Translate

sexta-feira, 29 de junho de 2012

VAKINHA


VAKINHA
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                É vakinha com “k” mesmo. Também fiquei surpreso, assim como o leitor. Contudo, o que mais chamou atenção não foi a grafia da palavra, mas o que a ela estava associado. Há algum tempo venho pesquisando na internet os preços não de “um”, mas “do” projetor “Multimídia Powerlite Presenter L”, da Epson. Os anúncios acerca do produto são estonteantes. Fazem lembrar um programa (antigo?) de humor que trazia entre os seus quadros as “Organizações Tabajara: seus problemas acabaram!”. O fabricante promete verdadeiro milagre tecnológico. Um produto revolucionário, capaz de despertar a atenção dos disléxicos, hiperativos e, acreditem, até da gurizada da sétima. Matemática, História, Física, Química... No meu caso, Geografia. Tal é o apelo publicitário que um que outro incauto professor até poderia imaginar a turma inteira literalmente babando de prazer, quase que orgástico, diante da explosão de imagens e cores a brotarem da lâmpada. Esta de led com quatro, sim, quatro mil horas de vida útil. Vai-se o professor, fica a lâmpada. Que inveja! Sem falar em todos aqueles botões e entradas de todo tipo: USB, HDMI, etecetera e tal. Mas, como ia dizendo, o que realmente chamou atenção no site pesquisado foi um link que trazia como nome o título deste singelo texto: VAKINHA. O termo, por si só, já chamaria atenção. O nome com “k”, mais ainda. Não tive dúvidas, entrei. Ao fazê-lo descobri algo que até então me parecia inimaginável num mundo tão egoísta. A possibilidade de ajudar ou ser ajudado. No meu caso, professor, sabe como é... Ser ajudado pelos “amigos” (leia-se “contatos”, a maioria tão distantes e impessoais como o Evereste) na compra de tudo o que se possa imaginar, desde livros até aviões, passando por vibradores e até urinóis. Exageros à parte, o fato é que a ideia (sem o acento perdeu o charme) me pareceu genial. Finalmente poderia comprar o tão sonhado projetor. Contudo, passado o ímpeto – é como se tivesse descoberto a América –, aos poucos foi caindo a ficha. Quem iria se dispor a ajudar este pobre sujeito? Eu mesmo titubearia frente a pedido semelhante. Cheirava a falcatrua. Ora, vakinha definitivamente soava como estelionato. Pior, um estelionato “emocional”. Como os “amigos” encarariam o pedido? Quanto aos desconhecidos, tudo bem... Mas e os conhecidos? Alunos, professores, parentes, o público que me conhece? Chacota na certa. Parecia ouvir os comentários: “coitado!”; “pilantra”; “safado”; “chantagista”; “cara-de-pau”. Não parecia bom negócio. Arriscado demais para minha reputação. Por que não inventaram outro nome para a iniciativa? Tipo, assim... APAE, Legião da Boa Vontade, Professor Esperança. Sei lá, criar um zero oitocentos: “disque um para doar vinte reais, dois para doar quarenta reais, três para...”. Mas, vakinha??? Por outro lado, talvez, o termo bem que combine com nós, professores. Vakinha, aulinha, vidinha, casinha... Tudo parece tão pequeno e no diminutivo para nós docentes. Bom, o que fazer? Topar ou não o desafio da vakinha? Decidi pelo não, ao menos por hora. Mas que a ideia não é de todo ruim, não é mesmo... Caso queiram ajudar...

CARTA TESTAMENTO (NÃO A DE VARGAS...)



