutamente nada. As turmas 31, 32 e 33 deram uma elogiável demonstração de civilidade. Belo exemplo a ser seguido por nós, adultos, acostumados que estamos a confundir “adversário” com “inimigo”. Ora, o primeiro nos faz crescer, amadurecer, melhorar. Não fosse nosso “oposto”, estaríamos condenados à modorrenta mesmice. O tensionamento é vital para que aprendamos a lidar com o “diferente”. Nossos formandos tiraram proveito de tal máxima. Defenderam suas respectivas bandeiras sem, contudo, rasgar as de outrem. Destacaram suas cores, sem espezinhar os demais matizes. Como esquecer os discursos das representantes de turma? Verdadeira lição de humildade. Perceberam os formandos fazerem parte de um mesmo “barco”, não o de Caronte, barqueiro do Hades. Os olhos tomados de lágrimas dos educandos revelavam um misto de contentamento e saudade. Felicidade pelo momento – mesmo que, para alguns, os números trazidos através do microfone não fossem aqueles desejados –, mas saudade, antecipada e profunda, pela proximidade do término do ano. Não um ano qualquer, mas do tipo especial, daqueles que calam na alma e na memória. Sabem eles que nunca mais desfrutarão de momentos com aquele. Última Gincana. Última turma. Último ano de São Francisco. Até das aulas de Geografia sentirão falta (é verdade!). Olharão para trás e lembrarão de cada canto do São Chico, dos professores, porteiros, auxiliares, padres... Não por acaso, as funcionárias da limpeza são chamadas de “tias”, tratamento quase sanguíneo, tamanha a afinidade forjada ao longo de quantos anos? Para muitos dos formandos, dez, onze, doze anos... Uma vida! Por muito tempo, para eles, o Instituto de Educação São Francisco, ou simplesmente São Chico, foi a segunda casa, quando não a primeira. Como todo lar onde transborda amor, muitas festas, mas também muitas cobranças. Quem ama exige. Saberão, no momento oportuno, reconhecer isso. O certo, ao ver o “Terceirão” fazendo a festa, é que estamos no caminho certo, em que pese todas as adversidades e intempéries. Formamos pessoas de bem, rapazes e moças que, ali adiante, serão trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães, homens e mulheres. Até então, nós os mais velhos, os tivemos “nas mãos”. Amanhã serão eles a nos governarem e protegerem. Daí o compromisso que temos em formarmos sujeitos capazes de construírem um município, estado, país e mundo assentados nos valores do Evangelho, onde prospere a paz, a solidariedade, a honestidade, o desenvolvimento sustentável e a justiça social. Parabéns aos alunos e alunas que fizeram da Gincana 2013 um momento especial. Parabéns aos pais que, direta ou indiretamente, contribuíram para o evento. Parabéns à Direção, professores e funcionários que, incansavelmente, não mediram esforços para o sucesso da Gincana. Parabéns ao “Terceirão”.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

INCOERÊNCIA


INCOERÊNCIA
Gilvan Teixeira
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                Somos bons em algumas coisas. Uma delas é a de produzirmos profundas e interessantes incoerências. O mesmo Estado letárgico, omisso e incompetente responsável pelo flagrante sentimento de insegurança e impunidade, de forma pouco comum e intrigante foi célere em apontar suspeitos por alguns atos de vandalismo, enquadrando-os como práticas criminosas levadas a cabo por quadrilheiros e outros “tipos” penais trazidos pelo ultrapassado e ineficaz Código Penal. Prontamente, os ditos “órgãos de segurança” (para quem?) – mesmo que respaldados por mandados judiciais – invadiram casas e apartamentos, tomaram posse de documentos, computadores e, pasmem, até livros que pudessem facilitar as investigações, fazendo lembrar – por vezes – a Inquisição. Foram queimadas talvez não obras literárias, mas reputações de jovens e suas famílias. Honra, lisura ética, respeito e reconhecimento junto à comunidade, nessas horas, são lançadas no lixo, ante a falta de cuidado dos aparelhos repressores do Estado. A imprensa, acostumada a jogar para a torcida, quase sempre promove um verdadeiro linchamento público, mesmo que – do seu jeito, é claro – garanta o famigerado “contraditório”. A ação estatal promovida em desfavor de jovens como Matheus Gomes e Lucas Maróstica deve servir de reflexão. O que se defende aqui, por certo, não é a violência, a depredação do patrimônio público ou quaisquer outros atos atentatórios ao interesse (?) público. Devo lembrar, é claro, que interesses público e estatal não são sinônimos. Ainda mais neste país, onde o Estado historicamente se distanciou da vontade da maioria. Não por acaso, saúde, segurança e educação de qualidade, por exemplo, seguem sendo privilégio de uma ínfima minoria. Os jovens citados cometeram algum delito? Não sei e nem tampouco cabe a este humilde professor averiguar. Todo e qualquer crime deve ser investigado, respeitado o direito de defesa, e punido. Ora, o que se questiona, isto sim, é a incoerência do Estado. A pressa, “extraordinária”, do Poder Público em achar um “culpado” para o problema é que preocupa e desperta enorme desconfiança. Não por acaso, cheira à perseguição política, o que, diga-se de passagem, seria vil e inaceitável dentro de um contexto dito democrático. O mesmo Estado que se mostra incapaz de promover a paz, reprimir o crime, sufocar a corrupção nas próprias entranhas, inibir a “promiscuidade” político-partidária, garantir celeridade aos intermináveis processos, de repente, não mais que de repente, age de forma rápida e firme (será que justa?) contra algumas lideranças de movimentos sociais. Por quê? Tivesse o Estado igual “agilidade” e rigor frente aos desvios de recursos públicos, superfaturamentos, improbidades administrativas, “super-salários”, privilégios corporativos, enriquecimento ilícito... O Brasil seria outro. É violenta a ação que danifica o patrimônio público e também privado? Sim. É violenta a ação que imobiliza a cidade, o estado e o país, impedindo o livre trânsito de pessoas, por exemplo? Sim. É violenta a ação que agride símbolos reconhecidamente nacionais? Sim. Contudo, inexiste maior violência do que aquela que joga às traças a maioria de nossa gente. A maior entre as violências é a do fosso, em parte criado e reforçado pelo Estado, que alija incontáveis parcelas da população daquilo que lhes é de direito. Há mais grave violência do que aquela que ataca a esperança de um povo? Nossos jovens, como o Matheus e o Lucas, deveriam ser o retrato mais fiel da esperança. Querem, porventura, acabar com o que eles representam: a seiva da mudança, o poder de indignação e o grito dos excluídos?  

