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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

BOTECO



BOTECO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Casa cheia. Melhor, tomada de amigos! Estes enchiam os espaços com sua presença, alegria e descontração. Mais do que sorrisos, as risadas corriam soltas, livres como as palavras e os pensamentos. O Boteco da Rosinha fervilhava. O lusco-fusco dava charme ao lugar. Garrafas de todos os tipos e cores. Cerveja, cachaça, licor, batida, vinho... Verdadeiro manjar em homenagem a Baco. Mal dava tempo de respirar, logo vinham as “garçonetes” enfiadas em seus aventais escuros que, apesar de longos, denunciavam as perigosas curvas daqueles corpos. Corpos e copos. Copos e corpos. Mistura delicada, mas deliciosa. Feito a maçã do Éden. As frutas, por sinal, afogadas na aguardente de algumas daquelas garrafas, pareciam chamar pelo nome os “clientes” do Boteco. Feito sereias. A voz doce vinda do alambique enfeitiçava aquelas almas, masculinas ou não. Alma tem gênero? O velho telefone, posto ao canto da mesa, parecia querer falar. Há quanto tempo silenciara? Preterido pela concorrência desleal das novas tecnologias, o antigo aparelho mal cabia em seu insuperável charme, feito quarentão de cabelos grisalhos a encantar as mulheres. No prato, salgadinhos e tira-gosto de todo tipo. Quentinhos. Polenta, fritas, pasteis, cubinhos de queijo e de presunto... Novinhos, tenrinhos. A música corria solta. Ritmos dos mais diversos, para todos os gostos. Anos sessenta, setenta, oitenta... Sons contemporâneos convivendo pacificamente com os embalos de sábados passados. Aos poucos, o som mecânico ia sendo substituído pela voz dos mais corajosos. Afinados ou não, os adeptos do karaokê soltavam a garganta na mesma medida que sorviam a largos goles da farta bebida. Colados à parede, por todos os lados, frases de botequim. Curtas ou longas, rimadas ou não, os dizeres despertavam a atenção dos convivas. Inicialmente claros, à medida que as garrafas secavam, os cartazes ficavam turvos e as frases desconexas. As palavras pareciam saltitar, serelepes como que a dançarem em meio ao jogo de luz. Enquanto isso, a dona do Boteco, feito cigana, agitava o corpo de um lado para outro. A cintura parecia acompanhar a melodia, fazendo lembrar as ondas do mar, hora mansas, hora nervosas... O Boteco era só algazarra, doce agitação. Algumas crianças se divertiam próximo à mesa de sinuca, enquanto outras catavam as bolinhas de plástico coloridas que descansavam ao chão. Todos se divertiam. Até os ponteiros do relógio pareciam fazer festa ou, talvez, estivessem sob o efeito etílico que impregnava o ambiente. Como presentes, os corações iam se abrindo, um a um. Os mais resistentes até que tentavam se esquivar por entre as folhas de papel. Vã tentativa. O Velho Barreiro, em toda sua boêmia sabedoria, não poupava ninguém, por mais duro que fosse. A dona do Boteco era toda sorriso. Momento impar aquele em que completava mais uma primavera. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ALGUÉM VIU A LEITURA?