CARTA TESTAMENTO (NÃO A DE VARGAS...)
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Quem já não ouviu falar na Carta Testamento de Vargas, gaudério que presidiu este país durante quase duas décadas? Ainda lembro do tempo do Primeiro Grau (hoje Ensino Fundamental), das páginas ilustradas do livro de História (hoje substituído pela wikipedia), donde brotava em forma de pergaminho a famosa Carta. Passados tantos anos, mais de trinta, percebo que muita coisa mudou, porém não tudo... Homens como Vargas, há muito que não se vê. Autoritário às vezes, mas autêntico. Ditador vez por outra, mas leal a seus princípios. Covarde em alguns momentos, mas corajoso quando diante da morte a lhe espreitar. Foi-se os caudilhos, mas restou cristalizado muitos dos vícios daquela sórdida política. Integralistas, comunistas, getulistas, populistas... PTB, PSD, PCB, AIB... Por mais condenáveis que fossem suas propostas e autoritárias suas ações, no fundo existia à época um misto de romantismo quixotesco e pragmatismo maquiavélico. Marcava-se de maneira clara e inequívoca posições ideológicas e político-partidárias. Não havia, salvo raras exceções, dúvidas de quem era quem. Os matizes e preferências eram às claras. Hoje, ao contrário, há de se lamentar o profundo e, ao que parece, interminável vazio no que tange às lideranças. Estas, se existem, estão às escondidas, quiçá indiferentes ao papel que um pretenso destino lhes reservou. Quanto aos partidos políticos, são como pocilga onde se misturam em meio à lama interesses tão díspares quanto contraditórios, incompreensíveis a qualquer cidadão de bem. Algumas casas legislativas mais lembram um cabaré da pior espécie, onde se vende de tudo, inclusive a consciência. Perdoem-me as meretrizes pela, talvez infeliz, comparação. Siglas surgem, siglas somem, siglas se fundem, conforme conveniências pessoais ou de pequenos grupos. Certo é que poucos ganham e, adivinhem, muitos perdem. Cada vez mais os jovens se afastam da política, tomados de asco e avessos a qualquer discussão que venha a exigir-lhes esforço intelectual ou posicionamento verdadeiramente crítico. Os “donos do poder”, ao que tudo indica, têm conseguido êxito em seu intento, qual seja o de afastar qualquer tentativa de transformação social advinda do efetivo exercício da cidadania. Paira no ar uma preocupante tendência à imbecilidade de nossa gente. Homens, mulheres, jovens e crianças, como gado, aguardam passivamente a hora do abate, embriagados pelo poder midiático do “plim-plim” e similares. O Estado há muito vem sendo balcão de negócios e negociatas, onde os que deveriam “servir”, acabam por se servirem às custas de quem os paga. Enquanto Têmis se perde em meio às vaidades e discursos intermináveis, verdadeiras oratórias estéreis tão ininteligíveis quanto o olhar estrábico da deusa, o sentimento de justiça se esvai no tempo e é enterrado nas filas dos hospitais e postos de saúde, no avanço da violência sob suas mais diversas formas, no desvio dos sagrados recursos púbicos, na pífia qualidade do ensino, no “custo Brasil”, na extorsão fiscal praticada sobre o rendimento dos trabalhadores, entre tantos outros males que, dia após dia, assolam nossa gente.