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SALDÃO


SALDÃO
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                Dia desses, uma amiga – através do face – usou a expressão “saldão” ao se referir a um encontro ocorrido numa conhecida Universidade do interior do Rio Grande do Sul. Nele, dizia ela, muitas pessoas ligadas ao ensino. Principalmente professores. O que mais se viu, prosseguiu minha amiga, foi discurso. Para todos os gostos e de todos os calibres. Indiscutível e invejável a capacidade que temos em teorizar. Sobram chavões e teorias pedagógicas, da mesma forma que sobejam mirabolantes planos de estudo, PPPs, Regimentos, etecetera e tal. Contudo a prática... Fosse a escola pública uma empresa, por certo estaria fadada ao fracasso. Falida. Não sobreviveria ao mercado, pois que seu produto careceria de qualidade e suas metas raramente seriam alcançadas. As raríssimas exceções só serviriam para confirmar a regra. Qual empreendimento resistiria à falta de rigor e clareza de seus objetivos? Uma empresa destituída de comando, hierarquia, respeito às regras e rotinas indispensáveis ao bom funcionamento. Assim, em geral, tem sido a escola pública. Pontualidade, competência, coerência, humildade, humanismo... Alguns entre tantos atributos que têm passado de largo da escola pública. Democracia tem sido sinônimo de desleixo frente aos princípios mais elementares da Administração Pública. Interesses pessoais, muitos deles escusos, têm se sobreposto às necessidades coletivas. Repete-se no ambiente escolar muitas das pérfidas relações de apadrinhamento, troca de favores, bem como a confusão entre público e privado. Pais e educandos, em regra, servem apenas como “bucha de canhão”. São lembrados na hora de “pagar a conta”, comer jiló ou, então, em momentos onde urge a participação da famigerada “comunidade escolar”. Na eleição de diretores, por exemplo. Como que, por passe de mágica, a comunidade que ainda ontem era privada da real participação junto às decisões administrativas, pedagógicas e financeiras da escola, é “convocada” a fazer parte do processo. Enchem-se os pulmões com expressões do tipo: gestão democrática, participação coletiva, cidadania, etecetera e tal. Contudo, na hora do “vamos ver”, é a minoria quem decide. Há muito, a escola pública tem sido uma verdadeira Babel. Confusão de discursos, interesses e propósitos. Comum é vermos Direções sem direção, completa e flagrantemente perdidas em meio à desorganização, indisciplina, baixo rendimento, escassez de recursos, falta de professores. A (ir)responsabilidade, por certo, não deve recair apenas sobre o colo da instituição de ensino. Cabe, também, ao Poder Público, aos pais, aos educandos. É um problema coletivo, cabendo a todos, portanto, resolvê-lo. Como? Inexistem receitas. O certo, porém, é que as respostas serão achadas não em discursos, mas em práticas efetivas. Discursos, palavras de ordem e chavões têm servido, sobretudo, para alavancar pretensões pessoais e/ou de determinados grupos na ocupação, às vezes vitalícia e hereditária, de postos junto a sindicatos, conselhos e similares. Históricos cabides de emprego, trampolins político-partidários e moedas de troca. Neles, feito traças e cupins, alguns se arraigam, se escondem. O estrago, como se sabe, é grande. A saída para a grave crise no ensino passa pela real valorização dos principais atores: professores e alunos. Aos primeiros, melhores salários, apoio pedagógico, infraestrutura adequada, planos de carreira que privilegiem o “retorno” junto ao contribuinte (é quem paga a conta...). Aos alunos, acolhimento, respeito às diferenças, compromisso com a aprendizagem.