ALGUÉM VIU A LEITURA?
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com


                Há muito que sumida, alguém viu a leitura? Quiçá perdida por aí, sem eira e nem beira. Jogada sobre algum banco de praça, coberta por jornais dormidos. Esquecida e faminta, a perambular pelas ruas e vielas úmidas e escuras. Maltrapilha, mal cheirosa e descalça. Dela, a maioria quer distância. Por ela se passa de largo, sequer merecendo um breve olhar piedoso ou um singelo aceno. Nada. Total e absoluta indiferença. Logo ela que, noutros tempos, era companheira inseparável dos doutores e letrados. Antes, sinônimo de deferência e respeito. Agora, associada a um passado longínquo, empoeirado e insosso. Noutros tempos, amada e desejada. Hoje, jogada às traças e tripudiada. A antiga altivez deu lugar ao olhar cabisbaixo, enquanto os holofotes foram substituídos pela penumbra das prateleiras há muito não visitadas. Antes, o brilho. Agora, sequer motivo de um elogio ou de um afago. Bons tempos aqueles em que era levada para cama, a dormir junto a príncipes, princesas e até mesmo plebeus. Os lençóis de seda deram lugar à aspereza das caixas de papelão, quando não às chamas de uma fogueira improvisada. Foi-se o tempo em que era o centro das atenções. Hoje, violentada, desrespeitada e agredida. Já não lhe chamam pelo nome, quando muito pelo apelido. Comum mesmo é lhe podarem letras, sílabas, palavras e até frases inteiras. O zelo pela boa escrita, matéria-prima de uma prazerosa leitura, há muito foi abandonada. Hoje pouco se escreve, quando muito se balbucia. Encurta-se não apenas vocábulos, mas sonhos. Por onde anda a leitura? Saudades do tempo em que dava asas à imaginação. Tempo em que excitava os sentidos, só abandonada quando vencida pelo sono. Tempo em que afazeres outros eram preteridos em seu favor. Saudades do tempo em que unia gerações, aproximava pessoas. Ah, bons tempos aqueles em que o pequerrucho se aninhava junto ao corpo do pai ou da mãe para ouvir histórias. Contos que pareciam brotar daquelas páginas coloridas realçadas pela voz doce de quem os narrava. Alguém viu a leitura? É duvidar, está por aí brincando de pega-pega ou jogando bolita com o peão, a peteca e o bambolê. Saudades do papel, de seu cheiro e densidade. Insuperável é o prazer que nasce ao virar cada página. A expectativa do porvir, a curiosidade acerca do destino de cada personagem. Uma trama envolvente é como sexo da melhor qualidade, indescritível... Só lendo para saber. Por onde anda a leitura? Antes, arauto de novidades, descobertas e invenções. Verdadeira depositária de tradições milenares reveladas através de mitos, contos, parábolas, romances, poesias, notas musicais... Às vezes mais, às vezes menos complexas. Simples ou herméticas, era capaz de encantar, fazer sorrir ou chorar. Leitura, onde estás? Não imaginas a falta que fazes. Por mais que se tente achar quem te substitua, te mostras imprescindível. Saudade arrebatadora, dor desesperadora. Procura-se a leitura. Há muito que sumida, alguém a viu? 

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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