                Apesar do contexto sombrio eivado de uma imensurável crise moral e ética, a dádiva presa à caixa de Pandora parece resistir. Há esperança. Por certo – apesar da modorra profunda e atávica apatia –, muitos são ainda merecedores de confiança. Pessoas que jamais se apropriariam do bem alheio, honestas, trabalhadoras (ou aposentadas...), comprometidas com suas obrigações legais e sociais, respeitosas e respeitáveis. Pessoas que ainda pedem licença e não titubeiam em pedir perdão. Pessoas que levantam para ceder o lugar a quem precisa, que abrem mão de seu tempo em prol de outrem, nem que seja apenas para escutar... Pessoas que guardam o brilho no olhar e que se solidarizam de fato com as agruras alheias. Homens com o coração de mãe e mulheres com a força e coragem de leão. São essas pessoas que precisam tomar posse e serem empossadas no Legislativo, Executivo e Judiciário. Covardes, corruptos, omissos, incompetentes, desonestos e toda sorte de larápios, togados ou não, diplomados ou destituídos de titulação precisam ser execrados. Quem sabe a saída esteja nas próprias contradições que o “sistema” (este é feito de pessoas...) produz. A República brasileira nasceu a partir e para os já então privilegiados. Trouxe consigo a carcaça da modernidade e os “miúdos” do passado. O voto, por exemplo, veio acompanhado do cabresto. O sistema partidário veio permeado das mesmas práticas tão conhecidas no Império. A nobreza aristocrática foi substituída pelo coronelismo republicano. Este, de vento em popa, ainda hoje segue elegendo a sua laia, eternizando-a no cerrado de Brasília. Teimamos em querer “parecer” e “aparecer”. Somos causa e consequência de um triste caldo cultural que privilegia o “parecer ter” em detrimento do “ser”. Adquirem-se os penduricalhos do Capitalismo, alimentado pela irresponsável ciranda do crédito aparentemente fácil, mesmo que para tanto se comprometa a renda desta e das futuras gerações. Somos o país das grandes contradições e das “aparências”. Nos vangloriamos de termos matriculadas quase todas as crianças, em que pese a flagrante degradação da qualidade de ensino. Pouco e mal aprendem nossos alunos. Pouco e mal ensinam nossos educadores. Estes, talvez, por pouco saberem. Não poderia ser diferente, pois que a “certificação” para muitos de nossos mestres precede a qualificação. É a velha mania herdada de tempos idos de se querer ver pendurado um título, mesmo que adquirido “à distância” ou em sites da web. Construímos estádios, estradas e aeroportos para recepcionarmos os “gringos” e causar-lhes uma boa impressão, mas nos mostramos incapazes de darmos jeito em nossos presídios, escolas e hospitais. Tal lógica precisa ser urgente e imediatamente transformada. Urge lançarmos mão de ferramentas como a do mandato parlamentar e, antes dela, a do voto para subvertermos este triste contexto. Por certo, tamanha utopia requer não uma, mas duas, três ou mais gerações. Tenhamos a certeza de, quando diante da morte, sairmos da vida para entrarmos para a história.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

SUPERPOPULAÇÃO: MITO OU VERDADE?


SUPERPOPULAÇÃO: MITO OU VERDADE?
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Não tem sido incomum os meios de comunicação, em especial o televisivo, trazerem à luz a questão relativa ao tema aqui proposto. Iniciativa esta positiva, não fosse a forma muitas vezes equivocada com que o assunto tem sido abordado. A Terra, hoje, possui de fato uma superpopulação a ponto de ser associada a uma “estação lotada”? Apesar da forte tendência de muitos responderem afirmativamente, defende-se aqui, no mínimo, o espaço ao contraponto. Ora, primeiro deve restar claro que a preocupação com uma eventual “explosão” demográfica não é nova. No final do século XVIII e início do XIX, por exemplo, teóricos como Malthus – fundados em princípios deterministas, o que era comum à época – já anunciavam em tom profético que a humanidade estaria fadada à fome, não fossem algumas catástrofes e guerras que faziam às vezes de uma espécie de “seleção natural”. A teoria malthusiana estava baseada na ideia de que há um descompasso entre o crescimento da população e a produção de alimentos. Segundo ele, enquanto o primeiro cresceria de forma geométrica (2,4,8,16,32...), o segundo cresceria de maneira aritmética (2,4,6,8,10...). Ora, ao que tudo indica, Malthus desprezou um fator significativo, qual seja, a capacidade do homem em criar e produzir novas tecnologias. Prova cabal da falibilidade teórica malthusiana é que hoje, mesmo diante de uma população que ultrapassa a casa dos sete bilhões, a capacidade produtiva, segundo indicam muitos estudos, daria conta de alimentar mais de nove bilhões de pessoas. Assim, o que falta não é comida mas, isto sim, condições econômicas por parte de grande parcela da população mundial, alijando-a do acesso a uma dieta alimentar satisfatória do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Logo após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), surgiu uma nova (não tão nova...) teoria, a “neomalthusiana”. Esta, por sua vez, alegava que a prevalência da população jovem nos países subdesenvolvidos seria a principal causa para as agruras socioeconômicas desses povos. Segundo o neomalthusianismo, tal perfil ensejaria gastos estrondosos em saúde e educação, por exemplo, acarretando na falta de recursos para investimentos na produção. Na mesma época, meados da década de 1940, surgiu também a teoria demográfica-reformista. Segundo ela, o subdesenvolvimento e a fome são resultantes, principalmente, da má distribuição da renda e da consequente desigualdade social.