QUATROCENTOS


QUATROCENTOS
Gilvan Teixeira
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                Quatrocentos anos! Quatrocentos! A idade da figueira impressiona, apesar de saber que existem outras árvores, da mesma espécie ou não, com mais primaveras ainda. No meio da mata, ou do que dela restou, encravada em Cachoeirinha, a figueira chama atenção não apenas pela quantidade de anéis, mas também pelo tamanho e espessura do tronco. No meio deste, uma enorme passagem, por onde passa, tranquilamente, o corpanzil de um homem médio. Quanta coisa não viu e ouviu a figueira? Quantos abraços, tratos e destratos? Quantas carícias, juras de amor, promessas cumpridas ou não? Quantos criadores e criaturas? Maus e bons? Gente de todo gênero, etnia e credo? Letrados ou analfabetos? Empresários, operários, desempregados e mendigos? Religiosos, agnósticos, carcereiros e bandidos? Sãos, doentes e sarados? Sorridentes, carrancudos, simpáticos, expansivos e tímidos? Toda espécie de gente. Quatrocentos anos! A cidade sequer sonhava em existir. Mato para todo lado e, com ele, uma incontável variedade de espécies. Imensurável complexidade encerrada numa única palavra: Mato. Neste, a figueira fixou lugar, enraizou. Apesar do tamanho, socializou o espaço com cipós, bromélias e samambaias. Sobre e sob seus galhos fortes e densos, animais de toda ordem passaram e seguem passando. Mais escassos do que outrora, é verdade, afinal muitos não resistiram à barbárie civilizatória. Diante do olhar silencioso, nem por isso omisso ou indiferente, da figueira, os mais diversos seres se cruzaram, procriaram, se serviram ou foram servidos como alimento, sem espaço para culpa frente à grande “Mãe”. Não pode haver pecado onde inexiste a maldade. Não pode existir pecado onde inexiste o homem. A figueira, antes da chegada do juruá, sentia-se segura, como elefante em meio à savana. Hoje é diferente. A placa metálica próxima a ela, nem de perto lhe transmite confiança e nem tampouco otimismo frente aos dias vindouros. Feito certidão de nascimento, não é garantia de quase nada. Ora, se o homem mata os de sua própria espécie, o que esperar em relação às demais? A figueira teme por ela e pela mata. Receia pelo preá, capivara, serpente, formiga, sapo, beija-flor... Pouco lhe adianta a pomposidade do nome: fícus guaranítica. Prefere o apelido, ainda que tosco: “mata-pau”. Assim como o simpático cacique guarani a ciceronear o grupo de curiosos, a figueira por vezes se sentia peça de museu. Admirada, mas daquela espécie de admiração incapaz de mover o juruá a transformar, profunda e verdadeiramente, suas ações. Admiração burguesa, inócua, infértil, portanto, contrária à natureza da própria figueira. Esta nasceu para frutificar e ao fazê-lo garante a sobrevivência, dela e das demais moraceaes.  Enquanto o juruá retém os frutos, a figueira os partilha. Ironicamente, ele se “vai” – quase sempre cedo –, ela permanece. A figueira fica a observar quem a observa. São formas distintas de se ver o mundo. O juruá costuma querer conhecê-la a partir da copa, por isso olha para cima e, quase inevitavelmente, deixa escapar um “ohhhh”. Não sabe ele que a grandeza da figueira reside no chão, na terra. Feito o iceberg, grandioso é o que não se vê, exceto pelos olhos da alma. O juruá, talvez, tenha perdido a sua. A figueira olha o mundo de outra forma. Melhor, de outras formas, sem que uma aniquile ou dispense as outras. Vê o mundo por todos (?) os ângulos: de cima, de baixo, do nascente, do poente, do sul, do norte... É um olhar “feminino” na essência. Ao contrário do juruá que olha para o céu e o reverencia através de palavras vazias, deixando de lado os mais elementares valores “terrenos”, a figueira lança um olhar que envolve e se envolve. Seu olhar jamais passa em branco. É, como diriam muitos juruás, um olhar verdadeiramente cristão. A figueira olha e acolhe. Para maioria, olhar de Monalisa, indecifrável. Para o velho cacique, olhar familiar. Deixou-se abraçar pela figueira numa invejável – e, para o juruá –, incompreensível e inalcançável simbiose.