EDUCAÇÃO: O PODER DO VÍNCULO



EDUCAÇÃO: O PODER DO VÍNCULO
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                A escola de hoje é um deserto. Nela, salvo uma ou outra exceção, prospera a aridez nas relações. O afeto é arredio e o carinho apenas vez por outra se faz presente. Reluta-se em dar um abraço e vende-se caro um elogio, mesmo que singelo. O afeto há muito virou título empoeirado nas estantes das parcas bibliotecas. O semblante amarrado do professor, feito carranca às avessas, espanta não apenas os bons espíritos (pois que os maus permanecem e se multiplicam...), mas também as crianças. A crise é de tal monta que a até a “sala dos professores” mais parece uma trincheira de guerra. Do lado de cá os professores, enquanto do outro, legiões inimigas formadas por hordas de crianças e adolescentes sedentos pelo sangue docente. O recreio, ao invés de momento de integração e de encontro entre os mestres e seus pupilos, há muito é tido como efêmero refúgio de corpos aniquilados pelo cansaço do corpo e da alma. É, ainda, espaço de escambo, comércio e fofoca, muita fofoca. Fala-se e vende-se de tudo. Lingeries de todas as cores, formas e tamanhos. Compotas, perfumes e até mesmo pacotes de viagem. A criatividade só é menor do que a necessidade de compensar os aviltantes números a preencherem os contracheques. Aproveita-se, ainda – e quando o tempo o permite – para traçar algumas estratégias para a próxima batalha, pois que toda aula mais parece um campo de luta. Conselhos não faltam: “manda para Direção”; “suspende”; “chama os pais”; “faz ata”; “manda embora”; “chama a patrulha escolar ou o Conselho Tutelar”, etecetera e tal. No canto, não é incomum, uma professora a soluçar e reclamar da sorte. Onde fora se meter! Maldita a hora que resolvera ser professora. É duvidar, sai direto dali para o RH. A mesma ameaça de ontem, de anteontem, do ano passado... Amanhã, por certo, estará ali, naquela mesma sala, afagando ou sendo afagada. Em nome de uma missão que não acredita, segue ela em sua vida modorrenta. Não vê a hora das férias ou do próximo feriado. Ah, de preferência prolongado. Por entre pacotes de biscoito Maria e copos sujos de café, folhas e mais folhas. Ditado, Redação, “Pesquisa”, contas intermináveis de toda espécie. Um monte de letras e símbolos vazios. Cópias destituídas de qualquer significado. Certeza, uma só: mais trabalho para o fim de semana! Triste sina. Espera-se a aposentadoria e, de preferência bem depois, a morte. É como se as cortinas do teatro da vida baixassem antes do grand finale, deixando o espectador confuso, quando não decepcionado ou irritado por sentir-se lesado. A escola, hoje, é o verdadeiro quadro da dor. Inferno dantesco, tomado de lamúrias e queixas. Solução? Existe sim. Ela passa, necessária e obrigatoriamente, pela construção de vínculos. Vínculos entre docentes e comunidade, entre professores e seus pares, entre mestres e seus alunos. Principalmente estes últimos! O exercício do magistério não exige vocação. Requer, isto sim, profissionalismo e amor. O educador deve ter amor por ele mesmo, pelos colegas, pelos alunos e pela comunidade onde atua. Tentar educar sem amor é tarefa fadada ao fracasso. O professor deve apaixonar-se por seu papel. Encantar-se pelo outro. Acreditar no ser humano. Esperar que o educando seja capaz de aprender. Apostar no sucesso do aluno. A formação de vínculos fundados no amor é pressuposto para uma boa aprendizagem, além de um poderoso antídoto no combate à indisciplina escolar. A construção do vínculo requer respeito, alteridade, honestidade, verdade, coerência, convicção, limite, cobrança, sanção. O verdadeiro vínculo confunde-se com o amor exigente. Andam juntos, imbricam-se, fundem-se. A formação do vínculo exige um olhar viajante do educador. Este precisa ser um decifrador de almas. O professor que adentra no coração do educando dá imensurável passo no processo ensino-aprendizagem. Entra, mas não invade. Quem educa acaba por se tornar cúmplice de quem aprende. Condescendência profícua, necessária e bem-vinda. Ambos, educador e educando, crescem e se fortalecem. Constituem-se como sujeitos, diferentes mas interdependentes. Indispensáveis um para o outro. A necessária e salutar hierarquia supera a tirania, seja do aluno, seja do professor. A verticalização passa a não mais denotar repressão, mas libertação. As idiossincrasias e distinção de papéis deixam de ser empecilho e passam a ser matéria-prima para o crescimento de todos. A escola precisa ser um espaço privilegiado para formação, resgate e aprofundamento dos vínculos. O educador deve ser, acima de tudo, um pescador de almas, pois que só a partir do amor e de seus frutos é que se dá uma aprendizagem prazerosa, significativa e duradoura.  

FOI NO VINTE DE SETEMBRO?



FOI NO VINTE DE SETEMBRO?
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Gaúcho que sou, não há como negar que, vez por outra, me deixo levar por aquele sentimento bairrista, vislumbrando um Rio Grande independente. Acompanhando tal sentimento, certa dose de prepotência frente aos demais estados federados. É como se não compartilhasse com eles dos mesmos ideais, sonhos e dissabores. Tamanha indiferença diante do infortúnio alheio, se por um lado, marca certa autonomia destas terras, por outro dificulta qualquer tentativa de se buscar, em conjunto com as demais “estrelas” desta constelação chamada Brasil, saídas efetivas para os históricos e crassos problemas que afligem a esmagadora (esmagada!) maioria dos brasileiros.

                O sentimento nativista deve ser cultivado por cada gaúcho e cada gaúcha. O resgate da história e o respeito às tradições são como chamas a serem mantidas acesas, pois que servem de farol em meio a um mar cada vez mais tenebroso, um mundo que – em nome do deus mercado – homogeniza gostos e costumes. Os tempos ditos pós-modernos (?) contribuem para o descarte de todos e de tudo, inclusive das culturas outrora consideradas sólidas, forjadas ao longo de muitas gerações.

                A chamada Revolução Farroupilha (1835-1845) pode ser vista a partir de vários ângulos. Foi um movimento elitista ao trazer para o centro das discussões, principalmente, os interesses dos estancieiros gaúchos prejudicados pela política econômica do governo central em relação, por exemplo, ao charque. Por outro lado, o movimento farrapo contribuiu para escancarar algumas contradições do Império, entre elas a escravidão. Muitos negros passaram a ver a Revolução como meio de romper com a organização social até então reinante. Como todo o movimento de grandes proporções, a Revolução Farroupilha por certo fugiu de seus objetivos inicialmente traçados.