                Se por um lado, há de se ter cuidado com as teorias que demonizam a natalidade nos países subdesenvolvidos, por outro há de se reconhecer que o contingente populacional hoje existente põe em risco os recursos naturais do planeta, muito mais em função da escassez de uma “cultura” voltada à sustentabilidade (inclusive nos países mais desenvolvidos) do que propriamente em decorrência do número de pessoas sobre a face terrestre. Preocupante é, também, o fato de que cerca de 40% da população mundial segue atrelada às formas ultrapassadas de produção, especialmente associadas a algumas atividades do setor primário, como a silvicultura e a pesca. Somado a isso, é vergonhoso o número de seres humanos que vegetam na fome, no analfabetismo, na falta de trabalho e de renda. Parcelas imensas da população mundial seguem à margem das novas tecnologias e das melhorias há muito vivenciadas pelos países desenvolvidos.

                Conclui-se, portanto, que a famigerada “superpopulação” deve ser vista com ressalvas. Certo é que soa como irresponsável a tentativa de atribuir ao contingente populacional dessa ou daquela família, desse ou daquele país, a principal causa da fome ou do subdesenvolvimento. Elevadas taxas de natalidade, por exemplo, antes de serem causa são sobretudo resultado da distribuição desigual das riquezas, seja em nível nacional ou internacional. 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A PRIMEIRA VEZ