                O Vinte de Setembro – presente no hino de nosso estado – deve ser reverenciado pelo simbolismo que representa. Deseja-se que os ideais da fugaz República Rio-Grandense – em tempo idos, largamente defendidos (ao menos na oratória) pelos revoltosos – superem os parcos limites do mero discurso. Ora, que a igualdade de oportunidades possa ser geradora de melhor distribuição de renda. O paternalismo e assistencialismo doentios, de fundo politiqueiro, devem ser enterrados. Os males por eles provocados são inúmeros. São frutos de uma política equivocada assentada em práticas coronelistas que transformam zonas eleitorais em verdadeiros currais de votos direcionados. Deseja-se que a fraternidade nasça das relações interpessoais sadias, fundadas na ética e no compromisso com o coletivo. Sonha-se com uma verdadeira liberdade, alicerçada numa “paz social” e alinhada à justiça. Sim, uma liberdade que não deite à cama com o poder econômico, a impunidade, a omissão, o descaso ou a indiferença.

                Assim, no fundo, a verdadeira Revolução – enquanto transformação das perversas estruturas sociais, políticas e econômicas – não “foi”, jamais aconteceu. Contudo, ela pode “ser”. Depende de cada gaúcho e de cada gaúcha. Depende de cada brasileiro, gaudério ou não, apreciador da erva-mate ou do tereré, torcedor da dupla grenal ou do Bragantino, adepto da bombacha ou da roupa típica do Sertão, comedor de churrasco ou simpático ao peixe extraído do Solimões. Sirva o Vinte de Setembro para reflexão crítica e, acima de tudo, para tomada de posição. Estes páreos, mais do que ximangos ou maragatos, precisam sobretudo de verdadeiros cidadãos! Boa Semana Farroupilha a todos!

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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

DIRETRIZES: FOCO NA APRENDIZAGEM



DIRETRIZES: FOCO NA APRENDIZAGEM
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                As chamadas Diretrizes para o Ensino Fundamental de Nove Anos[1] construída ao longo de anos e consolidada na Resolução CME No 015/2012, representa um importante avanço no que tange ao olhar que se lança sobre a aprendizagem. Esta – e não a mera aprovação ou reprovação – passa a ser o centro das atenções. Parte-se da ideia de que todos aprendem, embora de formas e em tempos diferentes. O que deve merecer destaque não é a terminologia atribuída à nova organização curricular: módulos de aprendizagem. O que deve pautar a discussão e reflexão são os paradigmas existentes por detrás da iniciativa. A coletividade, representada pelo Conselho Municipal de Educação de Cachoeirinha, buscou acima de tudo garantir maior tempo tanto ao educando, para que o mesmo aprenda, quanto ao educador, para que este ensine. A Organização Modular busca, ainda, fomentar maior planejamento por parte dos professores, pois que passam a ser “solidários” uns para com os outros em relação ao processo ensino-aprendizagem. Na prática, isso significa que os educadores dos anos seguintes (finais, por exemplo) terão de sentar com os colegas dos anos anteriores, pois responderão solidariamente pela aprendizagem, ou não, do educando. Sepulta-se o trabalho pautado no individualismo, onde cada qual ficava no seu “quadrado”. Enquanto os educadores se digladiavam, jogando uns sobre os outros a culpa da não-aprendizagem da criança/adolescente, o educando ficava à mercê de sua sorte ou, o que era pior, acabava por se transformar no “vilão” de seu próprio infortúnio.

                A primeira grande mudança trazida pela Organização Modular de Aprendizagem diz respeito ao “tempo”. Este foi redimensionado. Antes, o educando tinha tão somente um ano letivo (na prática, cerca de nove meses...) para dar conta de aprender os conteúdos mínimos previstos no famigerado Plano de Estudos. O que para alguns alunos era tranquilo, para outros era fator de desespero e, por consequência, de fracasso escolar (reprovação). A nova Organização aumenta o tempo para 03 (três) anos, para que o aluno seja melhor trabalhado, para que seja utilizado o maior número possível de estratégias de aprendizagem voltadas ao sucesso de fato do educando. Mais do que uma questão de “Direito” (respaldado na Constituição Federal e em diversos outros diplomas legais), é uma questão de ética e de dignidade da pessoa humana. A escola só faz sentido se for capaz de ensinar. Assim como é inadmissível que o paciente seja dispensado pelo hospital antes de resolvido seu problema de saúde, da mesma forma é inadmissível que o educando seja “dispensado” (a reprovação por certo exclui...) da escola sem que aprenda. A reprovação escolar deve ser vista e comparada com a morte, portanto uma exceção, possível de acontecer, mas tratada como luto, eivada de tristeza e sentimento de perda. Infelizmente, contudo, não é o que se vê. Os índices de reprovação, especialmente nas escolas públicas (por quê?), só são menores do que a modorra que se mistura à omissão, passividade e indiferença. Reprova-se com naturalidade e quase desenvoltura. Levas e mais levas de educandos veem o futuro ser enterrado envolto às folhas de provas não raras vezes mal elaboradas e que nada atestam senão a incapacidade do professor e da escola de encontrarem saídas que promovam a aprendizagem.

                Outra importante mudança diz respeito à reprovação em si. Esta “só” poderá ocorrer ao final de cada módulo (três anos). Assim, por exemplo, o aluno que ingressa no 1o ano do Ensino Fundamental não poderá ser reprovado antes que alcance o 3o ano. Somente ao final deste último ano do módulo é que – caso se faça comprovadamente necessário – o educando poderá ser retido. Resta clara, portanto, a intenção do Conselho Municipal de Educação em lançar uma verdadeira e profunda mudança de paradigma e não simplesmente criar estratégias voltadas à redução dos índices de reprovação. Busca-se deslocar o foco da mera questão da “aprovação/reprovação” para uma outra, a da “aprendizagem”.

                As Diretrizes Municipais para o Ensino Fundamental de Nove Anos instigam as mudanças que há muito se fazem necessárias. Urge maior planejamento e estreitamento da comunicação entre todos os que respondem pelo processo ensino-aprendizagem, de forma especial, o corpo docente. O que se vê é uma enorme distância entre o espírito trazido na legislação hodierna e o cotidiano das instituições de ensino. Apesar dos avanços legais atinentes à tão decantada “gestão democrática” (seguida da descentralização financeira, do surgimento e fortalecimento dos Conselhos Escolares, etc.), a escola segue – salvo raras e louváveis exceções – com a mesma prática do mais longínquo passado. A comunidade só é lembrada e chamada à participação em situações excepcionalíssimas. Via de regra, os membros dos ditos “Conselhos” não passam de meros espectadores ou, o que não deixa de ser pior, espécie de “extensão” da Direção, incapazes de fazerem o contraponto indispensável à reflexão crítica, esta última matéria-prima das mudanças tão necessárias no âmbito da escola. Leva-se para dentro das instituições de ensino as mesmas práticas e vícios de seu entorno. Tem sido por demais comum a “partidarização” das relações intramuros. Negociatas, troca de favores, privilégios, confusão entre público e privado e toda espécie de mesquinhez tão criticadas em relação à política partidária neste município, estado e país, acabam por se fazer presentes também na esfera da escola. Portanto, não causa estranheza o preocupante afastamento da comunidade em relação às instituições de ensino. O “esvaziamento” e constante “rodízio” entre os componentes dos Conselhos Escolares são meros sintomas das práticas equivocadas levadas a cabo pelas escolas.

                A Resolução que trata das Diretrizes reforça a necessidade, portanto, do planejamento. A escola deve garantir o tempo e espaço necessários para que, por exemplo, o corpo docente estude, debata, avalie, construa de forma coletiva. Reuniões entre professores do mesmo módulo e de módulos distintos têm que ser uma constante. As questões pedagógicas devem se sobrepor às administrativas e o tempo disponibilizado ao planejamento do grupo deve se sobrepor ao individual. Portanto, há de se repensar sim questões como a da “hora atividade”. Esta não deve ser vista ou confundida com “folga”. O planejamento deve se dar é na escola, não em casa. Esta é local de descanso, enquanto a instituição de ensino é espaço para o trabalho e exercício responsável da função para a qual o servidor é remunerado. Mister é que as reuniões envolvendo o corpo docente sejam orientadas e acompanhadas pela Supervisão Escolar. Para tanto, indispensável é que os supervisores se qualifiquem e se instrumentalizem. O estudo e a pesquisa devem ser uma constante. O grupo docente deve ser instigado a falar, se posicionar e se comprometer. Exige-se resultados. Trabalho sem resultado é estéril, de nada vale. Os resultados devem, portanto, aparecer sob diversas formas: diminuição da infrequência e da evasão; diminuição da indisciplina; melhoria na aprendizagem; maior participação da comunidade; melhoria na saúde do profissional da educação com a consequente diminuição das faltas laborais; etc.