A PRIMEIRA VEZ
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com


                Não conseguia esconder o nervosismo. As pernas tremiam. O coração, palpitante, parecia não caber no peito, ansioso por sair pela boca. A respiração sôfrega a exigir esforço hercúleo. A pressão arterial, a medisse, certamente estaria nas nuvens. Apesar do ar condicionado, já de véspera ligado, o coitado suava. Suor frio. Os sentimentos misturavam-se, verdadeiro amálgama de pavor e sedução. Feito a fruta do Éden. Proibida, talvez por isso desejada. Ao olhar aquelas curvas, a maciez aveludada que envolvia a silhueta onde logo depositaria seu corpo, estremecia de prazer. Há quanto tempo aguardava aquele momento. Não faz muito, em meio à roda de amigos, zombavam dele. Talvez fosse o único a não ter experimentado daquele “fruto”. Quem sabe, ainda, fosse puro despeito. O fato é que, no fundo, sentia-se pequeno, menosprezado diante de tantas narrativas alheias a falarem da singular experiência de sentir-se nas nuvens. Narravam a ele cada detalhe, dos banais aos mais picantes, talvez com o intuito de vê-lo sofrer. Ao perceberem que se interessava pelas minúcias, por certo logo deduziam que o pobre era um profundo desconhecedor daqueles “assuntos”. Aí é que o espezinhavam. Falavam das mais variadas e possíveis “posições”. Tinham os que diziam preferir sentados. Outros, ao contrário, defendiam a tese de que de pé era melhor, não fossem as dificuldades de aguentar os solavancos, especialmente quando a “coisa” estava já lá em cima. Alguns preferiam que fosse a dois, outros alegavam que quanto maior o grupo melhor: “é mais divertido!”. Obviamente, não podia deixar de ter sempre o que preferia fazer aquilo sozinho. Gosto não se discute. Alguns admitiam que com um companheiro do mesmo sexo até que poderia ser interessante. Poderiam aproveitar o ensejo para falar de coisas em comum. A maioria, contudo, preferia que fosse com mulheres, de preferência bonitas e de peitos avantajados. Tá bom, até poderiam ser feias, mas os peitos... Afinal, era coisa rápida. Uma ou duas horas. A não ser quando se quisesse ir mais longe... Toda aquela conversa só atiçava nele a necessidade de também deliciar-se. Por que não sentir prazer? Mesmo que pago. Conversa ia e conversa vinha, não tardava, logo soltavam a fatídica pergunta: “e aí, vai ou não vai?”. Sentia, por detrás daquele desafio, uma ponta de maldade. Não tinha dúvida. Mais cedo ou mais tarde iria à desforra. Apesar da idade um tanto que avançada, ia para lá dos quarenta, nunca era tarde para começar. O que perdia, por um lado, em relação ao viço da juventude, por outro ganhava quanto à experiência. O tempo, para alguns, tido por inimigo, para ele era aliado. Propiciara-lhe um olhar agudo, perspicaz, refinado. Os cabelos descoloridos atestavam o equilíbrio e a estabilidade que só os anos são capazes de trazer. Enquanto todos esses sentimentos, pensamentos e emoções o rodeavam, a luminosidade do ambiente diminuía, prenunciando o grande momento. Só em pensar que na hora agá poderia falhar, sentia náusea. Apesar de, ao longo de tantos anos, preparar sua mente para quando o momento chegasse, ainda assim não conseguia disfarçar o medo. Não sabia ao certo se segurava a mão, se puxava conversa, se abria ou fechava os olhos... Temia que fosse mal interpretado ou que fosse tido por fraco e pouco viril. Buscava mentalizar coisas boas. Tudo daria certo. Na hora de levantar, não decepcionaria. Por que com ele seria diferente? Ora, se os amigos conseguiam, por que não conseguiria? A tensão que o atormentava certamente os afligira também. Mesmo que relutassem em admitir. Tinha certeza de que na segunda ou terceira vez, tudo seria mais fácil. Inclusive as preliminares. Como a eterna celeuma entre o dia e a noite, assim eram seus pensamentos naquele instante. Revezavam-se entre bons e ruins. Ele, coitado, feito vítima, mais parecia um ser inanimado. Mal piscava. Queria parecer forte, imponente, senhor de si. Que nada. Cada músculo de seu corpo parecia denunciar o verdadeiro pavor que, vez por outra, o assombrava. Só em pensar que o êxtase poderia se transformar em tragédia, o fazia arrepiar. O delicioso perfume de mulher a pairar no ar, que para alguns despertava sentimentos um tanto que profanos, para ele passava despercebido, tamanho a insegurança que o afligia. Por sinal, quem seria ela? Nome, por que perguntar? Não faria diferença. Não estavam ali para isso. Sem sentimentalismo ou compromisso. Talvez fosse casada, ou não... Era uma mulher de “presença”, apesar da natureza não ter sido muito generosa com sua beleza. Quanto aos peitos... Era loira, talvez um e sessenta ou setenta. Idade? Perto dos trinta talvez. Não tinha idade para ser sua filha, o que era motivo de certo alívio. Já pensou se o chamasse de “tio”? Até podia imaginar... O troço subindo, subindo e, quando já lá em cima, ser chamado de “tio”? O desconforto seria notório. Já não bastasse ter que manter a calma, o sangue a encher-lhe os vasos, ainda ter que ouvir tal disparate? Até por isso, estava decidido em manter-se, tanto que possível, calado. Lado a lado, aqueles corpos sedentos de vida. O dele suado, dado o esforço que fazia para enfrentar tamanho desafio. Ela, ao contrário, aparentava muita calma, quase frieza. Fruto, talvez, de sua provável experiência. Antes dele, quantos mais estiveram junto àquele corpo felino? Quantas e quantas vezes, ela não vira a “coisa” subir? Não queria decepcioná-la. Tremia só em pensar ser motivo de chacota nas futuras rodas de amiga daquela mulher. Pernas para cá, braços para lá. Esperava que fosse mais espaçoso o lugar, mas não. Era um “buraquinho” tanto que apertado. Foi com alguma dificuldade que conseguiu enfiar-se ali dentro, com algum desconforto. Ela, contudo, parecia indiferente aos esforços do coitado. Sequer esboçava um olhar. Nenhum ai, nenhuma reclamação, nenhum elogio. Nada, nada... O ar de superioridade da mulher só fazia aumentar a aflição do pobre homem. Torce daqui, contorce de lá, o que era para ser prazer, aos poucos ia se transformando em indelével e insuportável pavor. Precisava ir ao banheiro. Temia pelo que ela pudesse pensar. Pior, o que dizer aos amigos? Mentir? Dizer que foi inesquecível, ou abrir o jogo e reconhecer seu fracasso. Já podia ouvir as piadinhas e deboches. Preferia, talvez, não mentir, mas omitir alguns “pontos” da aventura vivida. Ressaltar, quem sabe, a beleza da mulher, o tamanho de seus peitos... Jamais, contudo, tocar ou permitir tocar no assunto atinente ao ápice do negócio, que é quando o “troço” sobe. Era desconversar e pronto! O banheiro era pequeno, mas asseado. Sabonetinho de motel, toalhinha macia, um mimo. Enfiado ali dentro, buscava mentalizar, mais uma vez, que tudo iria dar certo: vai dar certo, vai dar certo, vai dar certo... Não deu! Um profundo mal estar o tomou por completo. Jogou uma água na nuca, respirou fundo e contou até dez. Depois até vinte. Procurou acalmar-se. Retornou para o lugar. Ela continuava lá, do mesmo jeito que a deixara. Sequer lançou um olhar, muito menos comentário ou algo que o valha. Apesar de tão próximos, pareciam tão distantes, cada um no seu próprio mundo. Sentia-se cansado. Só ficou mais tranquilo quando, finalmente, o avião em que estava aterrissou. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