                As Diretrizes Municipais para o Ensino de Nove Anos – como já dito – busca realocar os holofotes, posicionando-os sobre a questão da aprendizagem. Por óbvio, não se quer olvidar a importância da questão aprovação/reprovação. Esta precisa sim ser discutida, contudo à luz de outros paradigmas que não aqueles que até então vêm ocupando a atenção. A reprovação precisa ser vista, primeiro, como uma exceção. Tratada como uma “anomalia”, portanto algo passível de despertar inúmeros cuidados para que não se repita. Infelizmente, não são poucos os professores que a usam como “instrumento” de pressão e de “pseudo-controle” contra a indisciplina escolar. Acreditam alguns que a ameaça de eventual reprovação sirva de estímulo para a melhoria do comportamento dos educandos e maior comprometimento da família. Triste engano. A experiência tem mostrado que seja a reprovação, seja sua “simples” ameaça, não traz os resultados pretendidos. Como toda punição ou como toda ameaça, ao ser banalizada (e hoje a reprovação é algo “banal”!), por certo não produz os efeitos desejados. Ao contrário, só faz desgastar e fragilizar as relações de afeto. Ora, a indisciplina escolar, por exemplo, precisa ser atacada, mas não através da reprovação. A indisciplina precisa ser entendida, compreendida em suas causas. Quando, onde, com quem ocorre? A quebra dos chamados princípios de convivência deve ser encarada como um problema a ser resolvido. Reprovar o educando significa atacar a pessoa do “agressor” e não sua conduta. Ora, é esta última que precisa ser combatida e banida! O aluno indisciplinado precisa ser cobrado e responsabilizado, mas acima de tudo ensinado (por isso está na escola...) e amado, respeitado como sujeito de direitos. O combate efetivo à indisciplina escolar passa por uma série de iniciativas. Deve haver clareza e publicização dos princípios de convivência. As regras estabelecidas (é bom que algumas delas sejam construídas) precisam ser pertinentes, coerentes e justas. É fundamental que se diminua significativamente a distância entre o discurso e a prática docentes (o professor deve cobrar pontualidade, mas ser pontual; deve exigir organização dos alunos, mas estar com seus cadernos de chamada em dia; pedir concentração dos educandos, mas mostrar-se mais atento e menos “tagarela” nas reuniões e encontros de formação...). A família precisa ser comunicada e, se necessário, chamada quando diante de atos de indisciplina. Não se fazendo presente, mister é que seja responsabilizada. As instituições de ensino precisam otimizar seus recursos, usar de suporte tecnológico no combate à indisciplina. Indispensável, ainda, é que haja o cuidado com os registros envolvendo alunos indisciplinados. Enfim, como se vê, muitas são as alternativas e caminhos para que a escola supere ou, ao menos, mitigue o problema da indisciplina, sem que lance mão da reprovação.

                A Resolução exarada pelo Conselho Municipal de Educação de Cachoeirinha, ao trazer a necessidade da aprendizagem para o centro das atenções, reafirma algumas certezas. Uma delas é a que diz respeito ao papel do ente público (representado pela Secretaria Municipal de Educação - SMEd) no processo de melhoria da qualidade do ensino, pressuposto indispensável a real e verdadeira aprendizagem. Primeiro, cabe à mantenedora criar mecanismos que contribuam para a assimilação do conteúdo trazido pela norma. As Equipes Diretivas (articuladas e auxiliadas pela Assessoria Pedagógica da SMEd) devem servir de “multiplicadores”, instigando os docentes em suas respectivas unidades de ensino a também se apropriarem das Diretrizes, em que pese o adiantado da hora. O momento, agora, já não é o da construção da norma, mas de sua operacionalização. O que fazer? Como fazer? Eis aí as perguntas e questionamentos a serem feitos. Apesar das eventuais críticas que venham a surgir – naturais, por sinal –, por parte da comunidade escolar (especialmente de alguns professores), cabe à Equipe Diretiva criar as condições necessárias para que as Diretrizes saiam do papel. As Propostas Político-Pedagógicas precisam ser construídas tendo por pano de fundo o regramento trazido pela Resolução.

                Ao Poder Público cabe, ainda, criar e garantir as condições físicas, estruturais e de recursos humanos necessárias à consecução da norma. O sucesso da empreitada passa necessária e obrigatoriamente pela qualificação profissional, pela melhoria e ampliação de alguns espaços junto às escolas, pela parceria da SMEd com outras Secretarias, pelo suporte financeiro e técnico às instituições de ensino, pela formação continuada, pela valorização salarial, pela presença constante da Assessoria junto às escolas, pelo diálogo permanente com as entidades de classe (SIMCA), pela oitiva da comunidade, entre outros. O momento requer soma de esforços e convicção em relação às decisões trazidas pela Resolução. Não se pode, agora, titubear. Exige-se compromisso, responsabilidade, profissionalismo e o trabalho de todos. O aluno merece!


[1] O texto é de inteira responsabilidade do autor, portanto não refletindo necessariamente a posição do Conselho Municipal de Educação de Cachoeirinha. 

domingo, 2 de setembro de 2012

O VERDADEIRO GRITO DO IPIRANGA



O VERDADEIRO GRITO DO IPIRANGA
Prof. Gilvan
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                A cada semana da pátria é a mesma coisa. Vai-se de um extremo a outro. Discursos ufanistas de um lado, de outro, posições que menosprezam o passado em nome de um “esquerdismo” doentio e irresponsável. Nem oito, nem oitenta. Resgatar o passado, mesmo que inglório, é necessário, pois que dele podemos e devemos tirar lições. O pretérito ajuda na compreensão do presente. Este, por sua vez, é o passado do amanhã. O que somos hoje, em parte é produto do que fizeram nossos pais. Nossos filhos, da mesma forma, colherão muitos dos frutos – bons ou ruins – que hoje plantamos.

                A verdadeira independência de um país não é a que se ganha ou se compra nas prateleiras da história. A verdadeira independência não é a que nasce de um gesto, de um grito ou de um tratado de cor amarelada corroído pelas traças e pelo tempo. A verdadeira independência não é a que é “dada” pelos ditos heróis e mártires. Não é, menos ainda, a que se resume a frases de efeito em meio às cores de uma bandeira. A verdadeira independência é aquela que se constrói nas ações individuais e coletivas. É aquela que vai se constituindo no dia a dia. A verdadeira independência nasce e se consolida nas relações que entre nós se estabelecem. Num movimento dialético, germina e retorna sob distintas formas: honestidade, solidariedade, lealdade, ética, senso de justiça, alteridade, respeito, responsabilidade, compromisso com o coletivo. Sim, “independência” pensada e vivida sozinha não é verdadeira, não é altruísmo. É, isto sim, egoísmo.

                A verdadeira independência é aquela capaz de gerar paz social, segurança, trabalho e renda, educação, moradia, saúde, enfim... qualidade de vida. A independência que, de fato, precisamos não é a do tipo veiculado em livros e revistas, mas aquela que propicia dignidade à criança, ao jovem, ao homem, à mulher, ao idoso, a todos, independentemente do credo, etnia, opção política ou ideológica. A independência que se deseja é aquela capaz de transformar as estruturas da educação, da saúde, da segurança pública, do transporte coletivo. É aquela com o poder de separar o joio do trigo. A verdadeira independência é a que não se prostitui em meio à lama da corrupção, não é objeto de comércio e de negociatas. É a que gera cidadãos de fato, não meros personagens fictícios descritos nos diplomas legais. A independência sonhada é a que promove distribuição de renda e igualdade de oportunidades.

                A semana da pátria é um – apenas mais um – bom momento para reflexão acerca do Brasil que se tem e o país que se quer. A superação dos inúmeros e graves problemas políticos, econômicos e sociais passa necessariamente, também, pela escola e pela família. A esta cabe, por exemplo, criar e sedimentar valores, pautando-se num amor exigente. À escola, por sua vez, cabe ser um espaço privilegiado de construção do conhecimento e da cidadania, onde não apenas as ditas “ciências” sejam assimiladas, mas também os princípios que norteiam uma sociedade verdadeiramente independente.


Setembro de 2012.