OUTONO


OUTONO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com




                Muito tem a natureza para nos ensinar. O que para nós é sinal de luto, para ela representa vida e esperança. Outono traz consigo a queda das folhas. É quando as árvores ficam completamente desnudas. Para o olhar limitado dos pobres mortais, outono traz consigo como que uma espécie de morte, esta em seu sentido mais triste, qual seja, o “fim” absoluto de algo ou alguém. Flagrante equívoco! Outono é vida. Não fosse o cair das folhas, restaria comprometido o belo ciclo da vida. As folhas que hoje caem alimentam e adubam a terra, fertilizando-a. Servem de alimento à própria raiz da árvore que, pela engenharia de Gaia, garante ao vegetal sua permanência durante muitos e muitos outonos, anos e anos. Outono permite, ainda, a sobrevivência de todo um ecossistema, além de ensinar algo cada vez mais esquecido: a solidariedade e o desapego. As folhas que hoje não servem à árvore, por sua vez são indispensáveis e vitais a tantos outros seres. O que seria da miríade de insetos que sobrevivem e se multiplicam a partir das folhas que, aparentemente, não mais são úteis à árvore? O que para esta talvez pareça sobra, para outras criaturas é sobrevivência. Somos como árvores. Em comum, a beleza, a singularidade, a dependência dialética e recíproca. Modificamos e somos modificados. Como elas, porém, somos mortais. Assim como árvores, nos deparamos com toda sorte de intempérie: ventos fortes, chuva torrencial, estiagem e granizo. Não bastasse isso, há que se lembrar da atávica agressão nascida da escassez de valores. Árvores e pessoas sofrem com o egoísmo, a cobiça e a ambição exacerbada. Nós e elas só fazemos sentido a partir do olhar alheio. Não fosse o “outro”, o que seria de ambos? Os relacionamentos é que alimentam a seiva estruturante da vida. Esta é tão rica quanto o são as relações e os afetos. Apesar das semelhanças, nossa teimosia – como venda – impede que aprendamos com as árvores. A lidar, como elas, com a aparente perda. Miramos a dor e o sofrimento que o luto proporciona e deixamos de lado os instantes memoráveis que passamos juntos. O sorriso aberto, os causos contados, o cheiro inconfundível, o calor da presença... Parece que apagamos da memória, preferindo conservar nela a imagem do corpo inerte e gélido. Tendemos a substituir as festas juntas vividas pelos prantos seguidos de pêsames. O coração, ao invés de fortalecido pelas boas e eternas lembranças, serve de trono à tristeza e à dor que alimenta a depressão e enriquece as farmácias. Sejamos como as árvores em outono. Façamos da morte um momento de vida, para nós e para outrem. Aprendamos com a natureza, pois dela fazemos parte e a ela estamos, inexoravelmente, ligados. O ciclo dela é também o nosso. Desejo que a morte suscite, sobretudo, a saudade. Como outono, seja nosso aparente fim. Sirva ele para fertilizar o coração e a alma, ou de pretexto para uma alegre conversa entre amigos e entes queridos. Talvez, ainda, de inspiração para boêmios e poetas. Viva as folhas caídas de outono!

Outono de 2012.